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Movimento antivacina, fake news e falta de mobilização: como se explica a queda na cobertura vacinal infantil

Rio Grande do Sul segue tendência global e tem registrado menor adesão nos últimos anos

21/08/2022 - 16h34min

Atualizada em: 21/08/2022 - 16h36min


Vinicius Coimbra
Vinicius Coimbra
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Jonathan Heckler / Agencia RBS
OMS e Unicef dizem que o mundo enfrenta a maior queda contínua nas vacinações infantis em 30 anos

Uma tendência: assim é possível definir a redução nos índices de cobertura vacinal infantil em todo o mundo. Os dados sobre o assunto mostram quedas no Rio Grande do Sul e no Brasil nos últimos anos. Essa condição faz com que doenças consideradas erradicadas no país voltem a preocupar autoridades de saúde.

Especialistas ouvidos por GZH apontam diversas causas para a queda da imunização infantil: sucesso da vacinação em massa no passado e movimentos contrários às imunizações são dois dos exemplos citados.

Um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado neste mês informa dados interpretados como "a maior queda contínua nas vacinações infantis em 30 anos" em todo o mundo.

No Brasil, a situação é similar. Entre as maiores quedas de cobertura vacinal infantil está a da vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), que, em 2015, chegou a 96% das crianças, mas em 2021 teve redução para 71%. 

A pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e hemófilo B) caiu de 96% para 68% no mesmo período; e a de poliomielite (contra a paralisia infantil) foi de 98% a 67%.

Até 2014, o cenário era o oposto: em geral, a cobertura vacinal apresentava aumento ano após ano, com adesão acima dos 90% e que, em alguns imunizantes, superava os 100% no grupo.

Da mesma forma, o Rio Grande do Sul registra redução na cobertura vacinal de crianças nos últimos anos, segundo dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações compilados por GZH. (Veja levantamento abaixo).

A cobertura da poliomielite, por exemplo, chegou a 100,02% em 2013, mas teve alcance de 75,72% no ano passado. Outro exemplo é a vacina BCG, que combate a tuberculose: em 2013 foi registrada cobertura vacinal de 110,88% no Estado; em 2021 foi de 74,64%.

As autoridades de saúde entendem que, para que haja proteção coletiva a doenças, a recomendação é que no mínimo 90% das crianças estejam com as vacinas em dia.

Movimentos antivacina

Quando perguntado sobre os motivos que levaram à redução da cobertura vacinal de crianças no país e no mundo, Paulo Ernesto Gewehr, infectologista do Hospital Moinhos de Vento, cita, primeiro, os movimentos antivacina. Para ele, as ideias contra os imunizantes circulam na Europa e nos Estados Unidos há anos, mas ganharam espaço e seguidores no Brasil durante a pandemia de covid-19

O médico assegura que a desconfiança não tem base no que é verificado no combate às doenças, mas esse "debate" causa dúvidas na população quanto a vacinas que já se provaram seguras e eficazes durante anos de uso.

— O movimento antivacina se alimenta de fake news. É importante combater a desinformação e a mentira científica com informações baseadas em estudos científicos e chanceladas pelos órgãos sanitários e especialistas de cada área — diz.

Outros problemas podem explicar o cenário global, para o médico: a falta de vacinas em postos de saúde, o horário de funcionamento desses locais e a capacitação dos profissionais para orientar a população quanto à importância dos imunizantes. Mas, por outro lado, uma característica desse tipo de prevenção pode explicar o desinteresse em manter as crianças com o calendário vacinal em dia: os bons resultados das campanhas de imunização feitas em décadas passadas.

— As vacinas sofrem do próprio sucesso. Quando há uma doença em atividade, como é o caso da covid-19, a população quer a vacina. Mas, no momento em que o imunizante chega e controla a doença, a percepção de risco diminui e as pessoas deixam de se vacinar — resume.

Entretanto, o vírus estar sob controle ou sem registros de casos durante anos não significa que ele não possa retornar. Como exemplo, o médico cita o sarampo. De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil tinha tido registro dos últimos casos da doença em 2015, o que levou o país a receber, em 2016, uma certificação da eliminação do vírus. 

No entanto, no ano seguinte, foram confirmados 9,3 mil casos, o que levou o Brasil a perder a certificação com os cerca de 20 mil registros da doença em 2019. Em 2021, 668 casos da doença foram registrados. Além disso, desde o retorno da circulação do vírus, 40 pessoas morreram devido à doença, metade delas crianças abaixo de cinco anos, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Volta da poliomielite preocupa

O infectologista André Luiz Machado, do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), também identifica a pandemia como um momento de crescimento de informações contrárias à vacinação no país e no mundo. Isso ocorreu em uma situação na qual foram criadas estratégias para controlar a doença de forma rápida e eficaz, comprovadas com a redução de mortes em todo o mundo após o início da vacinação contra a covid-19. Esse fato, que em tese ajudaria a reforçar a efetividade dos imunizantes, abriu espaço para réplicas com informações sem base, explica o médico:

— Com a mesma velocidade que a ciência buscou a estratégia para controlar a pandemia, informações falsas surgiram a todo o momento a fim de trazer uma impressão de que as vacinas são nocivas para a população e para as crianças. Essas informações precisam ser desfeitas, estão completamente equivocadas, porque nocivo para a população é a doença e suas sequelas, e não a vacinação.

O infectologista usa a situação da poliomielite para destacar a importância de imunizar as crianças. Neste ano, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) incluiu o Brasil na lista de países com alto risco de volta da doença. Segundo a organização, pelo menos 500 mil crianças não foram vacinadas contra a poliomielite, que, nos episódios mais graves, pode provocar paralisia. Não foram registrados casos no país nos últimos anos, mas a doença foi detectada nos Estados Unidos em julho, após quase uma década sem registros.

A Secretaria Estadual da Saúde (SES) usa dados da Opas para afirmar que 74% das cidades no Rio Grande do Sul apresentam risco alto ou muito alto de reintrodução do vírus entre os gaúchos. Por isso, uma campanha para vacinar 553 mil crianças, entre um e quatro anos, ocorre no Estado neste momento. Para o infectologista do Conceição, essas ações precisam ser mantida pelas autoridades porque a iminência do aparecimento de casos de poliomielite é "preocupante".

— É uma doença que estava erradicada pelas campanhas de vacinação. Isso perde força porque começamos a ter casos no mundo. Ela é de fácil transmissão e, se as pessoas não mudarem a postura em relação aos cuidados e à vacinação, teremos crianças doentes — completa Machado.

População está "acomodada"

Akira Homma, assessor científico sênior do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da Fiocruz, diz compreender que a queda das coberturas de vacinação no mundo todo é "um assunto complexo", com vários fatores que podem explicá-la. No entanto, o primeiro ponto destacado por ele para justificar o momento é a falta de contato com vírus que deixaram de circular e, por isso, não fazem vítimas na comunidade, que se sente livre do problema.

— O fato do desaparecimento de doenças da rotina das pessoas fez com que a população se acomodasse quanto às imunizações. Existe uma sensação de segurança, mas que é apenas sensação, porque a ameaça está presente. Estamos acumulando uma população de não-protegidos, o que é uma condição para volta de doenças que são preveníveis por vacinação — comenta.

O especialista relata ter integrado campanhas de imunização, nas décadas de 1980 e 1990, que conseguiam ter êxito ao alcançar grupos da população em poucos dias, coisa que, segundo ele, não ocorre hoje com o mesmo empenho. Para repetir o feito — o que é uma necessidade do momento —, Akira Homma defende que é preciso o envolvimento do setor privado, poder público, entidades filantrópicas e imprensa, que precisam demonstrar a importância do trabalho preventivo.

— Não estamos conseguindo mobilizar a sociedade como um todo. As pessoas precisam entender que a prevenção da doença por imunização é absolutamente importante, é a atividade de melhor custo-benefício dentro da saúde pública — diz.


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