Direto da Redação
Leticia Mendes: "Meta a colher"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
Mariana, Francine, Heide, Thairine, Deise, Maila, Isabel, Sandra, Viviane, Liana, Ana Carolina, Ketlyn, Paola, Nara... Esses são alguns nomes guardados na minha memória. São mulheres que não conheci. Mas, infelizmente, nossos caminhos se cruzaram de forma triste. Noticiei o desfecho de suas vidas. Todas vítimas de feminicídio.
Ao longo dos anos, a violência doméstica se tornou um dos temas mais recorrentes no meu dia a dia como repórter policial. E, claro, especialmente os feminicídios, único crime não subnotificado. Raras vezes o autor consegue esconder o delito. Diferente da tortura psicológica, das ameaças, das lesões e até dos estupros, que se repetem nos sigilos das casas. E que, por vezes, demoram anos para romperem o silêncio.
Estima-se que a mulher vítima de violência leve até uma década para pedir ajuda. Dez anos sendo vítima do mesmo crime. Muitas vezes sem sequer se reconhecer como vítima, carregando a culpa por ser violentada, por aquele relacionamento não ter saído como esperava, pelo fracasso familiar. A culpa nunca é da vítima. Nunca! Mas é muito mais simples para quem está de fora enxergar isso.
O caso da Mariana, no topo dessa lista, foi um dos últimos noticiados. Colocar-se no lugar das vítimas, por ser mulher, já é algo inevitável. Dessa vez, foi ainda mais impactante. O pai me narrou que a filha trabalhava como atendente de farmácia, enquanto cultivava sonhos para o futuro. Por mais de três anos me dividi entre o balcão de uma farmácia e as aulas de Jornalismo. Era a forma de custear o transporte até a faculdade.
Foi impossível não retornar àquele tempo e pensar em tudo que eu ainda viveria pela frente. E em tudo que a Mariana não terá o direito de viver. A Mariana não conseguiu romper a relação que vivia. Como muitas não conseguem, exaustas, aterrorizadas ou sufocadas pela teia do ciclo da violência. Crescemos ouvindo que não se mete a colher na relação dos outros. Metam a colher sim, não se omitam, e, principalmente, não desistam dessas mulheres. Não deixem que elas ocupem essa lista, onde jamais deveriam estar.