Direto da Redação
Caroline Tidra: "Julgar é a zona de risco"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
Em saídas para a reportagem, tenho contato com muitos contextos e experiências diferentes. Isso é um dos aspectos mais interessantes do jornalismo. Podemos sair de casa sem saber o que vamos conhecer, com quem vamos falar, onde vamos ir. No final do dia ou da noite, entregamos em diversos formatos – às vezes, imparcialmente – o que coletamos através das vozes e da observação.
No mês passado, visitei locais em Porto Alegre que nunca havia ido. Conheci de perto quatro áreas de alto risco para desastres naturais. Conversei com moradores, ouvi relatos sobre o medo e, principalmente, sobre o sentimento de pertencimento ao local. Apesar do risco de perder tudo que foi construído e até a própria vida, muitos relataram as partes boas e o quanto gostam de viver onde moram há anos, décadas. Ouvi também quem quer sair dos locais, mas não deseja ir para muito longe. Uma das moradoras fez o seguinte relato:
– Quem não quer morar melhor? Aí, escutamos: “Foram fazer casa na beira do arroio”. Todos aqui moram onde conseguem e podem.
Voltando da pauta, eu e os colegas refletimos sobre o julgamento que existe de realidades as quais, por vezes, não foram vividas por quem julga. Sair de um lugar onde é conhecido, onde as raízes estão fixadas por causa da família ou porque gosta do bairro não é fácil. Virar as costas para o local onde investiu o retorno de muito trabalho não é fácil. Mudar para um bairro distante de conhecidos ou do trabalho não é fácil. Ficar e perder todos os bens num piscar de olhos também não é fácil. Fácil é expressar julgamento quando se está distante do perigo.
Como alguém que torce, com esperança, para que essas pessoas vivam melhores dias, em mais segurança, desejo que o poder público consiga colocar em prática os planos e projetos que mitigam os riscos, e que nenhuma vida se perca. Desejo, assim como a moradora entrevistada, que essas áreas apareçam “na mídia com um olhar diferente”.