Combate à pandemia
Está em dúvida? Veja o que diz a ciência a favor da vacinação das crianças
Entidades médicas afirmam que nenhuma outra doença para a qual há vacinas mata tanto quanto a covid-19 no Brasil
Para pais, crianças são o bem mais precioso, o que naturalmente desperta preocupação sobre tudo envolvendo os pequenos — a covid-19. Se você está em dúvida se vacina ou não as crianças da sua família, dois pediatras e duas imunologistas de alguns dos melhores hospitais e universidades do Brasil tranquilizam: leve seu filho ao posto de saúde a partir desta quarta-feira (19) para protegê-lo e contribuir para o fim da pandemia.
Em meio a um Brasil polarizado, a vacinação de crianças, aplicada com intervalo de oito semanas entre as doses, também se tornou alvo de desinformação e de receios. Mas a medida é consenso entre médicos e cientistas respeitados.
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) destacam que nenhuma outra doença para a qual há vacinas mata tanto quanto a covid-19 no país.
A sociedade de médicos pediatras pontua que a vacinação das crianças contra a covid-19 é “uma questão prioritária de saúde pública” e que “o Brasil deve temer a doença, nunca o remédio”. Veja, a seguir, os argumentos da ciência a favor da vacinação de crianças:
Crianças pegam coronavírus e, sim, podem adoecer
A vacina da Pfizer oferece proteção de até 90,7% para crianças de cinco a 11 anos. No mundo, pelo menos 7 milhões de crianças pegaram a doença, o que representa 2% de todos os casos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) — mas especialistas destacam que elas são pouco testadas e, por isso, os números tendem a ser maiores.
Nos Estados Unidos, onde a testagem é mais acessível, as infecções em crianças representam 17,8% de todos os casos de covid-19 entre todas as faixas etárias, segundo a Academia Americana de Pediatria.
No início da pandemia, acreditava-se que crianças estavam a salvo da covid-19. Mas a ciência observou a realidade e atualizou o entendimento: de fato, a maioria das crianças terá poucos ou nenhum sintomas, mas, ainda assim, muitas adoecem.
Nos Estados Unidos, pelo menos 22,4 mil pequenos foram hospitalizados. Outros 5,2 mil desenvolveram síndrome inflamatória multissistêmica, uma reação exagerada do organismo frente à covid-19.
No Brasil, pelo menos 34 mil crianças e adolescentes foram hospitalizadas por covid-19, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Mais de 2,5 mil morreram, das quais metade eram crianças maiores de cinco anos e adolescentes.
O número de crianças e adolescentes mortos por coronavírus no último ano é maior do que por qualquer outra doenças infecciosas para a qual há vacina, como meningite, varicela, hepatite A e influenza H1N1, destaca a Sociedade Brasileira de Pediatria.
— O coronavírus não é negligenciável nessa faixa etária. Uma criança faleceu a cada dois dias no Brasil de covid-19. Muitas tiveram covid longa, com sintomas persistentes. Se levamos crianças para se vacinar contra meningite, coqueluche e outras doenças, devemos levá-las para se vacinar contra a covid — diz o médico infectologista pediátrico Renato Kfouri, presidente do departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Os dados ainda indicam que ser uma criança nascida no Brasil já é fator de risco para morrer por coronavírus. No país, a taxa de mortalidade entre crianças e adolescentes por covid-19 é de 41 a cada milhão de indivíduos. Nos Estados Unidos, são 11 mortes por milhão e, no Reino Unido, 4,5.
Hoje, o risco é maior para não vacinados
Conforme mais pessoas se vacinam, o risco de adquirir e adoecer por covid-19 aumenta entre quem não está vacinado. O Reino Unido assistiu a um aumento de internações de crianças em hospitais com a Ômicron. Nos Estados Unidos, 580 mil crianças pegaram covid-19 apenas na primeira semana de janeiro.
No Hospital Moinhos de Vento, a procura pela emergência pediátrica por casos respiratórios aumentou 30% em dezembro e 70% em janeiro, sublinha Helena Fleck Velasco, médica alergista e imunologista da instituição.
— As crianças são mais vulneráveis por não estarem vacinadas. Quase dobrou o número de internações de crianças em hospitais e nem fechamos o primeiro mês de janeiro. Em um hospital público onde trabalho, quase 50% dos leitos pediátricos estão ocupados por crianças com covid. No Brasil, já registramos maior internação de crianças — destaca.
Efeitos adversos são, em sua maioria, leves
Os efeitos adversos estão descritos na bula da Pfizer. No estudo, as reações mais comuns (em 10% dos vacinados) foram dor de cabeça, cansaço, dor muscular, dor ou vermelhidão no local de injeção e calafrios. Reações menos comuns (entre 1% e 10% dos vacinados) são diarreia, vômito, dor nas articulações e febre.
Mais raramente (entre 0,1% e 1%) pode haver aumento dos gânglios linfáticos, urticária, prurido, erupção cutânea, suor noturno, diminuição de apetite, náusea, dor nos membros e mal-estar.
— Há milhões de crianças vacinadas contra a covid. O Centro de Controle e Prevenção a Doenças dos Estados Unidos viu que 98% das reações são extremamente leves, como dor no local da vacinação. Os outros 2% são vômito ou febre. Não há descrição de morte — destaca a médica alergista e imunologista Helena Fleck Velasco, do Hospital Moinhos de Vento.
O médico Ricardo Feijó, do serviço de Pediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que medos sobre efeitos adversos de vacinas, como o risco de danos neurológicos ou de autismo, surgiram décadas atrás com outras vacinas e costumam ser requentados ao longo dos anos.
— Um caso conhecido foi levantado contra a vacina da tríplice viral, para sarampo, rubéola e caxumba. Surgiu um estudo publicado no Reino Unido colocando em dúvida a segurança dessa vacina e a possibilidade de ela causar autismo. Isso gerou um temor enorme na época. Com o tempo, viu-se que o estudo era forjado, o médico que publicou o artigo teve a licença de praticar medicina revogada e novos estudos viram que não havia relação. Não há nenhuma evidência de que vacinas gerem danos neurológicos — destaca.
A vacina é segura e casos de miocardite são muito, muito raros
Nos Estados Unidos, onde já foram aplicadas cerca de 10 milhões doses em indivíduos de cinco a 11 anos, não foi relatada nenhuma morte por causa da vacina. Houve oito casos de miocardite (ou seja, 0,00008% das aplicações), identificados pouco após a aplicação e todos com evolução clínica favorável, destaca a Sociedade Brasileira de Pediatria.
— A miocardite foi descrita como efeito colateral, mas é 40 vezes menos frequente do que se tu tiveres a doença em si. Qualquer prescrição traz efeitos colaterais, mas ela tem menos efeitos do que a própria doença. Atualmente, a chance de ter covid é muito alta — acrescenta a médica Helena Fleck Velasco.
Pessoas infectadas têm de 16 a 18 vezes mais chance de desenvolver miocardite do que quem não se infecta, segundo a Academia Americana de Pediatria. Se a comparação é entre vacinados e não vacinados, o risco é entre seis e 34 vezes maior de desenvolver miocardite para quem não se vacinou com Pfizer ou Moderna.
— Tem que ter medo da covid, e não da vacina, que ainda previne contra outras complicações da doença. A experiência americana com mais de 10 milhões de doses aplicadas mostra riscos de efeitos colaterais muito menores em crianças do que em adolescentes. Não há nenhum caso confirmado de morte por causa da vacina em todo o mundo — diz o médico infectologista pediátrico Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A vacina não vai mudar o DNA do seu filho
São falsos os boatos afirmando que a vacina da Pfizer, por ser produzida pela tecnologia de RNA mensageiro, pode modificar genes das crianças ou causar outros efeitos a longo prazo.
A vacina de RNA mensageiro leva uma espécie de “receita de bolo” para que as células produzam, por conta própria, uma proteína presente no Sars-Cov-: a proteína S. Quando as células de defesa identificam esse pedacinho “fake” do vírus fabricado por nosso próprio corpo após as instruções da vacina, criamos defesas para que, quando o vírus entre de fato, o organismo saiba se defender.
É como se incorporássemos a receita à biblioteca do sistema imunológico: quando tivermos coronavírus, nosso organismo retirará o livro da estante para lembrar como se defender. A receita de bolo original (o RNA mensageiro da vacina) é degradado dias após a vacinação.
— A vacina de RNA não altera o DNA. Não há como haver integração. O DNA está protegido pela membrana nuclear, a vacina não chega lá. Se isso acontecesse, essa tecnologia nunca teria prosseguido. Essa vacina foi aplicada em centenas de milhões de pessoas. Sabe o que afeta rins, sistema nervoso e coração? A covid. Isso sim há várias evidências — destaca a imunologista Cristina Bonorino, professora na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e integrante da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).
A ciência é a favor da vacinação de crianças
De forma unânime, as entidades médicas dedicadas ao estudo do coronavírus e da saúde de crianças recomendam a vacinação contra a covid-19. Entre elas, estão a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Academia Americana de Pediatria (AAP), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Ao menos 40 países já vacinam crianças, incluindo nações da União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Israel, Chile, Uruguai, Argentina e Cuba.
A vacina da Pfizer não é experimental
A etapa experimental é o momento no qual vacinas estão em estudo conduzido por uma farmacêutica ou universidade. Após o registro pela agência reguladora (no caso do Brasil, a Anvisa), o produto deixa de ser experimental.
A vacina da Pfizer passou por três fases de testes - em laboratório e em com mais de 2,2 mil crianças —, cujos resultados apontaram que ela é segura e funciona. Os achados foram publicados em revistas científicas e escrutinados por especialistas do mundo inteiro.
Posteriormente, os resultados foram analisados pelas agências reguladoras mais respeitadas do mundo, como a dos Estados Unidos (FDA), da União Europeia (EMA) e do Brasil. Todas liberaram e aconselharam a vacinação de crianças.
Vacinar crianças é proteger, também, adultos e idosos
As crianças não são os maiores vetores da covid-19, mas, assim como importam gripe e outras viroses para dentro de casa, também transmitem covid-19 para pais, irmãos e avós.
A vacina, além de proteger os pequenos, também reduz o tempo de transmissão e a carga viral transmitida entre os contaminados. Imunizá-los ajuda a chegar à imunidade coletiva.
— À medida que a vacinação avança na população, fica maior o papel da criança na transmissão e no risco. A população de cinco a 11 anos no Brasil corresponde a cerca de 20 milhões, que estão suscetíveis à doença e podem trazer risco a familiares. No Rio Grande do Sul, entre março e dezembro de 2020, tivemos mais de 40 mil casos de covid em crianças e adolescentes abaixo dos 18 anos. Dos hospitalizados, 30% precisaram de UTI e 14% necessitaram de ventilação mecânica. O risco de populações não vacinadas começarem a ser infectadas pode levar a um maior risco de sobrecarga no sistema de saúde — diz o médico pediatra Ricardo Feijó, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Em estudo publicado na prestigiosa revista científica Nature, a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), provou que crianças infectadas têm tanto vírus quando adultos.
— Certamente, elas transmitem também. A vacina só funciona como instrumento de saúde pública se tu vacinares grande parte da população. As crianças são o último grupo a ser vacinado, e sempre quem não está vacinado é o mais vulnerável a ficar doente. O vacinado está protegido de morrer e também transmite menos. Se tu não vacinar as crianças, o vírus circula bastante nelas — destaca Bonorino.