Salvando vidas
Número de transplantes de órgãos aumenta cerca de 20% no RS
Segundo a Central Estadual de Transplantes, no entanto, apenas 34% das mortes cerebrais resultaram em doações; resistência das famílias é o maior impeditivo
O ano de 2023 foi marcado pela realização de 712 transplantes de órgãos no Rio Grande do Sul. O aumento é de 19,6% em comparação com o ano anterior, que somou 595 procedimentos, e chega a quase 70% em relação a 2021, quando foram feitos 420 transplantes. Os dados foram divulgados, nesta terça-feira (27), pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) no auditório da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
De acordo com o levantamento, houve uma alta de 20% dos transplantes que incluem tecidos e medula óssea.
— O que vocês estão vendo são números, mas, por trás disso, tem o trabalho de muitas pessoas envolvidas. Às vezes, num processo de doação e transplante, dependendo da quantidade de órgãos, são envolvidas mais que 20 pessoas — ressaltou Rafael Rosa, coordenador da Central Estadual de Transplantes (CET).
Durante a apresentação do relatório, estavam representantes de entes públicos, organizações não-governamentais, além de instituições envolvidas na procura de órgãos e no trabalho de conscientização em torno do assunto. Servidores que atuam na gestão do trânsito e das estradas foram homenageados na figura de agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
— Muitas vezes um congestionamento impediria de chegarmos num tempo hábil e essas equipes tornam isso possível para que o órgão saia do doador e chegue com qualidade no receptor — disse o coordenador.
Maior número de notificações de mortes cerebrais desde 1996
Também em 2023, o Estado contabilizou 838 notificações de mortes encefálicas. Em resumo, o diagnóstico de morte cerebral possibilita a doação de fígado, rins, pulmões, pâncreas, coração, intestino delgado e tecidos do falecido.
Trata-se do maior resultado desde 1996, quando foi iniciada a contagem. Desde então, mais de 15 mil transplantes já foram realizados no Rio Grande do Sul.
Das 838 notificações do ano passado, apenas 285 (34%) resultaram em doações de órgãos.
A principal causa de órgãos não serem destinados para o transplante de quem precisa é a negativa das famílias, representando 45% dos casos. Em segundo lugar, vem a contraindicação médica, em 30% das situações.
Plano Estadual de Transplantes
Além da apresentação dos números, nesta terça-feira (27), foi lançado o Plano Estadual de Transplantes (2024-2027), que tem uma série de desafios a serem enfrentados até 2027. Entre os principais objetivos, estão:
- aumentar o número de doadores e de transplantes
- qualificar a rede de transplantes
- até 2027, atingir o índice "córnea zero"
— Queremos retomar o que tínhamos pré-pandemia, que era "córnea zero". Hoje, temos uma espera de aproximadamente um ano para o transplante de córnea. Já tivemos espera de 15 dias. A pessoa precisava de uma córnea e, em 15 dias, ela transplantava — relatou o coordenador da Central Estadual de Transplantes.
Uma das metas já para este ano é elevar de 838 para 850 o número de notificações de mortes encefálicas e ampliar para 300 transplantes realizados, 15 a mais que em 2023.
Desafio pós-pandemia
Diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre, o médico José de Jesus Peixoto Camargo participou do evento na UFSCPA. O especialista relembrou momentos que ficaram marcados em sua memória e destacou a importância de que a informação de qualidade chegue a cada vez mais famílias gaúchas:
— Quanto mais evoluído é esse Estado ou esse país, mais se doa. Há uma frase muito característica que diz que "o país desenvolvido doa, já o país subdesenvolvido desconfia". Muito do nosso trabalho consiste em dar ao povo a noção de que o sistema é confiável. Por outro lado, sabemos que a doação de órgãos decorre de um pedido no momento mais difícil de uma família, quando ela está sentindo muita dor, até revolta. O sentimento é o oposto da generosidade. Como tratar isso? Estimulando que, numa fase boa e saudável da vida, seja anunciada a intenção de ser doador. Porque é impressionante: quando há uma decisão prévia, o que a gente vê é uma família empenhadíssima em cumprir a última vontade expressa em vida daquela pessoa.
J. J. Camargo, como é conhecido, foi o primeiro médico a realizar um transplante de pulmão na América Latina, em 1989, e o primeiro transplante duplo de pulmão no Brasil.
Em entrevista à GZH, ele comentou que a pandemia de coronavírus impactou de forma profunda na forma como a sociedade vê o fim da vida.
— Passou a pandemia e não nos sensibilizamos tanto mais quanto antes, anunciando que tinha 60 mil pessoas precisando de transplante. A sensação que eu fiquei é de que as 700 mil mortes banalizaram de tal forma morrer que nada mais pode ser feito para mudar essa realidade. E não mudará a curto prazo. Eu acho que precisamos insistir no esclarecimento. Esclarecer, esclarecer, esclarecer para trazer uma maior naturalidade — completou.