Papo Reto
Manoel Soares: "Burca de concreto"
Colunista escreve para o Diário Gaúcho aos sábados
Em minha passagem pelo continente africano, conheci muitas culturas diferentes. Entre elas, mergulhei um pouco nos hábitos dos muçulmanos. As mulheres com suas burcas me chocavam, não somente pelo corpo todo coberto, mas porque, às vezes, eu via meninas de dois anos de idade seguindo as tradições. Com muito respeito, durante um jantar na casa de amigos tanzanianos, eu expressei meu estranhamento e ressaltei que, por não conhecer a cultura com profundidade, essa prática tinha uma lógica de prisão para mim, pois não permitia que essas mulheres mostrassem o próprio corpo.
O meu amigo Mahad olhou para a esposa e ela mesmo quis me explicar outro ponto de vista do que eu via. Ela me disse que, para elas, a burca era uma proteção e que seguir essas tradições não representava, para ela em particular, uma provação. Eu disse que não entendia assim, talvez porque estivesse muito contaminado com as coisas ruins que ouvi sobre o Islã, mas queria entender mais.
Ela me contou que, quando viajou ao Brasil, não entendia como vivíamos atrás de grades e muros, ficou chocada com a quantidade de carros blindados. Eu disse que existia um contexto de violência contra que exigia isso, fazia parte da segurança de cada família ter muros altos e portas bem trancadas. Foi aí que ela me perguntou se os muros e grades que alegamos ser para nossa proteção também não nos prendem. Depois de refletirmos, Mirna me fez entender que as grades e cadeados são nossas burcas de concreto e fingimos ser livres, mas aprisionados pelo medo da violência. Cada cultura tem suas prisões e liberdades, só temos que reconhecer. Isso é o efeito da África em uma linha de pensamento.