Prefeito afastado
Investigações em Canoas apontam irregularidades em contratos que somam R$ 66,7 milhões
Em coletiva, promotor afirmou que há evidências de "um amplo e abrangente projeto criminoso comandado" por Jairo Jorge, cujo afastamento foi determinado pela Justiça
As suspeitas que levaram ao afastamento do prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), nesta quinta-feira (31), recaem sobre contratos que somam R$ 66,7 milhões. É o que revela o Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, que solicitou e conseguiu que o mandatário e outros cinco membros do Executivo municipal fossem removidos dos cargos por seis meses.
A operação foi deflagrada a partir de um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que, em maio de 2021, detectou irregularidades no setor de saúde em Canoas. O MP prosseguiu com as investigações e conseguiu quebras de sigilo que apontaram indícios de combinações ilegais relativas a cinco contratos de serviços.
Dois deles, os principais, são na área de saúde. Nem todo esse valor foi pago, portanto, as supostas irregularidades não atingem todo o montante.
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Na definição dos procuradores que encabeçam a investigação, a prefeitura canoense passou a ser comandada por uma organização criminosa composta por dois núcleos: um político, que assumiu o Executivo, e outro empresarial. As apurações sugerem a prática dos delitos de peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, supressão de documentos, falsidade ideológica, fraude em licitação e organização criminosa.
Atual coordenador da Procuradoria da Função Penal Originária, Ricardo Herbstrith ressalta que o combate à corrupção e ao desvio de dinheiro público é uma das funções mais relevantes do MP.
— Porque faz com que estes recursos cheguem à população na forma de bens e serviços e não sejam apropriados indevidamente — disse.
Em entrevista coletiva, Herbstrith confirmou que foi pedida a prisão de Jairo Jorge, mas o Judiciário entendeu que medidas alternativas poderiam surtir efeito. Entre elas, foram determinadas a proibição de que os empresários que administravam os contratos venham ao Rio Grande do Sul e o afastamento do prefeito do cargo.
— É de se lamentar que, mais uma vez, o município de Canoas sofra com uma área que nos é tão cara, como a saúde. Que sempre enfrenta falta de recursos. E uma vez mais detectamos desvios nesse setor — disse Júlio César de Melo, subprocurador de Assuntos Institucionais do MP.
Entre os cinco contratos investigados estão a gestão do Hospital de Pronto Socorro de Canoas, a prestação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a contratação de serviços de limpeza e copeiragem. Conforme o MP, todos foram claramente direcionados a empresas e entidades previamente definidas pelo grupo investigado, visando o enriquecimento ilícito dos integrantes. Na área de saúde, no hospital, os repasses superam R$ 8 milhões mensais.
— O núcleo empresarial se beneficiava com contratos fechados fraudulentamente com a prefeitura de Canoas e repassava parte do valor recebido ao braço político — explica o coordenador do Gaeco-Núcleo Saúde, Marcelo Dossena Lopes dos Santos.
A operação recebeu o nome de Copa Livre porque tem origem em investigação sobre um contrato de limpeza e alimentação. O coordenador do Gaeco, João Afonso Silva Beltrame, destaca que as evidências não deixam qualquer dúvida de que os processos de contratação não passaram de armação dos investigados para favorecimento das empresas beneficiadas.
— O aprofundamento do trabalho investigativo acabou por revelar a atuação de verdadeira organização criminosa, que tem por escopo o desvio de dinheiro público não por meio de um único contrato fraudulento, mas também de vários outros. Trata-se, a toda evidência, de um amplo e abrangente projeto criminoso comandado pelo atual prefeito — pontua ele.
Medidas para manter o hospital funcionando
Além da operação criminal, o MP está ajuizando ação civil pública postulando a intervenção do Estado do Rio Grande do Sul no Hospital de Pronto Socorro de Canoas, visando que o ente público assuma provisoriamente a gestão da unidade de saúde para garantir a manutenção dos serviços. A intenção do MP é evitar qualquer interrupção no atendimento.
O subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Júlio César de Melo, esteve reunido na manhã desta quinta-feira com a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, para tratar do assunto.
— O Ministério Público quer evitar que o cidadão, além de sofrer com as consequências da ação criminosa, seja penalizado também com a falta de atendimento nesta área que é primordial. Por isso, a articulação entre as instituições é fundamental — salientou.
Contraponto
O que diz Jairo Jorge:
“Fui surpreendido, na manhã desta quinta-feira, por uma ação do Ministério Público do RS. Estou perplexo com as graves acusações e ataques à minha honra, mas sigo acreditando na Justiça e tendo a convicção de que todos os fatos serão devidamente esclarecidos”, escreveu Jairo, em rede social. O advogado Jader Marques, que defende o político, afirmou: “Farei, no momento oportuno, a devida manifestação sobre as medidas que serão tomadas”.
O que diz o prefeito em exercício de Canoas, Nedy de Vargas Marques:
"Foram cumpridos mandados de busca e apreensão na manhã desta quinta-feira, 31, em alguns prédios públicos da Prefeitura Municipal de Canoas.
Até este momento, a gestão municipal desconhece o inteiro teor das ações que pesam sobre alguns contratos, tendo tomado conhecimento tão somente dos mandados de busca.
De qualquer forma, saliento que todos os contratos, sejam os efetivados mediante procedimento licitatório ou dispensa de licitação são oriundos de rigoroso processo público de seleção, mediante aferição pública de preços, sendo avalizados e avaliados por diversos setores do nosso governo.
O Município de Canoas está à disposição do Judiciário para contribuir e responder a tudo o que for necessário para o efetivo esclarecimento dos fatos.
Reitero que seguiremos trabalhando, com todo o empenho e esforço, para que os canoenses sejam bem-atendidos em todos os serviços prestados pelo Poder Público Municipal."