Sem luz
Apagão no Campus do Vale da UFRGS gera perdas de milhões em pesquisas e equipamentos, revela vice-diretor de faculdade
Em uma das pesquisas, morreram pelo menos cem frangos jovens com o calor
O carnaval terminou de maneira triste para parte dos professores e pesquisadores do Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A falta de energia desligou equipamentos, iluminações e refrigeradores, afetando estudos e trabalhos na tarde desta segunda (12). Muitos deles tiveram que voltar às pressas para tentar salvar, na escuridão, o que restou de animais, plantas e amostras.
Os investimentos compreendem centenas de milhares de reais perdidos em menos de um dia sem energia. A interrupção do fornecimento na linha de transmissão da CEEE Equatorial que atende o campus foi identificada por volta das 14h30, segundo a empresa. De acordo com a companhia, o motivo do problema foi a ruptura de dois cabos subterrâneos, ocorrida durante obra de escavação da empresa CPFL Energia, dentro do pátio de subestação da CPFL. O fornecimento foi restabelecido por volta das 19h desta terça-feira (13), com um novo ponto de suprimento de energia.
Em nota, a CPFL Serviços admite o erro "durante escavações para a obra de expansão da subestação Porto Alegre 6, houve a ruptura acidental de cabos, o que ocasionou a interrupção no fornecimento da linha de transmissão que atende a UFRGS. A empresa está empenhada em resolver a questão o mais breve possível". A CEEE Equatorial, por sua vez, alega que "consciente da urgência da situação, não mediu esforços para o restabelecimento da energia, desde a última madrugada, trabalhando em conjunto com a universidade".
Muitos experimentos perdidos contavam com um prazo, já que são feitos por alunos de mestrado e doutorado em projetos nos respectivos cursos. Em uma das pesquisas, morreram pelo menos cem frangos jovens com o calor. O Departamento de Zootecnia, onde os animais estavam, tem um gerador, mas ele não funcionou. Na ausência de climatização e exaustores, o cheiro de amônia no galpão escuro era difícil de suportar, mesmo horas depois da abertura das entradas e retirada dos animais mortos.
Alunos estavam dormindo há 30 dias no Departamento de Zootecnia, próximos aos animais, apenas para monitorá-los. Eles puderam ouvir e presenciaram os frangos agonizando, mas não puderam fazer nada, exceto torcer para que o retorno imediato da luz. Faltavam duas semanas para concluir a pesquisa em desenvolvimento sobre nutrição animal, agora totalmente perdida. O prejuízo chega a R$ 150 mil.
— É um recurso que a gente consegue em colaboração. A gente trabalha muito para ter esse tipo de colaboração e a gente vai precisar refazer o projeto agora do zero, sem esse recurso — conta a professora da Faculdade de Agronomia Inês Andretta.
Há seis freezers no Laboratório de Ensino Zootécnico da faculdade, com amostras e kits de análise que estavam descongelando aos poucos. Os alunos e professores levaram as amostras para suas próprias casas na tentativa de salvá-las. Mesmo assim, muito foi perdido. Andretta estima R$ 250 mil em perdas apenas com kits de análise inutilizados.
— E não é uma situação única, é uma situação que vai se repetindo a cada laboratório que a gente vai conversando — diz a professora.
É um recurso que a gente consegue em colaboração. A gente trabalha muito para ter esse tipo de colaboração e a gente vai precisar refazer o projeto agora do zero, sem esse recurso
INÊS ANDRETTA
Professora da Faculdade de Agronomia Inês Andretta
A mestranda em Ciências Veterinárias Larise Lima, 38 anos, trabalha com o zebrafish, espécie de peixe de pequeno porte muito sensível. A criação estudada por Larise vive em água destilada com reconstituição de sais, em uma temperatura controlada de 28 graus. Sua reprodução depende da exposição à luz por 14 horas ao dia, mas o cardume ficou mais de um dia na escuridão.
O ciclo reprodutivo dos peixes foi perdido, assim como um mês de trabalho da mestranda. Ela corre o risco de perder sua pesquisa de mestrado e ter que procurar parcerias com outras universidades. Para tentar salvar os peixes, Larise estava fazendo a troca parcial da água manualmente, com medo de que a água destilada acabasse, na ausência do destilador. Ela também usava a lanterna de seu celular para tentar manter o ciclo reprodutivo dos animais.
Os peixes também sofrem com a falta de oxigenação das bombas. Nos tanques com peixes maiores, oito animais já haviam morridos e os outros davam sinais de asfixia.
— É pavoroso, porque a gente morre de pena, né? Não só por precisar trabalhar com eles, mas por questão de humanidade também — ressalta Larise.
O prejuízo dos pesquisadores se estende para todas as faculdades do Campus Vale e já está na casa dos milhões de reais, estima o vice-diretor da Faculdade de Agronomia da UFRGS, Paulo Vitor Dutra. As perdas totais ainda estão sendo contabilizadas.
A energia no campus agora está sendo mantida por meio de um ponto alternativo, mas para solucionar o problema dos cabos rompidos é necessário que haja atendimento especializado e condições climáticas favoráveis, segundo a CEEE Equatorial.