Notícias



Embate por moradia

Entenda o que motivou o protesto contra a demolição de muro em ocupação na Cidade Baixa 

Estrutura ficava entre o Museu Joaquim Felizardo e a Kasa Okupa Cultural Jiboia, que acolhe pessoas LGBTQIAP+ em situação de vulnerabilidade social, na Rua João Alfredo

20/10/2023 - 10h07min

Atualizada em: 20/10/2023 - 10h14min


Jean Peixoto
Jean Peixoto
Enviar E-mail
Jonathan Heckler / Agência RBS
A Kasa Okupa Cultural Jiboia fica na Rua João Alfredo, 568, Cidade Baixa, em Porto Alegre

A demolição de um muro motivou uma manifestação de moradores da Cidade Baixa, em Porto Alegre, na tarde desta quinta-feira (19). A estrutura fica entre o Museu Joaquim Felizardo e a Kasa Okupa Cultural Jiboia, que funciona em uma moradia de propriedade privada, na Rua João Alfredo.

De acordo com o procurador-geral adjunto, Nelson Marisco, a estrutura estava condenada e oferecia riscos tanto para os frequentadores do museu quanto para os moradores da ocupação. No entanto, duas paredes da casa estariam apoiadas a uma parte do muro e, segundo o procurador-geral, não havia como demoli-lo sem derrubar as paredes.

— Quando o município derrubou o muro e viu aquela situação, não pôde deixar como estava. Até pela sua obrigação de assegurar que não causaria mais nenhum dano às pessoas envolvidas e, por isso, foi obrigado a derrubar também duas paredes internas — afirma Marisco.

Esta foi a segunda vez que a prefeitura esteve no local para efetuar a demolição do muro. No dia 4 de outubro, equipes da prefeitura iniciaram a demolição com base em uma decisão judicial liminar. Na ocasião, os integrantes da Kasa Okupa Cultural Jiboia se manifestaram contra a ação do Executivo, que recuou.

Nesta quinta-feira, a retroescavadeira da prefeitura retornou ao espaço para concluir a demolição. Novamente, houve mobilização e resistência por parte dos moradores. Embora não se tratasse de uma ação de despejo, a prefeitura definiu que o prédio precisava ser evacuado, segundo o procurador, para a segurança dos moradores. Houve confronto com o Batalhão de Choque da Brigada Militar.

Demolição e confronto

Segundo a BM, duas pessoas foram detidas, uma delas por desacato e a outra por dano ao patrimônio, desobediência e resistência. Um dos presos teria danificado uma viatura. Um policial ficou ferido. Uma manifestante foi ferida e precisou ser levada para atendimento no Hospital de Pronto-Socorro (HPS).

Os moradores alegam que houve truculência na abordagem da BM, que teria os impedido de retirar seus pertences.

— Foi demolido além do muro, telhados, portas, janelas, paredes da casa, canos, pias. A luz ainda está desligada. Não foi uma reintegração de posse, mas destruíram a moradia. Não teve defesa pela ocupação. Agora a defesa será no sentido de garantir a reconstrução do muro e de parte da habitação destruída. Que o município seja responsabilizado. Que a Brigada Militar seja responsabilizada pelo abuso de autoridade e violência extrema, que feriu muitas pessoas moradores e LGBTs — diz a advogada Stéphani Fleck da Rosa, que representa a ocupação.

O major Demian Riccardi, subcomandante do 9º Batalhão da BM, afirma que foi dado prazo para que os ocupantes da casa pudessem tirar suas coisas — ele destacou que as pessoas já tinham sido avisadas sobre a decisão judicial.

— Nosso papel era garantir que a ordem fosse cumprida com segurança. Nós solicitamos às pessoas que estavam na propriedade que saíssem do local. Essas pessoas resistiam, mas argumentamos e, num primeiro momento, elas toparam sair — afirmou.

Há pelo menos 10 pessoas que residem no local, que acabaram retornando à casa no fim do dia.

Espaço de acolhimento

Ceniriani Vargas da Silva, coordenadora Estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), explica que a ocupação é um espaço de moradia para mulheres e pessoas transexuais em situação de vulnerabilidade social.

— Isso para nós é uma violação dos Direitos Humanos. São pessoas que vivem um cotidiano extremamente difícil e agora demoliram sua casa, tudo, até o banheiro e a cozinha. Foi uma ação totalmente arbitrária e ilegal — diz Ceniriani.

Segundo Ceniriani, havia uma reunião entre os residentes da ocupação e o secretário municipal de Cultura marcada para esta sexta-feira para a mediação de como seria efetuada a demolição do muro. Por isso, os moradores foram surpreendidos com a ação desta quinta-feira.

O local está ocupado pelo grupo há dois anos e também funciona como um centro cultural. No espaço, são realizados diversos tipos de oficinas como de dança, serigrafia, muralismo, espanhol, francês, além de rodas de leitura e o cultivo de uma horta comunitária.

De acordo com a advogada Stéphani Fleck da Rosa, que representa a ocupação, o prédio ficou desocupado por mais de 15 anos. Segundo ela, o processo de reintegração do posseiro anterior, que não teria escritura do imóvel, foi negado. Ela alega que a demolição ocorreu de forma ilegal, realizada com a presença de um policial em vez de um oficial de Justiça.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
O local está ocupado pelo grupo há dois anos e também funciona como um centro cultural.

Pedido de desocupação

O procurador-geral de Porto Alegre diz que a prefeitura entrou em contato com os moradores da ocupação diversas vezes para falar sobre a necessidade de demolição do muro. Ele reitera que todo o processo foi acompanhado por um oficial de Justiça.

A previsão é de que já nesta sexta-feira (20) inicie a reconstrução do muro. No entanto, as paredes da casa não serão refeitas, segundo o PGM. Ele pontua que já havia um processo do proprietário pedindo a desocupação do imóvel e acrescenta que depois desta quinta-feira o município também entrará com pedido pela reintegração de posse.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias