ASSISTÊNCIA SOCIAL
Pessoas em situação de rua pedem retorno do restaurante popular em Gravataí
Almoço foi disponibilizado de forma emergencial durante a pandemia no Centro Pop da cidade. Prefeitura prevê reabertura de espaço
Com a crise econômica causada pela pandemia, espaços em cidades da Região Metropolitana passaram a oferecer almoços por preços simbólicos ou até gratuitamente. No caso de Gravataí, que não possui restaurante popular ou espaço similar desde 2017, almoços foram servidos no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – Centro Pop até o mês de outubro do ano passado.
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Mesmo que a fase mais grave da covid-19 tenha passado, a fome de pessoas que vivem em situação de rua e vulnerabilidade social continua. E este é um dos argumentos utilizados pelo Coletivo PopRua Gravataí, que é contra a decisão de a prefeitura ter retirado o almoço no Centro Pop. Integrantes do coletivo, por meio de uma ação ajuizada pela Defensoria Pública do Estado contra a prefeitura, pedem o retorno do serviço no município.
– Entramos pedindo a retomada do almoço de forma urgente. Nesta liminar, também pedimos a reabertura de um restaurante popular – explica a defensora pública Aline Lovatto Telles, que teve acesso ao abaixo-assinado coletado pelo PopRua.
Conforme a defensora, o município contestou a ação com a promessa de inauguração de um novo restaurante popular para suprir a demanda da população.
Dignidade
– Desde criança estou nas ruas, vendendo balinha, catando papelão, pedindo moeda. Aí, a marmita custa R$ 15, o mesmo valor da caixinha de bala. Se compra a marmita não compra balinha, se compra balinha não dá para marmita. Aí fica com fome né, faz falta o almoço popular – conta Danilo Benedito Lira, 30 anos, de São Paulo, mas que vive pelas ruas do mundão, como ele diz, há 20 anos.
Pessoas em situação de rua que vão até o Centro Pop têm acesso a até duas refeições (café e lanche). Mas uma delas, o lanche da tarde, é condicionado à participação em oficinas.
– O que queremos é que eles voltem a ter a dignidade de ter alimentação sem imposição. É preciso criar cursos diversos, que as pessoas gostem. Queremos que criem mecanismos que deem dignidade humana, e um deles é a alimentação – afirma o conselheiro em Saúde e Segurança Alimentar Vladimir Duarte, conhecido como Medusa Kafele, 61 anos.
Segundo Medusa, em média, 50 pessoas em situação de rua faziam a refeição ao meio-dia no Centro Pop. Após a interrupção do serviço, ele conta que os usuários passaram a cozinhar de maneira improvisada em um terreno baldio da cidade. Já as oficinas, condição para obter café da tarde, são uma barreira para aqueles que fazem suas próprias atividades, como a reciclagem e a venda informal, para obter alguma renda.
Promessa de voltar a oferecer refeições
A titular da pasta da Família, Cidadania e Assistência Social (SMFCAS), Joice Michels, reforça que o público que já era atendido no Centro Pop não está desassistido pelo poder municipal. Joice destaca que a prefeitura está em processo de licitação da empresa fornecedora de marmitas para a reabertura do restaurante popular:
– Passado esse período (da pandemia), demos um prazo de que não iria mais ter mais almoço e com isso, enquanto gestão, definimos e nos organizamos para resgatar o restaurante popular, entendendo a necessidade de ter o local para distribuição de alimentos no município. Deixamos de servir almoço, pois não é função do Centro Pop.
Conforme a secretária, o restaurante irá funcionar na região central da cidade e deve ser aberto, se tudo correr normalmente no processo de licitação, entre 40 e 45 dias. Ainda segundo Joice, não há confirmação se haverá cobrança de valor acessível ao prato de comida ou se será gratuito ao público.
– A ideia é ter mais de um restaurante, sendo esse primeiro só do município. Mas queremos resgatar as parcerias e ter outros restaurantes em bairros – conclui.
Além das duas refeições oferecidas no Centro Pop, pessoas em situação de rua têm acesso a banho, lavagem de calçados e roupas, oficinas, entre outras atividades. Também recebem orientações para fazer documentação e encaminhamento para outros serviços assistenciais que o município oferece, como albergues.
De acordo com a coordenadora do Centro Pop, Priscilla Bastos, o movimento gira em torno de 35 a 40 pessoas por dia, principalmente pela manhã, por causa do acesso ao café sem necessidade de participação em atividades:
– Combinamos com o setor de nutrição dois lanches mais reforçados, com carne e frango, tanto de manhã quanto de tarde. À noite, para quem pernoita na Casa do Bem, tem a janta e o café da manhã. O lanche da tarde é vinculado à participação porque a oficina é uma das prerrogativas do Centro Pop, que é estruturar novos projetos de vida. Só conseguimos fazer isso se trabalharmos essas questões nas oficinas.
Um dos enfoques do Centro Pop é garantir acesso aos direitos necessários como reinserção social, por meio do mercado de trabalho e de vínculos, entre outras demandas que assim surgirem, além do envolvimento com movimentos, como o PopRua.
– O local específico para este serviço (de refeições) seria o restaurante popular e, por isso, batemos na tecla enquanto assistência, na reabertura de um espaço porque não seria só esses usuários os beneficiários, mas Gravataí como um todo. Fomentamos aos usuários a participação no movimento do PopRua e no Conselho Municipal de Alimentação, visto que essa questão é que bate neles. É nosso papel fomentar a participação social – afirma Priscilla.
Ações em conjunto com paróquias
Enquanto o restaurante não abre as portas, o público com fome busca comida em ações na Praça Engenheiro Leonel de Moura Brizola, no Centro, às quintas-feiras.
– Esse almoço é um movimento do Coletivo PopRua e da Pastoral da Rua de Gravataí. Promovemos essas ações em conjunto com as paróquias e com outras pessoas interessadas em ajudar – diz Medusa.
Emocionado e indignado, Reinaldo Ferreira dos Santos, 70 anos, que vive nas ruas há décadas, critica a retirada da refeição. Atualmente, ele dorme na Casa do Bem e passa no Centro Pop, fazendo as refeições dentro dos espaços:
– O padre não acreditou que havia tantos na rua passando fome. Eu sei o que é fome, e aprendi nas ruas a me salvar.