Direto da Redação
Lis Aline Silveira: "Sempre no fim da fila"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
Aqui em casa, há anos rola uma brincadeira meio sinistra com o meu marido, um integrante da vertente brasileira da família Dahmer: o membro mais famoso do clã foi o norte-americano Jeffrey Dahmer, assassino em série também conhecido como o Canibal de Milwaukee. Jeffrey Dahmer matou 17 homens e garotos entre 1978 e 1991. Condenado a prisão perpétua, foi assassinado por um colega de cadeia em 1994.
Histórias à parte, a Netflix lançou recentemente a série Dahmer, que conta justamente a história de Jeffrey – recomendo para quem tem nervos fortes e acesso ao serviço de streaming.
Porém, a série não se detém a apenas ficar dando notoriedade aos crimes cometidos. Ela mostra como a polícia e os órgãos públicos falharam ao não dar voz aos que vivem mais à margem da sociedade.
Durante anos, vizinhos ligaram para a polícia e denunciaram o comportamento estranho, os barulhos esquisitos e o mau cheiro vindos do apartamento de Jeffrey. O assassino em série morava em um bairro de pessoas negras e de baixa renda. As reclamações eram ignoradas pela polícia, ou, quando atendidas, não eram levadas a sério. E ele logo percebeu que, se suas vítimas fossem negros, latinos, orientais, ficaria mais fácil manter-se nas sombras, já que eram pessoas cujo sumiço não causava aquela grande comoção social.
Inclusive, dizem que Dahmer ficou matando por mais de 10 anos sem ser descoberto, não por sua grande esperteza e discrição, mas pela pouca vontade da polícia em investigar, mesmo.
Trazendo a história para a vida real, não é tão difícil achar um paralelo nas periferias brasileiras dos dias atuais. Quantos jovens pretos e pobres são mortos, e fica por isso mesmo? Em quantas vilas há famílias que passam mais de 10 dias sem água e recebem uma desculpa técnica esfarrapada? Pacientes que morrem em hospitais, e os familiares nunca conseguem provar se foi destino ou negligência?
Pessoas que não têm voz, e que estão sempre no fim da fila. Uma realidade mais difícil que a série na Netflix.