Coluna da Maga
Magali Moraes e a hora incerta
Colunista escreve às segundas e sextas-feiras no Diário Gaúcho
Eu simpatizo com relógios de parede, especialmente os que não funcionam. Falta pilha nova, sobra tempo. Os ponteiros apontam um horário qualquer e seguram a pose. O maior finge ter certeza absoluta dos minutos. Já o menor se acha o tal, definindo uma hora que não faz sentido. E o engraçado é que, mesmo sabendo que o relógio parou, o nosso olhar continua procurando aqueles ponteiros perdidos no tempo. Não sei se é apenas costume ou uma sensação boa de não depender tanto deles.
Se for o relógio na parede da cozinha, não tem como saber a hora da fome. Tudo bem, o estômago ronca quando bem entende. Agora se for o relógio da academia, o treino pode durar uma eternidade. Imagina se a gente acelerasse o horário (com a força do pensamento) enquanto faz abdominais? Não dá. Aqueles ponteiros parados pesam toneladas. E relógio antigo de pêndulo? Parece um quadro na parede da vó. Se atrasa as badaladas, tomara que a hora da sopa continue a mesma.
Alívio
Ter um relógio analógico nesse mundo cada vez mais digital é quase uma afronta. Eu acho um charme. E quando os ponteiros se negam a funcionar, melhor ainda. Que alívio! Em vez de reclamar ou correr pra comprar pilha, aproveita um pouco. Perder a hora pra não perder a cabeça (inventei esse ditado, pode usar). Viver de olho no relógio é estressante. Por que a gente ficou tão obcecado com o tempo? Se pedirem um minutinho da sua atenção, o que você oferece? Dois segundos, e olhe lá.
Outro relógio que tem a minha simpatia é o do micro-ondas que ninguém arruma (eu também não). Digital, modernoso, mas sempre perdidão. Em que fuso horário ele vive? Faz o tempo congelar igual às carnes no freezer. Um desavisado pode entrar na cozinha pra tomar o café da manhã, e achar que é pra jantar. Tudo funciona: liga, pausa, cancela, aquece, degela. Só a hora que é sempre incerta. Outros eletros devem fazer piada dele. Deixa assim, tem mais relógios pela casa pra nos pressionar.