SAÚDE PÚBLICA
Fila de espera para exames via SUS na Capital saltou 30,48% em 12 meses
Alguns pedidos, como a ressonância magnética, exigem paciência de até oito anos para fazer o que o médico solicitou
Se médico do seu posto de saúde lhe encaminhou esta semana para fazer uma ressonância magnética, provavelmente não será ele quem verá o resultado do exame. Isso porque o tempo de espera para o procedimento é de 2.984 dias em Porto Alegre – ou oito anos e dois meses. Conforme os dados mais recentes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), de abril, são 1.213 solicitações por este exame na fila, enquanto somente 50 atendimentos são ofertados por mês.
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E essa nem é a fila de exames com maior espera no Sistema Único de Saúde (SUS) da Capital. A liderança do ranking fica com um pedido mais raro: a eletroneuromiografia. O tempo de espera é de 8.616 dias, o que representa 23 anos e sete meses. A eletroneuromiografia, conforme uma publicação do Hospital Albert Einstein, é "usada no diagnóstico e prognóstico das lesões do sistema nervoso periférico". A fila para o exame é pequena, são 244 solicitações esperando, mas somente oito atendimentos são oferecidos por mês.
Quem não pode esperar a ressonância magnética foi Elenira Martins Pereira, 61 anos. Em junho do ano passado, ela sofreu um acidente de carro onde teve o corpo prensado na colisão.
– Fui atendida no Hospital de Pronto-Socorro, onde fizeram raio X e não tinha nada quebrado. Mas, depois de três dias do acidente, eu ainda estava com muitas dores na perna e nem conseguia colocar o pé no chão. O hospital me mandou procurar o posto de saúde, onde pediram uma ressonância para ver se eu estava com trombose. Para não ter que esperar porque eu estava com cirurgia marcada no braço, paguei R$ 398 e eu estava mesmo com trombose – detalha Nira, que é líder comunitária na zona leste da Capital.
O valor da ressonância pago por ela foi correspondente a coparticipação por ter feito via plano de saúde do marido. O valor cheio custa, em média, a partir de R$ 600. Com o diagnóstico, Nira fez tratamento com anticoagulante e teve a cirurgia do braço adiada. Até hoje, ela aguarda ressonância e ultrassonografia mamária bilateral, entre outros exames, via SUS. Devido ao mesmo acidente, ela ainda sente dores no seio.
– O mais urgente agora é a ultrassonografia na mama, que estou aguardando e não pude pagar. Se eu tivesse feito a cirurgia no dia que estava marcada e com a trombose, eu podia ter morrido – explica.
Na frente em quantidade
Em tamanho de fila, o exame com mais solicitações em espera é o raio X odontológico intrabucal, com 13.550 pedidos de atendimento. Só em abril, 4.379 pedidos entraram na fila, enquanto 1.628 procedimentos foram oferecidos. Os 10 exames com mais pedidos envolvem imagem, desde radiografias odontológicas, passando radiografias simples, ultrassonografias e colonoscopias. Este último, aliás, é o que tem o maior tempo de espera para atendimento entre as maiores filas. São 2.939 dias – ou pouco mais de oito anos.
Entretanto, não há como saber se este é mesmo o exame mais demorado entre as filas com mais solicitações acumuladas. Isso porque o setor de transparência da prefeitura não informa o tempo de espera para a maioria dos exames com as filas maiores. Entre estes 10 com mais pedidos, metade não apresenta estimativa de tempo de espera para realização na tabela de abril, a mais recente disponível.
Comparação
O cenário nas solicitações de exames não parece ter melhorado ao longo dos últimos 12 meses. No mesmo período do ano passado, 77.301 pedidos estavam na fila. Atualmente, são 100.864 – é um crescimento de 30,48%. Entre os 10 mais com mais pedidos, só houve uma mudança. A endoscopia digestiva alta deu lugar à tomografia computadorizada. O aumento da espera na tomografia, inclusive, assusta. No ano passado, eram 25 pedidos na fila de espera – ante os 6.687 que aguardam agora, um salto estratosférico de 26.648%.
Nos 10 exames com maior taxa de pedidos, as alterações foram equilibradas. Cinco filas diminuíram e cinco aumentaram. Olhando mais de perto para os dados, é possível notar onde isso se deu. Especialidades odontológicas, como as radiografias bucais intra e extrabucal, saltaram, enquanto as ultrassonografias que lideravam em 2022 agora têm menos fila, apesar de os números ainda serem altos.
Gargalos causam problema
A fila de exames do SUS da Capital não é tão grande em variedade se comparada à fila de espera por consultas, por exemplo. São 29 exames diferentes disponíveis, sendo que alguns são o mesmo exame para ocasiões diferentes, como ultrassonografias e radiografias. Dentre estas 29 variáveis, 18 têm menos de cem solicitações em espera. Apesar disso, o número não é sozinho um balizador. Isso porque há filas bem maiores onde o tempo de espera é curto, pois a oferta é alta. Caso da ultrassonografia abdominal, que mesmo com quase 9 mil solicitações, tem um tempo de espera médio de quatro dias para atendimento.
A SMS já pontuou que o ideal para o tempo de espera é que casos prioritários sejam atendidos em até 30 dias e casos gerais em até 90 dias. Na fila de espera por exames, ao menos nove especialidades se encaixam no tempo de espera ideal para casos gerais – outras 15 não informam tempo de espera. Nas situações prioritárias, sete filas têm espera menor que 30 dias – e 14 não informam tempo de espera.
Operação Inverno
O problema são estes gargalos, onde as solicitações são muito maiores que os números de exame ofertados. Caso, por exemplo, da já citada ressonância magnética. Em relação a estes exames, a SMS afirmou na nota enviada ao Diário Gaúcho que está "focada na Operação Inverno, a qual foi antecipada". Porém, a secretaria reforça que "não está se esquecendo da prioridade desta gestão, que é a redução das filas de exames e especialistas". Sobre as possíveis medidas para reduzir estes tempos de espera e o tamanho de algumas filas, a SMS apontou que "vai conversar com prestadores para ver se consegue aumentar a oferta e a qual custo".
Aumento nas consultas gera mais exames, diz SMS
A prefeitura de Porto Alegre afirma que a pandemia aumentou a procura por atendimento no SUS. E isso reflete-se na rede de atenção primária. Segundo a SMS, no primeiro quadrimestre de 2023, houve um aumento de mais de 16 mil atendimentos nas unidades de saúde de Porto Alegre quando comparados ao primeiro quadrimestre de 2022. A pasta alerta que aumentou o número de atendimentos, principalmente, em odontologia, o que explicaria esse aumento de exames na área.
"Com a contratualização de equipes de saúde bucal na atenção primária e ampliação do quadro funcional de cirurgiões dentistas, através de concurso público, foi possível aumentar os atendimentos odontológicos na atenção primária, com consequente aumento no número de pedidos de exames radiográficos", diz a SMS, em nota.
Para tentar reduzir essa fila, a secretaria afirma ter recentemente firmado contrato com uma clínica radiológica, que ofertará, em breve, 1.100 radiografias panorâmicas (as extrabucais) e 1.400 radiografias intra-orais (as intrabucais) ao mês. Além disso, os serviços de radiologia do Centro de Saúde Santa Marta, Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, e das clínicas da família Mauro Ceratti e Álvaro Difini seguem realizando exames radiográficos.
Aparelhos
Ainda sobre as radiografias odontológicas, a SMS explica que neste ano, foi ampliada oferta pela Clínica da Família IAPI, no Centro de Especialidades Odontológicas IAPI e na unidade móvel OdontoSESC. A Faculdade de Odontologia da UFRGS, desde dezembro de 2022, também está realizando radiografias panorâmicas. E foi realizada a compra de 17 aparelhos de raio X que serão distribuídos nas unidades de saúde do município após adequações necessárias, garante a pasta municipal da Saúde. Com isso, "o usuário poderá realizar o exame no momento da consulta com o cirurgião-dentista, não necessitando ser encaminhado para outro serviço", diz a nota da SMS.