Pelo SUS
Famílias relatam demora na marcação de terapia ocupacional para crianças autistas em Centro de Referência da Capital
Após avaliação com especialistas, pacientes aguardam até dois meses por atendimento
Inaugurado em maio para ser a referência em diagnóstico e tratamento do autismo, o Centro de Referência do Transtorno Autista (Certa) tem recebido reclamações de famílias de usuários. Entre os principais problemas apontados, estão atraso no plano de atendimento das crianças, após o período de avaliações com especialistas, e dificuldade na marcação de consultas.
Para a artesã Aldrei Esbrolio, 42 anos, que reside no bairro Belém Velho, a abertura do centro de referência, em maio deste ano, representou o fim de uma espera de quatro anos por atendimento especializado para a filha, Sophia, 11 anos. Contudo, a demora na marcação das sessões de terapia e falta de informações geram angústia na família da menina.
Sophia foi uma das primeiras a receber atendimento médico e neurológico no Certa, em maio, mas ainda não conta com plano terapêutico. Passou por avaliações com diversos profissionais, entre psicólogos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas. Mas agora está sem atendimento há dois meses, afirma Aldrei:
— Outras mães estão na mesma situação. Os filhos estão casa, sem atendimento.
Aldrei aponta que o custo de uma sessão de terapia ocupacional particular é inviável para famílias de classe média baixa – o valor para Sophia supera R$ 180 por sessão. No caso dela, seria necessária uma sessão por semana, num total de R$ 720 por mês, além de outros custos com psicólogo e fonoaudiologia.
— Não é só de medicação que as crianças autistas vivem, elas precisam de terapia para se desenvolver, mas não têm — completa Aldrei.
Crianças aguardam datas disponíveis
Ao tomar conhecimento do primeiro serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) na Capital voltado às especificidades desse público, Luana Pacheco Ferrão, 32 anos, formada em Gestão de Recursos Humanos, levou o filho Luan, quatro anos, até o Certa. Quase um mês após o garoto ter concluído todos os exames, a família aguarda a marcação de uma data para começar a terapia ocupacional.
— Meu filho ainda não fala. Queria que falasse antes da idade escolar — afirma Luana.
Ela também cita dificuldades no agendamento de consultas.
— Já marcaram horário errado da consulta com o psiquiatra. Não é a primeira vez que acontece. A gente chega lá para fazer atendimento, eles cancelam e botam outro para fazer atendimento no lugar — afirma, acrescentando que pegou dois ônibus da Aberta dos Morros, onde reside, para chegar até o local, no bairro Partenon, distante cerca de 14 quilômetros da sua casa, com o filho.
Não é só de medicação que as crianças autistas vivem, elas precisam de terapia para se desenvolver
ALDREI ESBROLIO
Mãe de Sophia, de 11 anos
Em um grupo do aplicativo WhatsApp que reúne cerca de 80 mães de crianças com transtorno do espectro autista (TEA), as críticas ao atendimento do Certa são recorrentes, com relatos de demora na marcação de terapias e problemas nas consultas agendadas. Érika Rocha, 44 anos, que reside na Zona Leste, critica a lentidão para marcar as terapias após a avaliação das crianças.
Érika é presidente da Angelina Luz, projeto social que pretende levar ao público o conhecimento sobre espectro. Ela afirma que a inauguração do Certa gerou expectativa para o atendimento da filha Angelina, sete anos, que inspira o projeto.
— Estamos perdendo tempo e vida. A janela mais importante para uma criança com espectro autista é de 0 a seis anos, que é o período com maior neuroplasticidade — afirma, ressaltando a necessidade de rotinas terapêuticas capazes de estimular o funcionamento do cérebro.
Como o atendimento é com hora marcada, as famílias acreditam que a consulta será realizada conforme combinado. Mas nem sempre é assim.
— Um dia a enfermeira ficou doente e não houve atendimento — destaca.
O espaço da recepção também é alvo de crítica de Angelina:
— É minúsculo. Pais e crianças ficam aglomerados ali. É horrível permanecer no espaço. O autista não consegue ficar tranquilo e desregula — afirma.
A instrutora de dança Laís Justino Viegas, 36, que reside no Chapéu do Sol, cancelou as sessões de terapia do filho Kauan, quatro, após ser chamada pelo Certa em julho. O garoto fez a primeira avaliação dia 7 de julho, mas até agora não fez nenhuma sessão de terapia.
— Não terminaram as avaliações. Vai até novembro. E ainda teremos que esperar a contratação de outro terapeuta ocupacional, que também vai precisar avaliá-lo — afirma.
Por conta da demora, Kauan está há quatro meses sem atendimento de terapia ocupacional.
— Ele está regredindo um pouco na fala, no contato visual e na questão motora. E está um pouco mais agressivo. Noto que está um pouco diferente. A falta do atendimento está prejudicando — avalia.
Ela lamenta o tempo perdido:
— Foi um ano de tratamento jogado fora, pois ele começou em abril do ano passado.
Coordenação reconhece a necessidade de mudanças
Coordenador do Comitê Gestor do Certa, Alceu Gomes Filho admite que os serviços da unidade de saúde, localizada ao lado do Hospital Psiquiátrico São Pedro, no bairro Partenon, precisam ser aperfeiçoados, mas ressalta que 52 crianças - de um total de 275 acolhidas pela instituição - já foram encaminhadas para terapias. Ele afirma que todos os acolhidos no local estão fazendo tratamento médico e neurológico. E destaca que a instituição tem capacidade para atender até 300 crianças.
Estamos perdendo tempo e vida. A janela mais importante para uma criança com espectro autista é de 0 a seis anos
ÉRIKA ROCHA
Presidente do projeto Angelina Luz
Gomes Filho reconhece necessidade de mudanças logísticas. Uma alternativa cogitada pela prefeitura é a expansão do horário de atendimento até as 20h – atualmente o Certa funciona até as 19h. No local, atuam 38 profissionais entre neuropediatras, psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e atendimento pedagógico especializado. A prefeitura afirma também que vai repor, na próxima semana, uma terapeuta que deixou o quadro funcional. Ela era responsável pela terapia ocupacional do período da tarde.
— Questões de problemas de agenda (existem), não vou negar. Nenhum sistema funciona 100% perfeito, mas estou aberto para que essas mães possam vir conversar comigo. Estou bem aberto para ouvir caso a caso de cada mãe insatisfeita. Pode vir no grupo ou conversar comigo. Estou aqui de segunda a sexta-feira, manhã e tarde. Podem pedir para agendar que vou recebê-las — afirma.
Período de 30 dias para avaliação é considera adequado
Sobre as críticas pela demora na marcação das sessões de terapia ocupacional, ele explica que as crianças precisam passar por avaliação com oito especialistas.
— Quando a criança chega no Certa já começa com atendimento médico e neurológico . Às vezes, tem crianças que estão convulsionando ou que estão com muita agitação. Não podemos colocar em terapia a criança que não está estabilizada do ponto de vista médico — explica.
O coordenador considera adequado o período de 30 dias para avaliação dos jovens pacientes por especialistas.
— Não acho que seja um tempo tão longo. Tinha mães esperando por atendimento há dois anos. Estamos atendendo uma demanda reprimida de dois anos — rebate Gomes Filho, assegurando que houve redução de 50% do tempo de espera na fila do Sistema de Gerenciamento de Consultas (Gercon). Antes da criação do comitê, segundo o coordenador, mais de 600 crianças aguardavam por atendimento na rede municipal.
Como utilizar o serviço
Conforme a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), para utilizar o espaço, a criança de até 12 anos deverá ser encaminhada pelas equipes especializadas em Saúde da Criança e do Adolescente. Quando os pais ou responsáveis desconfiam que o filho possa ter o transtorno, eles devem procurar uma das 134 unidades de saúde disponíveis na Capital. A unidade encaminha então a criança para ser avaliada pelas equipes especializadas.
O encaminhamento também pode ser realizado pelas escolas municipais ou conveniadas com o município. A gestão do espaço está a cargo da Associação Hospitalar Vila Nova, que foi selecionada por meio de um edital.