Direto da Redação
Letícia Mendes: "Sobre goiabas e peras"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
Cresci com meus irmãos numa chácara no Interior, onde havia um imenso pomar. Corríamos no gramado, por longos corredores, cercados por laranjeiras e limoeiros. Lambuzámos mãos e rosto, avermelhados pelos cáquis maduros e explosivos. Arriscávamos a sorte, partindo as duras sementes dos cáquis de chocolate, tentando encontrar desenhos de garfos, facas e colheres dentro delas. E quase sempre conseguíamos, acreditando que havia um tanto de magia naquilo tudo.
Vivíamos dependurados no topo de algum galho, vendo o mundo passar lá de cima. Escalávamos as árvores carregadas de jabuticabas, pitangas e peras. Dessas últimas, sacudíamos com força os galhos do alto para que as frutas pipocassem no chão, num tapete esverdeado. Também cultivávamos um pezinho nanico de romã. Mas não era das minhas preferidas. Levava muito tempo para a fruta crescer, redonda, e ainda dava trabalho demais para comer, semente por semente.
Esses dias, mirando uma goiabeira em algum canto de Porto Alegre, lembrei que podia sentir à distância a textura do caule daquela árvore. Não precisava me aproximar dela para isso. Era mais uma memória que estava gravada dentro de mim. A sensação das minhas mãos pequenas deslizando pelos galhos lisos e levemente escorregadios. Acredito que a infância é o único período da minha vida no qual reuni memórias das quais consigo recordar em detalhes. Ouvir os mesmos sons, sentir os cheiros, as texturas.
Talvez porque naquele tempo estávamos presentes. Vivíamos cada momento por inteiro. Sem sacar o celular – nem sabíamos que bicho seria esse – afoitos para registrar todos os momentos e ver o mundo através de uma tela. Nada contra as tecnologias. Elas me são muito úteis. Até porque o que me fez escrever esse texto foi ler num site que hoje, 21 de setembro, é Dia da Árvore. Algo que eu não recordava, confesso. Mas respirar, sentir, deixar-se aprofundar no momento, também é restaurador. E talvez nos ajude a enxergar o quanto precisamos cuidar desse mundo.