Guardadores de veículos
Quase três anos após lei que proíbe flanelinhas em Porto Alegre, nenhum autuado pagou a multa
Guarda Municipal flagrou 476 pessoas na Capital exercendo a atividade desde a implantação da legislação
A presença de flanelinhas no entorno do Acampamento Farroupilha em Porto Alegre voltou a gerar reclamações de motoristas em relação à atividade, que está proibida desde janeiro de 2020 na Capital. Prestes a completar três anos em vigor, a lei complementar nº 874 ainda não conseguiu efetivar a punição prevista e enfrenta desafios na hora da fiscalização.
Pela norma, a atividade de guardador de veículos, flanelinhas ou assemelhados nas ruas de Porto Alegre não é permitida. Quem é flagrado deve ser multado em R$ 300, ou em R$ 600, em caso de reincidência.
A Guarda Municipal autuou 476 pessoas na Capital desde a implantação da legislação. Nenhuma delas pagou a multa administrativa, algo que já ocorria desde o primeiro ano da lei. Em novembro de 2021, GZH mostrou que 454 haviam sido multados. Desde então, foram mais 22 autuados, uma média de dois por mês desde aquela ocasião.
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Para o comandante da Guarda Municipal de Porto Alegre, Marcelo do Nascimento, a redução de multas ocorre pela dificuldade de flagrar as ações com a chegada da viatura ostensiva.
— O flagrante fica mais difícil agora que eles não são mais pegos de surpresa, como no início da lei. Eles disfarçam quando visualizam a Guarda ou saem correndo. Não há como colocar um agente em cada esquina — explica.
A pandemia também teve influência nas fiscalizações. O comandante avalia que, com o distanciamento social e a ausência de grandes eventos, houve uma queda de ocorrências. No entanto, com a retomada gradual das atividades, a quantidade de denúncias sobre flanelinhas voltou ao nível anterior à proibição, fazendo com o que o trabalho da Guarda tivesse que ser reforçado.
Sobre a situação no Parque Harmonia, Nascimento afirma que houve pelo menos 28 denúncias de flanelinhas atuando na região em setembro, o que fez com que a Guarda intensificasse a fiscalização. Conforme o comandante, um dos casos gerou uma prisão por ameaça.
— A atividade é proibida, no entorno do parque tem áreas que são específicas para estacionamento e estão autorizadas pela administração (do Harmonia) e a prefeitura. Fora disso, não é permitido — esclarece Nascimento, ao se referir ao espaço entre as quadras do trecho 1 da Orla e o Arroio Dilúvio (antes do Anfiteatro Por do Sol) e também ao terreno em frente ao prédio do Ministério Público.
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O presidente do Sindicato dos Guardadores de Automóveis de Porto Alegre, Júlio Moura, explica que há de 30 a 40 guardadores vinculados à entidade que estão trabalhando em um espaço dentro do parque, autorizados pela prefeitura. De acordo com a lei, áreas internas não se enquadram na proibição, que é destinada a vias públicas.
— A gente está fazendo o que foi instruído pelo governo, até por causa da empresa que tem o direito de uso e concessão. Então a gente tem que manter o preço deles, não é porque a gente quer cobrar o valor "tal". Dia de semana é R$ 30 e final de semana é R$ 40 — diz Moura.
GZH questionou a Guarda Municipal e o consórcio GAM3 Parks, que administra o Parque Harmonia, sobre os valores aplicados pelos guardadores vinculados ao sindicato. Ambos informaram não serem responsáveis por estabelecer o preço cobrado.
Na manhã desta terça-feira (20), a reportagem circulou pela região e flagrou vários flanelinhas atuando perto de áreas com a presença da Guarda Municipal, EPTC e Brigada Militar. Um dos homens ofereceu uma vaga para estacionar na Avenida Augusto de Carvalho por R$ 20 e alegou estar trabalhando com autorização da prefeitura. No mesmo local, outro pedia R$ 30, mas logo baixava o valor quando o veículo começava a se deslocar.
Em outro ponto, entre a Rua Ibanor José Tartarotti e a Avenida Loureiro da Silva, pelo menos três flanelinhas abordavam motoristas, incluindo o carro da reportagem. Duas viaturas da Guarda Municipal estavam presentes no trecho, uma no começo e outra no final da via. O comandante da Guarda, Marcelo do Nascimento, disse o efetivo seria reforçado para verificar os casos.
Multas sem pagamento
Sobre as 476 pessoas multadas desde o início da lei, mais de 250, ou seja, 52%, estão inscritas em dívida ativa, SPC e Serasa, segundo a prefeitura. Para o secretário adjunto Operacional da Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), Luís Zottis, a falta de pagamento tem relação com uma questão cultural de não quitar dívidas ou de a pessoa não ter recursos para isso.
— Temos esse problema, que já é o contexto dos devedores. Se aquela pessoa não vai ter um prejuízo na sua vida, ela empurra esse pagamento, diferente da multa de trânsito, por exemplo — analisa Zottis.
O secretário adjunto também observa que é necessária uma maior colaboração da população para identificar casos em que o motorista paga ao flanelinha por se sentir coagido.
— É uma extorsão quase que velada. Se as pessoas denunciassem mais, poderíamos coibir.
Diante desses casos, a prefeitura orienta que a população comunique, pelo telefone 153 da Guarda Municipal, quais são os locais e as características das pessoas que estão exercendo a atividade irregular. Por segurança, é recomendado que a ligação seja feita de longe, para que seja possível realizar o flagrante.
Casos que configurem outros crimes, como ameaça, extorsão ou lesões, devem ter registrados em uma delegacia da Polícia Civil. Apesar de não poder aplicar multas, a Brigada Militar também pode oferecer apoio.
Sem conseguir sustento
Quando entrou em vigor, a lei que proibiu a atuação de guardadores de veículos e flanelinhas previa que o Executivo municipal elaborasse um plano para inserção de quem estivesse registrado na função. Antes da legislação, um levantamento da prefeitura contabilizou cerca de mil pessoas exercendo a atividade em Porto Alegre. Hoje, não há dados sobre quantos seguiram trabalhando ou migraram para outras funções.
— Os guardadores não podem perder o direito de trabalhar e de exercer uma atividade que não foi terminada, porque o Ministério do Trabalho ainda faz o registro — afirma o presidente do sindicato dos guardadores.
A entidade já chegou a registrar cem profissionais legalizados, mas a proibição fez com que o grupo fosse diminuindo, ficando, hoje, abaixo de 50. Mesmo estando à frente do sindicato, Júlio, que tem 47 anos, conta que improvisa para garantir o sustento da família.
— Não sei mais o que vou fazer. Já tentei ir trabalhar e me proibiram. Eu não sou bandido, não sou ladrão, sou uma pessoa decente, um ser humano. Tenho certeza que nesse meio tem muitas pessoas boas. Estou vendendo TriLegal na rua. O único meio hoje para eu não estar passando fome e necessidade é o auxílio emergencial que o governo está fornecendo. Às vezes, eu vou pegar uma cesta básica — desabafa.