Notícias



Lobóticos 

Referência em robótica, escola da Vila Mapa vence prêmios internacionais há mais de 10 anos 

Equipe de crianças da Emef Heitor Villa Lobos ganhou torneio mundial realizado em Houston, nos Estados Unidos 

04/05/2023 - 21h34min


Isabella Sander
Isabella Sander
Enviar E-mail

É do meio da Vila Mapa, em um dos bairros de renda familiar mais baixa de Porto Alegre, que saiu uma das duas escolas brasileiras e a única pública a participar da edição de 2023 do First Lego League World Festival (FLL). E não é um caso isolado – batizada com o nome de um dos maiores compositores do Brasil, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Heitor Villa Lobos, na Lomba do Pinheiro, tem se dedicado a criações não apenas na música, mas também na robótica. Nessa área, desde 2007, já são mais de 40 medalhas e 30 troféus em competições nacionais e internacionais.

A mais recente aventura dos Lobóticos, como é chamada a equipe de robótica do colégio, terminou há uma semana, quando retornaram a Porto Alegre, diretamente dos Estados Unidos. Lá, seis estudantes e a professora Cristiane Cabral venceram a categoria “Melhor Modelo de Solução” com uma maquete automatizada que projeta um espaço de lazer e entretenimento para a comunidade da Vila Mapa, com direito a brinquedos movidos a energia renovável, temática proposta nesta edição do FLL.

— A gurizada resolveu olhar para a própria comunidade. Como toda periferia, aqui tem vários problemas de energia, como falta de luz, roubo de fios. Já estávamos envolvidos com projetos de lazer para a comunidade, aí os alunos acharam interessante pensar na criação de uma praça pensando na energia — relata a professora.

Leia mais
Estudantes de Porto Alegre irão representar o Brasil em torneio mundial de robótica nos Estados Unidos

Os alunos sentem falta de praças na Vila Mapa e, por isso, resolveram projetar a revitalização de uma. Com o uso de robótica, idealizaram um parquinho de diversões, com brinquedos movidos por fontes de energia solar e eólica e por dínamos, que funcionam por meio do uso de um gira-gira. O resultado foi uma maquete feita com peças de Lego, levadas para serem apresentadas na FLL Explore, voltada para crianças de seis a 10 anos. Também há divisões da competição específicas para os pequenos de quatro a seis anos e para os maiores, de nove a 16.

A mãe dos projetos com o uso de robótica na Heitor Villa Lobos é a professora Cristiane, que trabalha com a temática desde 2007, quando a Secretaria Municipal de Educação (Smed) comprou kits com os mecanismos para toda a rede. A docente, então, se apaixonou – capitaneou os trabalhos, fez mestrado e doutorado na área e nunca deixou que o projeto morresse.

— Atualmente, temos incentivo da prefeitura para seguirmos com o projeto, mas nem sempre foi assim. Já tivemos que fazer vaquinha para ir às competições. Em paralelo, com doações e o que arrecadamos vencendo eventos, conseguimos dar continuidade — comenta a educadora, ressaltando que as direções e os colegas da escola sempre foram parceiros e se empenharam para manter a robótica na instituição.

Se faltam recursos, sobra mobilização. Em 2018, Cristiane lançou um financiamento coletivo para levar os Lobóticos ao Canadá, para representar o Brasil no Robocup, outro campeonato mundial de robótica. O engajamento teve um final feliz: a equipe conseguiu viajar e voltou trazendo consigo o prêmio de Melhor Apresentação na modalidade OnStage, na qual alunos precisam dançar com robôs.

Desde 2012, estudantes da escola da Vila Mapa já participaram – e venceram – cinco eventos internacionais: quatro Robocups, no México, na Holanda, no Brasil e no Canadá, e um FLL, nos Estados Unidos. Mas a professora faz questão de ensinar aos alunos que o mais importante é participar e partilhar conhecimentos.

— O grande troféu é mostrar o que se fez. A gente não ganha todas, mas é importante o que a gente aprende. Temos que ir lá e sair com a sensação de que fizemos o que podíamos. Tudo é aprendizado, ainda mais com crianças de 10 anos — observa a docente.

A viagem também ofereceu diversão aos estudantes. O grupo aproveitou a ida aos Estados Unidos para conhecer a Disney. Para isso, os pais fizeram rifa e venderam lanches na busca de recursos.

Trabalho em equipe

André Ávila / Agencia RBS
Alunos voltaram da viagem trazendo medalhas e muitas experiências

E, pelo jeito, os pequenos aprendem mesmo a dar menos bola para troféus do que para a vivência envolvida nesses projetos. Lara Hoffmann, 10 anos, por exemplo, não titubeia ao responder do que mais gostou na viagem:

— O que eu mais gostei foi estar todo mundo junto. Eles são meus amigos, e isso é importante, porque a gente trabalha muito em equipe.

A menina também ficou surpresa com a variedade de culturas que encontrou no evento. A comida, achou meio apimentada demais.

— Gostei mais ou menos (da comida). Eu gosto de pimenta na sopa, mas, lá, era pimenta em tudo. A gente estava com medo de que até na sobremesa viesse pimenta — conta Lara.

Sury da Silva, 10 anos, se impressionou com a diferença de idiomas falados entre as pessoas.

Cristiane Cabral / Arquivo Pessoal
O grupo também esteve na Disney

— Eu nunca sonhei com não falar português, porque aqui todo mundo fala e, por isso, eu achava que o mundo todo falava. É muito legal. Na nossa apresentação, a gente conseguiu um tradutor, que ficava dizendo para os juízes o que a gente estava falando, e parecia que eles entendiam que a gente estava interessado — lembra a menina, que gostou ainda mais da viagem por saber que não estava só passeando, mas participando de um momento que era fruto do trabalho e do esforço do grupo.

A interação com outras equipes acontecia com a ajuda da professora, que fala inglês, e por meio de alguns gestos. Um deles é a troca de broches, explicada por Lara:

— A nossa equipe tinha um broche dos Lobóticos, e as outras equipes também têm os deles. Aí, a gente vai passando e trocando os nossos broches pelos deles.

Para Cristiane, o fato de o projeto dar acesso às crianças a experiências que não teriam sem ele, como o próprio uso de um kit de robótica, que tem custos superiores a R$ 7 mil, é o que lhe move a continuar.

— Ninguém deseja o que não conhece, e, quando eles conhecem essas possibilidades, passam a desejá-las. Quando comecei o projeto, em 2007, estava muito chateada, sem entender a minha função na educação. O projeto, sem dúvida, me proporcionou isso — observa a docente.

As atividades de robótica ocorrem no contraturno dos alunos e são opcionais. Os estudantes que se destacam nas oficinas, que ocorrem uma vez por semana, são convidados a participar dos Lobóticos, que têm mais um encontro semanal. De lá, já houve quem deu continuidade aos estudos científicos no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e quem tenha conseguido um emprego na HP Brasil.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias