Cenário amargo
Crise, calor, mudança de hábitos: por que o consumo de chimarrão caiu 15% no RS
Setor ligado a uma das principais tradições gaúchas sofre com seca e queda de demanda
Uma das principais tradições gaúchas, o consumo de chimarrão passou a enfrentar um cenário amargo nos últimos meses no Rio Grande do Sul. No ano passado e no começo de 2022, a indústria do setor estima um recuo de até 15% nas vendas do mate devido a uma combinação entre perda de poder de compra dos consumidores, calor acima da média e mudanças de hábito, como o desmanche das rodas de chimarrão em razão da pandemia de coronavírus e a adoção de cuias menores e mais econômicas.
Na primeira onda da covid-19, quando a crise econômica ainda não havia se agravado e mais pessoas se isolavam em casa, comprando pacotes para consumo individual, as vendas de erva chegaram a crescer cerca de 20%. Desde então, índices altos de inflação e desemprego passaram a esvaziar os bolsos – e as cuias – da população.
— A grande maioria de quem consome o chimarrão é de classe média e baixa. Com o avanço da pandemia e da crise econômica, muitas pessoas começaram a cortar itens da lista do mercado. Ao terem de escolher entre comprar arroz ou erva-mate, escolhem o arroz — exemplifica o presidente do Sindicato da Indústria do Mate (Sindimate) no Estado, Álvaro Pompermayer.
A entidade não dispõe de dados consolidados e tabulados referentes ao período, mas a estimativa oficial é de um recuo de 10% a 15% no mercado interno ervateiro.
— Se o padrão de consumo no Rio Grande do Sul costuma ficar em torno de 100 mil toneladas ao ano, em 2021 isso ficou até 15 mil toneladas abaixo — complementa o dirigente.
Outros fatores se somam à falta de dinheiro na carteira. A volta ao trabalho presencial não foi acompanhada, por razões de saúde, pela retomada do compartilhamento do mate com os colegas de serviço.
— Em qualquer repartição a que se chegava, tinha um chimarrão. Não podendo compartilhar a bomba (devido ao coronavírus), isso parou. Fica até uma situação meio constrangedora fazer um mate e não compartilhar com os colegas — avalia o presidente do Instituto Brasileiro da Erva-Mate, Alberto Tomelero.
Aí entra outra mudança cultural imposta pela combinação entre covid-19 e penúria financeira sobre a tradição. Parte dos gaúchos que não abre mão do mate passou a dar preferência a cuias menores, que demandam menos erva.
— Hoje, 80% das nossas vendas são de cuias pequenas. Antigamente, respondiam por apenas 20%. As pessoas preferiam as cuias grandes, em que se coloca bastante erva. Mas isso mudou — afirma o comerciante Adão Pacheco, da Casa da Erva-Mate, localizada no Mercado Público na Capital.
Nas lojas especializadas, há relatos de queda ainda mais significativa no movimento. Atendente da Banca 25 do Mercado há 11 anos, Jaqueline Vargas revela que o fluxo de clientes em busca não apenas de erva-mate, mas outros apetrechos, como cuia ou bomba, diminuiu quase pela metade.
— Hoje (segunda-feira), por exemplo, faz duas horas que não entra ninguém na loja. Isso nunca acontecia. Todos os dias, mudamos os produtos em exposição para tentar atrair mais gente — diz Jaqueline.
Até o calor excessivo dos últimos meses é apontado como outro fator prejudicial para a mateada. Em janeiro, o Estado registrou 14 dias consecutivos de temperatura máxima acima dos 40°C, em uma situação pouco comum mesmo nos meses mais quentes do ano.
— O excesso de calor também impacta no consumo. Percebemos que o pessoal desanima um pouco de tomar chimarrão — concorda o presidente do Sindimate.
Indústria discute como atrair novos consumidores
A baixa nas vendas da erva-mate tem levado representantes de entidades do setor a discutir estratégias de como recuperar o terreno perdido nos últimos meses. Uma das possibilidades em avaliação é lançar uma campanha de marketing para estimular o consumo do produto, de preferência, entre pessoas com perfil menos afeito ao hábito do chimarrão.
— A cadeia da erva-mate não tem feito um trabalho adequado de divulgação. Podemos, por exemplo, focar no público mais jovem. Outras opções são tentar oferecer um outro tipo de cuia, uma garrafa menor que facilite o preparo e o consumo da bebida, por exemplo. Precisamos começar a pensar em alternativas — afirma o presidente do Ibramate, Alberto Tomelero.
O dirigente diz não ver um cenário muito propício a uma recuperação imediata do setor, já que as más condições financeiras da população e a presença do coronavírus não devem sumir no futuro próximo. E, como a seca prejudicou pelo menos 10% das plantações, existe a possibilidade de um aumento de preços – o que seria ainda mais prejudicial às vendas.
— A folha ficou mais desidratada, perdeu cor e, ao processar, a erva fica um pouco mais amarelada e forte. A tendência é de que a erva de boa qualidade, que começa a ser disputada pela indústria, aumente de preço — avalia Tomelero.
Para o representante do Sindimate, Álvaro Pompermayer, porém, a redução do consumo pode compensar a quebra de safra e manter o preço dos pacotes mais ou menos equilibrado.
Para os produtores rurais, a situação foi amenizada em parte porque a Argentina (também afetada por secas) passou a importar parte da produção gaúcha nos últimos dois anos. Mas isso não ajuda quem depende da força do mercado interno, como as indústrias e os comerciantes.
O dirigente do Ibramate lembra que cerca de 14 mil famílias gaúchas dependem diretamente do plantio da erva-mate, mas toda a cadeia ligada ao chimarrão envolve cerca de 100 mil pessoas, que, nos últimos meses, amargam um cenário não muito favorável.