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Como moradores da Vila dos Papeleiros veem a revitalização do 4º Distrito, em Porto Alegre

Com a revitalização do 4º Distrito avançando, moradores da Vila dos Papeleiros se unem para transformar a percepção da cidade em relação ao bairro

09/07/2022 - 05h00min


Alberi Neto
Alberi Neto
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André Ávila / Agencia RBS
Comunidade tem se unido para manter ruas limpas, umas das principais reclamações sobre o bairro

Quem passa pela Rua Voluntários da Pátria ou pela Avenida Castelo Branco vê apenas de maneira superficial uma comunidade que resiste na região central de Porto Alegre. São os moradores do Loteamento Santa Terezinha, muito mais conhecido pelo nome Vila dos Papeleiros.

Porém, circulando pela comunidade, é possível encontrar um bairro que tenta se transformar e mudar a visão da cidade sobre o local. Grupos de moradores têm se unido para manter as ruas limpas. Espaços com grandes lixeiras comunitárias foram construídos para o melhor descarte do lixo doméstico. E quem depende da reciclagem tem usado ainda mais os espaços corretos para o trabalho.  

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Tudo isso porque o local tem sentido, ainda que de maneira quase invisível, uma nova pressão. É o crescimento do mercado imobiliário na área. O 4º Distrito, região onde fica a Vila dos Papeleiros, passa por forte expansão econômica, com abertura de centros de inovação, bares e lançamentos residenciais. 

A prefeitura de Porto Alegre apresentou, em abril, um programa que "visa à regeneração urbana do 4º Distrito", nas palavras da própria administração. Em maio, foi enviado à Câmara um projeto de lei para revitalizar o 4º Distrito. A proposta inclui incentivos tributários na tentativa de promover o desenvolvimento dos bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos. O objetivo é triplicar o número de imóveis na área. 

Localização

Entretanto, do lado de lá da Voluntários, a comunidade aguarda ansiosa  — e até com certa apreensão  — o anúncio de quando e como será embarcada neste trem que parte em direção ao progresso. O programa de "regeneração urbana" da prefeitura aborda pontos voltados para desenvolvimento social e habitação, mas lideranças da Vila dos Papeleiros querem que o assunto seja discutido com detalhes e mais participação de moradores. A vila está localizada em um ponto importante da cidade, perto do Centro Histórico, da rodoviária e de bairros nobres. 

Para quem vive no local, as preocupações são mais urgentes. A recicladora Vera Farias, 56 anos, por exemplo, cita a proximidade com equipamentos de saúde:

— Consigo ir caminhando em todos os hospitais, só o Conceição que é um pouquinho mais longe. É bom, tudo perto, a gente não depende tanto de transporte público para se locomover. 

Vera se perde na conta do tempo vivendo no bairro, ele confunde-se com a sua história. Quando questionada sobre uma possibilidade de sair da área, mareja os olhos, olha pro céu e sussurra "Deus me livre, moço, não quero sair daqui". Na pequena casa onde ela mora, vivem 11 pessoas. 

De memória, ela diz ser certo que há mais três décadas habita pela região. Vivenciou o grande incêndio de 2005 e retornou para ganhar a casa própria. Uma das filhas não teve a mesma sorte, ainda mora com a mãe. Aos 36 anos, Gelsa Farias dos Santos conta que sonha com uma casa própria na Vila dos Papeleiros. Mãe de um menino, ela diz que quer um espaço para viver com o filho. 

Vera e a filha dividem espaço de trabalho na Associação dos Recicladores da Vila dos Papeleiros (Arevipa). Instalada na Rua Paraíba, a associação é um centro onde os recicladores podem separar os resíduos que recolhem em seus carrinhos. 

Ao lado, em outro galpão, funciona uma cooperativa de recicladores, onde é feita somente a separação dos materiais encaminhados pela coleta seletiva. Os dois espaços contam com moradores da Vila dos Papeleiros em boa parte da equipe. Quase cem famílias vivem do sustento vindo da Arevipa e da cooperativa.

André Ávila / Agencia RBS
Gelsa (E) e a mãe, Vera, dividem espaço na Arevipa

Trabalho social para crianças e jovens

Circulando pelas ruas da Vila dos Papeleiros, a imagem é de um bairro tranquilo. Na manhã de quarta-feira (6), a reportagem caminhou pela localidade na companhia da assistente pedagógica Fernanda Simões Pires, que trabalha no Centro de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos (CCFV) Marista Irmão Bortolini. Também moradora da região, ela conta que o local tem um importante papel na transformação de crianças e jovens. 

A rede Marista também mantém uma creche na Vila dos Papeleiros. Assim, da Educação Infantil ao final do Ensino Médio, as crianças e jovens da comunidade conseguem se manter ocupados no contraturno escolar, além de serem encaminhados para vagas de Jovem Aprendiz ou até mesmo para trabalhar no Centro Social.

— Temos muitos parceiros que nos ajudam nesse trabalho. E também valorizamos as pessoas aqui da comunidade para trabalhar nestes espaços. Buscamos mostrar que eles podem e devem buscar os caminhos profissionais que sonham — diz Fernanda. 

A integrante do centro social caminha pela Vila dos Papeleiros como uma professora pela sala de aula. Conhece todos pelo nome, chama, cumprimenta, conversa. Enquanto recolhia algumas roupas no varal, o mecânico industrial aposentado Fritz Leopoldo Scholz, 80 anos, atendeu aos cumprimentos de Fernanda. 

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Citado como um dos fundadores da vila, Fritz é conhecido por manter os arreadores da sua rua sempre varridos e bem cuidados. Aos fundos da casa, o muro que separa a vila da Avenida Castelo Branco têm grandes árvores plantadas. É canela, garante Fritz:

— Plantei quando viemos para as casas novas aqui, agora estão grandes. Gosto muito de morar no bairro. Podem até tentar nos tirar, mas já temos as raízes aqui.

Diretora da creche da Vila dos Papeleiros, Carla Furtado Goulart vai de encontro ao que diz o morador. A instituição é uma prova da união da comunidade. Tocada inicialmente por uma associação de mulheres da vila, teve a gestão assumida pela rede Marista há 12 anos. Atualmente, são atendidas 108 crianças em turno integral, além dos 20 colaboradores que trabalham no espaço, grande parte moradores da Vila dos Papeleiros.

— É um trabalho de transformação, de fazer essas pessoas entenderem o potencial que existe nelas — acredita Carla. 

De diarista à coordenadora

André Ávila / Agencia RBS
Silvana mora na comunidade e assumiu coordenação pedagógica de centro social

Há pouco mais de um mês, Silvana Silva Freitas assumiu a coordenação pedagógica do CCFV Marista Irmão Bortolini. Silvana é uma das vitrines da transformação da comunidade. Moradora da Vila dos Papeleiros há cerca de 13 anos, começou trabalhando na creche da comunidade como diarista. Recorda que ganhava R$ 15 por diária, quando havia serviço. 

Pouco tempo depois, conseguiu uma ocupação na cozinha. Quando a Rede Marista assumiu a gestão do espaço, Silvana saiu das panelas e foi para a sala de aula. Com experiência na área da educação, virou educadora-assistente e depois, titular. Depois de uma década na sala de aula, foi convidada a assumir a gestão pedagógica do centro social.

— Manter esse vínculo entre instituição e comunidade é essencial para mudar o ponto de vista de quem mora aqui. Educandos (alunos) que viram educadores, depois vão para o mercado de trabalho. É uma semente que plantamos e vai transformando uma geração — comemora Silvana.

Como moradora, ela conta que ficou feliz em ver a mobilização da comunidade quando a revitalização do 4º Distrito começou a ser mais frequente na pauta do loteamento. O fato de os moradores se unirem para os mutirões de limpeza e também de consciência coletiva gerada pela mobilização mostra o desejo de permanecerem no espaço, diz a coordenadora pedagógica:

— Uns alertam os outros para o descarte correto do lixo, para manter as ruas limpas.

"Retirada nunca foi proposta nem seria aceita", defende secretário de Habitação

Titular da Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (Smharf), André Machado garante que o projeto de revitalização do 4º Distrito não ventila nenhuma possibilidade de retirada de famílias que vivem na região, muito menos no Loteamento Santa Terezinha, a Vila dos Papeleiros.

— Nunca passou pela nossa cabeça e também nunca foi proposto qualquer tipo de retirada daquelas famílias dali. Não há incerteza sobre isso, as pessoas vão ficar. Quem não vai ficar é quem não pode, em casos de construções irregulares — explica André.

No curto prazo, a ideia é regularizar as moradias do loteamento. Depois da entrega em 2006, as famílias firmaram contratos com o Demhab, mas nunca receberam a posse dos imóveis através das matrículas. A prefeitura tem feito um intenso trabalho neste sentido. Como o Diário Gaúcho mostrou recentemente, o número de matrículas entregues na cidade em 2021 foi o maior dos últimos cinco anos. Segundo André, mesmo quem chegou depois, terá direito a regularização.

— Temos casos de pessoas que fizeram a compra de casas na região, que os moradores que tinham ganhado venderam. Essas pessoas também vão ter o direito de receber a matrícula — pontua o secretário.

Outros locais

André chama atenção para o fato de que a Vila dos Papeleiros está nos holofotes da revitalização, mas há diversas outras comunidades que também serão atendidas e visadas pelo programa. No projeto, o 4º Distrito é uma área ampla, que vai da rodoviária até a Avenida dos Estados:

— É importante pontuar, pra não perder de vista. Depois da Ponte do Guaíba, tem outras vilas, ocupações. Uma série de outras situações que vão exigir olhar cuidadoso do poder público

Um dos pontos levantados pelo secretário para o futuro é o olhar para áreas de interesse para habitação social. São aqueles espaços sem uso na região que poderão ser convertidos em moradia. É um caminho longo, admite André, mas que a administração tem buscado trazer para as discussões da revitalização.

Histórico da Vila dos Papeleiros

/// Não há registros precisos, mas desde a década de 1990, ao menos, papeleiros ocuparam a região da Rua Voluntários da Pátria, entre as ruas Gaspar Martins e Câncio Gomes.

/// Há 18 anos, em 19 de março de 2004, a comunidade foi destruída quase que completamente por um incêndio, deixando cerca de 200 famílias desabrigas. 

/// Em 2005, uma nova tragédia queimou mais 40 casas. Com isso as famílias foram movidas para casas de passagem, na mesma região.

/// Um novo loteamento foi construído e as famílias voltaram ao local no final de 2006, depois de a prefeitura investir R$ 8,5 milhões — mais de R$ 21 milhões em valores corrigidos pela inflação — na construção de uma nova comunidade, com 213 casas. 

/// Crise econômica e outros fatores afastam indústrias da região, mas espaços começam a ser ocupados por negócios da chamada economia criativa.

/// Com o crescimento da ocupação do 4º Distrito, quase duas décadas depois da entrega do loteamento Santa Terezinha, a prefeitura lança projeto para revitalizar a região onde está inserido o bairro.

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