Dinheiro público
RS tem 347 obras com recursos federais paralisadas
Empreendimentos somam R$ 1,024 bilhão de investimento previsto
Creches inacabadas, terrenos apenas com a base da estrutura que deveria receber uma escola e estradas com reforma pela metade são cenas comuns em alguns municípios do Rio Grande do Sul. Esses locais fazem parte das 347 obras que usam recursos federais e estão paralisadas no Estado. O montante representa 28,5% do total de obras analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em solo gaúcho em mapeamento que abrange todo o país. Falhas em projetos, falta de recursos para contrapartida e má gestão de verba pública estão entre os principais pontos citados pelo tribunal e especialistas para explicar esse cenário. Já o governo federal tenta retomar alguns trabalhos por meio de programas de infraestrutura.
Juntos, os empreendimentos parados no Estado somam R$ 1,024 bilhão em valor previsto de investimento. Olhando pelo lado da verba já investida, são R$ 265,675 milhões. Os dados são de abril de 2023, período mais recente dentro da radiografia do órgão. No levantamento anterior, de agosto de 2022, eram 343 obras paralisadas e R$ 949,055 milhões em valor previsto de investimento.
No país, são 8.603 obras paralisadas, o que representa 41% do total de intervenções. Relator do processo no TCU, o ministro Vital do Rêgo, afirmou que a interrupção desses empreendimentos afasta da população a possibilidade de melhoria no atendimento público.
— Esses problemas têm gerado impactos diretos e indiretos na população. Afinal, além do desperdício dos recursos públicos investidos, a paralisação impede a população de usufruir benefícios de cada bem público não concluído — disse o ministro durante a leitura do voto.
O levantamento do TCU aponta o mau planejamento dos empreendimentos como principal fator de paralisação de obras, tanto para trabalhos de baixo como de alto valor. Projeto básico deficiente, falta de contrapartida e falta de capacidade técnica para execução influenciam nesse movimento, segundo o órgão. O tribunal também cita a dificuldade de levantar dados diante da descentralização das informações, espalhadas em diversos ministérios e pastas.
Problemas de gestão
A professora Juliana Mancuso, da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, afirma que alguns municípios recebem o recurso público, mas têm dificuldade em conseguir honrar a contrapartida necessária para a realização da obra. Com isso, alguns projetos param no meio do caminho diante da falta de planejamento e gestão, segundo a especialista:
— Muitas vezes o município vai receber um valor grande, mas que não é suficiente para toda a obra. E o dinheiro que a prefeitura tem que colocar não é o suficiente. Isso vai na linha do planejamento da cidade e também do governo federal, que precisa observar que o município não terá condições.
Juliana reforça essa avaliação, destacando que é necessário um planejamento conjunto entre os entes envolvidos para garantir o andamento dos projetos até a entrega.
O mestre em Direito e especialista em Gestão Pública Ney Francisco Hoff Júnior afirma que uma obra pública inacabada ou estagnada afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas. No âmbito do coletivo, diminui o papel do poder público na busca por soluções:
— Os entraves e morosidades na conclusão de obras públicas geram um impacto negativo no senso e crença de que o desenvolvimento e progresso de uma coletividade são realmente prioridades do Estado, ou seja, passamos a questionar o papel e a eficiência do Estado como instrumento de solução dos nossos problemas.
O dado do TCU foca no total de obras paralisadas e a participação desse montante dentro do total de empreendimentos com recursos federais. Mostra um retrato de cada período, mas não destaca a evolução de cada empreendimento.
Escolas inacabadas
No Estado, 101 das 347 obras paralisadas são no âmbito da educação básica. Na sequência, aparecem intervenções de infraestrutura e mobilidade urbana, turismo, esporte e saúde entre os principais grupos (veja no gráfico). A reportagem de GZH visitou dois desses locais da área de ensino em 15 de janeiro.
A construção da Instituição de Educação Infantil Comunitária (Ieic) Clara Nunes, no bairro Lageado, no extremo sul de Porto Alegre, é um desses empreendimentos na área de educação. O local, projetado para receber 120 crianças, segue abandonado, com cenário que parece cena de filme pós-apocalíptico. Os trabalhos no local começaram em 2015, mas foram encerrados no ano seguinte após desistência da empresa responsável. A maior parte da estrutura chegou a ser levantada, mas paredes, piso e o que sobrou do telhado estão danificados, pichados e tomados pelo lixo e vegetação, que invadem o ambiente.
Gabriela Moraes, 28 anos, mora em frente ao terreno que abriga a estrutura da creche. Além dos perigos provocados pela sujeira e abandono no local, ela lamenta ter uma estrutura tão perto de casa, mas que não está em funcionamento:
— A gente podia estar aproveitando, porque tem várias crianças aqui. Eu também tenho uma, um menino. E quando vou trabalhar deixo o meu guri com a minha mãe. Podia ter uma creche bem aqui na frente de casa.
Morando na esquina da creche, Morgana Nunes Gonçalves, 34 anos, também lamenta a falta de utilização do espaço, que junta lixo e mato, que criam ambiente para animais e insetos. A parte da rua que fica bem em frente à obra está danificada, com diversos buracos, que dificultam a passagem de veículos e pedestres.
— Acho que, com a creche funcionando, também podem reformar a rua, melhorando o acesso aqui na frente — relata Morgana.
A prefeitura de Porto Alegre informa que a instituição está dentro do projeto de obras em escolas da Capital, assinado pela prefeitura e pela Unesco, que prevê intervenção em cinco unidades. Segundo o órgão, os projetos já foram licitados e estão em elaboração. No caso da Clara Nunes, as obras devem ser concluídas até o final de 2024, segundo cronograma.
Outra obra no rol das paralisadas é a de construção da Escola Municipal de Educação Infantil Rincão da Madalena, no subúrbio de Gravataí, estagnada desde 2015. A reportagem de GZH revisitou o local cerca de um ano após mostrar a situação da obra, mas quase nada mudou. O terreno segue apenas com as fundações da instituição que deveria abrigar 220 crianças, goleiras improvisadas e mato que serve de pasto para cavalos, que dividem espaço com crianças jogando futebol.
— Meu vizinho tá sempre limpando, mas tem um pessoal que não sei de onde vem, junta tudo quanto é lixo e vem largar ali. Se a gente vai falar alguma coisa ainda se incomoda — afirma Vânia Fernanda Mota, 45 anos, que mora em frente ao terreno da escola que nunca saiu do papel.
A prefeitura de Gravataí informou que a obra está sendo repactuada neste momento para continuidade e será retomada assim que o governo autorizar.
Tentativa de destravar canteiros
A assessoria da Casa Civil informou, por meio de nota, que a atual gestão do governo federal “está determinada em retomar as obras paradas”. Algumas das ações nesse sentido são o mapeamento e inclusão desses empreendimentos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e lei que institui o Pacto Nacional pela Retomada de Obras Inacabadas.
“A lei possibilita a retomada e conclusão de 5,6 mil obras na área da educação e 5,5 mil na de saúde. O Governo Federal trabalha para cumprir as recomendações do Tribunal de Contas da União e já deu início à retomada e conclusão de obras por todo o Brasil”, destaca trecho da nota da pasta.
Na semana passada, o Ministério da Educação divulgou nota onde cita a oportunidade de o Rio Grande do Sul retomar 104 obras paralisadas e inacabadas em 69 municípios do estado, por meio do Pacto Nacional pela Retomada de Obras e de Serviços de Engenharia Destinados à Educação Básica e Profissionalizante do Governo Federal. O MEC cita o investimento de R$ 126,9 milhões na conclusão das obras.
O anúncio contempla 57 unidades de educação infantil, entre creches e pré-escolas, 22 escolas de ensino fundamental, 18 novas quadras esportivas ou coberturas de quadras e sete obras de ampliação e reforma. Os números levam em conta as manifestações de interesse enviadas pelo Estado e municípios. Agora, inicia a fase de diligências e de apresentação de documentos para avançar na retomada dos empreendimentos, segundo o MEC.