Litoral Norte
Festa com procissão para Iemanjá reúne centenas de devotos em Cidreira
Cortejo percorreu a Avenida Mostardeiro até chegar ao santuário onde está instalada a maior estátua do orixá no Rio Grande do Sul
"Iê, Iemanjá! Rainha das ondas, sereia do mar". Acompanhado de palmas, o trecho do cântico foi entoado por centenas de pessoas quando a tradicional procissão em homenagem ao orixá deixou a Concha Acústica de Cidreira, no Litoral Norte, pouco depois das 20h de quinta-feira (1º). À frente do grupo, uma camionete carregava o barco azul com a imagem da divindade pela Avenida Mostardeiro, em direção ao Santuário Sincrético de Iemanjá.
A cada metro percorrido, mais devotos se juntavam à multidão que seguia a pequena embarcação, enfeitada com flores e luzes. Havia pessoas de todas as idades — sendo que a maioria vestia roupas brancas e azuis. Alguns empurravam carrinhos com bebês, enquanto outros guiavam cadeiras de rodas. Pelas calçadas, lojas e residências da avenida, muitas pessoas observavam e faziam fotos e vídeos do grupo.
Vestindo uma camiseta azul com a imagem de Iemanjá, Simone Beatriz Alves, 45 anos, acompanhava a procissão com os olhos marejados. Moradora de Porto Alegre, ela foi até Cidreira com a mãe e os dois filhos apenas para participar da festa.
— Sempre me emociono, porque tudo que eu peço, ela me dá. É uma bênção para mim. E o que eu peço mais é saúde, para mim, para meu filho, para minha filha e para minha mãe. Ano passado, entrei na religião, na Umbanda, e ela é minha protetora, minha mãe. Desde pequena, ela me protege. Eu tenho um problema na garganta, e ela sempre foi meu remédio — conta.
Em outra ponta do grupo, o casal Moacir Viegas Cardoso, 71 anos, e Nádia de Souza, 72, caminhava em silêncio, concentrado no trajeto. Moradores de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, eles têm casa em Cidreira e sempre procuram estar na praia nesse período para participar da festa.
— Já faz parte da rotina da família. Acho que sempre é importante a gente buscar se fortificar espiritualmente, em um mundo tão difícil que estamos vivendo. É algo positivo, acho que tudo vem para somar, para dar força para a gente encontrar estímulo para continuar vivendo, com uma boa saúde. Fazemos pedidos também — comenta Moacir, destacando que costuma mentalizar seus desejos enquanto acompanha a procissão.
— Neste ano vamos só agradecer tudo de bom que ela nos dá. Só tem que agradecer por tudo que a gente sonha e alcança, porque ela é muito forte. Tenho muita fé em Iemanjá, eu sou filha de Iemanjá — acrescenta Nádia.
Entre os devotos que caminhavam bem à frente, perto do veículo com a imagem de Iemanjá, estavam Ritta Jaqueline Borges Ferreira, 50 anos, e o filho, Marcos Vinicius Ferreira Gonçalves, 15. O jovem carregava nas mãos um barquinho azul, com flores, doces e outros itens para o orixá, como forma de agradecimento.
Conforme a mãe, Marcos foi diagnosticado com câncer no intestino em 2015 e foi curado com a ajuda de Iemanjá. Desde então, eles participam da procissão. A família deve seguir pagando a promessa até o jovem completar 18 anos.
— Antes, nós morávamos em Cachoeirinha. Agora, estamos há três anos morando em Criciúma (Santa Catarina), mas não podemos deixar de vir. É um milagre, ele não tem nada, está perfeito. Iemanjá fez um trabalho bom. Então, todos os anos estamos aqui. Se não tiver ninguém para andar aqui, tu vais ver eu e ele — garante Ritta.
Pouco depois das 21h30min, o grupo chegou ao Santuário Sincrético de Iemanjá, onde está instalada a maior estátua do Rio Grande do Sul em homenagem à divindade, com 8m30cm de altura. Antes disso, a imagem já estava iluminada de azul e, no entorno de seu manto, havia uma grande quantidade de oferendas. Muitos devotos acendiam velas no canteiro ao seu redor e tiravam fotos.
Marcos encontrou o pai, José Rogério Gonçalves Alves, na entrada do santuário, e seguiu com ele até a estátua. Do barco enfeitado, o jovem retirou uma rosa e um pacote de velas azuis. Largou ambos aos pés de Iemanjá, virou as mãos para cima, fechou os olhos e agradeceu. O pai fez o mesmo.
Em seguida, a família atravessou a avenida em direção ao mar. Ainda não havia muitas pessoas na faixa de areia, mas o som de batidas em tambores e do badalo de sinos já se misturava ao barulho das ondas. Marcos e José largaram o barco na água e agradeceram mais uma vez. Depois, foi a vez de Ritta se aproximar por alguns instantes. Ao se afastar para retornar à Criciúma, fez uma reverência à Rainha do Mar.
Shows e oferendas
A programação da festa contou com shows a partir das 22h e, conforme a noite avançava, o movimento na areia ficava mais intenso. O cortejo de descida de Iemanjá até a praia começou à meia-noite. Depois disso, o trecho foi tomado por devotos, que dançavam, jogavam oferendas no mar e acendiam velas em buracos no chão — trabalho que foi dificultado pelo vento forte.
Vestindo saia azul e blusa branca, Adriana Oliveira, 50 anos, estava ajoelhada na faixa de areia.
— Estava pedindo e agradecendo. Pedi clareza para o ano difícil e saúde. Venho todos os anos para largar oferenda, pedir e agradecer — afirma a moradora de Porto Alegre, que estava acompanhada do marido, Miguel Dias, 44 anos.
Em outro trecho da praia, três gerações de uma família dividiam flores azuis para largar no mar. Também da Capital, o trio formado por Elis Vizeu, 62 anos, Cristina Santos, 46, e Maria Eduarda Vizeu, 19, pediu proteção, paz e saúde para Iemanjá.
— Viemos para agradecer, principalmente, e depois pedir. Viemos todos os anos e, desde que minha irmã (mãe de Maria Eduarda) faleceu, intensificamos essa tradição. Ela era muito devota de Iemanjá — conta Cristina.
A estrutura na beira da praia contava com tendas e vendedores de comidas e bebidas, além da presença de ambulância, guarda-vidas e policiais militares, que também trabalhavam para organizar o trânsito na avenida. Perto da 1h desta sexta-feira (2), feriado em homenagem à Rainha do Mar, muitas pessoas ainda se encaminhavam para a faixa de areia.