Direto da Redação
Letícia Mendes: "As histórias que meu pai não me contou"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
Sempre gostei de escrever. E de ler. Talvez, por isso, quando eu ainda era adolescente, uma das minhas irmãs mais velhas me deu um caderno. Nele, havia muitas linhas em branco, para que fossem preenchidas com as histórias de meu pai. Aládio, que nasceu em 1923, gostava muito de contar histórias. E, de certa forma, talvez eu tenha herdado isso dele.
O certo é que o caderno estava ali. Era daqueles simples, colados, com uma capa maleável. Mas, ainda que meu pai gostasse tanto de contar histórias, e eu fosse um dia passar a contá-las, seja no jornalismo ou na ficção, eu nunca comecei a escrever naquele caderno. Nunca questionei meu pai sobre suas histórias com esse intuito. Só ouvi. E as linhas permaneceram em branco, à espera das aventuras que ele tanto adorava narrar.
Memórias
Uma das histórias que ele mais recordava era de quando serviu o Exército. E, ainda que a contragosto da família, decidiu ir embora. Queria voltar para casa. Não seguiria carreira militar. Se fosse diferente, lembrava ele, talvez a vida tivesse sido mais fácil. Meu pai criava vacas e vendia leite de porta em porta lá em Rio Pardo _ nos tempos em que era possível fazer isso. Andava com seus tarros metálicos pela cidade, entregando aos fregueses, diariamente.
Se tivesse permanecido no Exército, quem sabe teria encontrado oportunidade e àquela altura da vida a situação fosse um pouco melhor. Mas então ele olhava para a gente e concluía que, se a decisão fosse outra, talvez nenhum dos filhos tivesse nascido. O rumo da história seria incerto, sabia. Aí ele terminava amoroso, dizendo que aquilo só comprovava que o melhor a fazer na vida é mesmo seguir o coração.
Eu podia muito bem ter escrito essa história nas linhas vazias daquele caderno. Linhas que me atormentaram por anos. Especialmente quando meu pai se foi. Me dei conta de que poderia ter registrado ali tantas recordações, memórias, nomes, lugares. Mas não o fiz. E só me restou o caderno e suas linhas. Me dava um certo aperto no peito pensar que poderia ter sido diferente. Talvez, por isso, hoje escrevo para me redimir. E para dizer a ele, onde quer que esteja, que eu segui seus conselhos.