Transporte seletivo
Em uma década, Porto Alegre perde quase metade das linhas de lotação
Sistema não recebe aporte público e pretende congelar tarifa em R$ 8, mesmo enfrentando também redução drástica no número de usuários
O sistema de transporte seletivo urbano de Porto Alegre enfrenta dias de incerteza. As lotações, inicialmente chamadas de táxis-lotação, foram criadas na Capital como alternativa aos ônibus, em 1976. Atualmente, com tarifa de R$ 8 e queda drástica no número de usuários, empresas responsáveis pelo serviço reduziram a quantidade de veículos e os horários em circulação.
Há uma década, em 2013, eram 44 linhas percorrendo caminhos entre o Centro e os bairros da cidade. Desde o ano passado, restaram apenas 26 linhas em atividade — atendidas por 315 veículos.
O mesmo ocorre com a quantidade de passageiros. Em 2015, haviam sido contabilizadas pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) 19.293.739 viagens pelo sistema. No ano passado, foram 6.526.904 percursos financiados pelos usuários — cerca de 17,8 mil por dia.
— O serviço de transporte seletivo já vinha sendo impactado pelo ingresso do transporte por aplicativos. Então veio a pandemia e acentuou este impacto — aponta o gerente técnico da EPTC, Flávio Tumelero.
Tumelero afirma que a prefeitura reconhece a situação delicada para a sustentabilidade das empresas e admite que o futuro do serviço segue indefinido.
— É um serviço público muito importante. Como ficará, diante desta grande redução no fluxo de passageiros, é uma pergunta que nos fazemos — diz.
O gerente assegura que a EPTC monitora permanentemente o fluxo de passageiros, bem como fiscaliza e vistoria periodicamente a frota que circula na Capital. A Associação de Transportadores de Passageiros por Lotação (ATL), por sua vez, sustenta não terá mais como manter o serviço sem o aporte de recursos públicos.
— Nosso serviço foi severamente atingido pela concorrência desleal dos aplicativos. Então veio a pandemia e arruinou o equilíbrio de empreendimentos que eram sólidos. Aumentar a passagem agora seria um suicídio para as empresas — afirma o presidente da ATL, Magnus Isse.
Aumentar a passagem agora seria um suicídio para as empresas.
MAGNUS ISSE
presidente da ATL
Segundo ele, um estudo que tem sido realizado, sob conhecimento da EPTC, irá indicar alternativas para o setor. A expectativa é de uma definição ainda neste ano.
Não há gratuidades previstas para o transporte seletivo da Capital. A opção de pagamento é o passe-antecipado, modalidade na qual o usuário adquire créditos para um cartão pessoal. Os vales-transporte não são aceitos nas lotações.
"Às vezes, vou e volto com três ou quatro pessoas apenas"
Usuárias da linha Jardim Vila Nova, as vizinhas Custódia Clara, 64 anos, e Silanda Ferreira, 54, foram ao Centro Histórico para fazer pequenas compras e pesquisar preços para os presentes de Páscoa. Deslocaram-se de casa até a Avenida Borges de Medeiros em uma lotação. No retorno, deram azar: chegaram ao ponto quando um veículo acabara de partir.
— Estamos vendo o preço do aplicativo para dividir. Às vezes, não vale a pena esperar e o valor acaba sendo quase o mesmo — descreve Custódia.
Silanda concorda. Conta que optam pela lotação por razões bem objetivas: conforto, sensação de segurança e menor tempo de deslocamento.
— De ônibus, levamos uns 40 minutos para chegarmos no bairro. De lotação são 20 minutos e tem ar-condicionado — diz.
Em meio à entrevista, um veículo encostou no ponto. As amigas, então, desistiram do transporte por aplicativo e voltam para casa como haviam chegado ao Centro: na lotação da linha Jardim Vila Nova.
Um ponto de parada à frente, o motorista Ricardo Zinn, da linha Menino Deus, indica que a ponderação das passageiras dá sentido ao que ele percebe todos os dias, a redução na quantidade de pessoas transportadas.
— Há seis anos, quando comecei, eu carregava até 200 passageiros por dia. Hoje, levo cem por dia, quando muito. Às vezes, vou e volto com três ou quatro pessoas apenas — comenta.