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Viagem no tempo

A história de uma colecionadora e do acervo que representa a vida nas fazendas gaúchas de décadas passadas

Em sua estância em Vacaria, Maria de Lourdes Noronha Pinto recolheu milhares de peças naquele que é “a maior e mais importante coleção do tipo no sul do Brasil”, segundo pesquisadora

07/04/2024 - 16h10min


Caroline Tidra
Caroline Tidra
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Longe de espaços expositivos e museus, é em meio às paisagens dos Campos de Cima da Serra que pesquisadores organizam um acervo têxtil que ficou, por anos, guardado em caixas. À medida que as peças são distribuídas cuidadosamente sobre as mesas, detalhes começam a surgir diante dos olhos dos especialistas. Roupas e acessórios trabalhados manualmente, com ornamentos e texturas diferentes, revelam a história da época em que foram confeccionados e, principalmente, representam como era a vida cotidiana dos gaúchos durante o século 19 e no início do século 20.

O acervo encontra-se na Fazenda do Socorro, em Vacaria. Cada peça mostra não apenas a moda do passado, mas a riqueza cultural e histórica que resistiu à passagem de gerações. São vestidos usados pela elite e também vestimentas populares, como meias e ceroulas, que tornam o acervo único.

Quem montou a coleção foi a pecuarista Maria de Lourdes Noronha Pinto, falecida aos 81 anos, em 30 de abril de 1991, em Porto Alegre. Dona Lourdes, como era chamada, percorreu as estâncias antigas do Estado e dedicou mais de 50 anos de sua vida a reunir e preservar esse significativo acervo de arte popular gaúcha. A coleção, que começou de forma despretensiosa, como ela contou em entrevistas, tornou-se um dos bens mais zelados pela mulher, com cerca de 5 mil peças. Além dos trajes, o acervo foi formado com objetos rústicos da lida campeira, utensílios de uso doméstico e agrícola, móveis em madeira e, também, livros.

Desde 2005, a Fazenda do Socorro tem novos proprietários. A família Rossi, que administra o local e a coleção de Lourdes, recebeu, em março, pesquisadores da área têxtil do Centro Universitário de Brusque-SC (Unifebe), que iniciaram um trabalho da organização do acervo. Um convênio foi firmado entre a fazenda e a instituição de ensino, com a intenção de preservar a coleção e torná-la acessível.

— Para nossa surpresa, são roupas raríssimas. Encontramos na Fazenda do Socorro realmente um reflexo da moda, não necessariamente roupas europeias, mas que lembram o que se usava no período. O mais interessante são as técnicas de confecção das peças do vestuário. São técnicas manuais, rústicas, e sabemos que muitas dessas roupas foram feitas no Estado. As mulheres se inspiravam na moda do período, mas usavam toda a sua expertise e se aproximavam muito das técnicas de confecção da época. É uma riqueza imensurável, um patrimônio que devemos preservar, pois é a história do Rio Grande do Sul como ela era no dia a dia — explica Edinéia Pereira da Silva, pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura da Unifebe, pesquisadora que coordena o projeto no local.

O número de peças em tecido que estão na fazenda ainda não foi contabilizado, mas, conforme a especialista, é o maior e mais importante acervo do tipo no sul do Brasil. Edinéia, junto de uma equipe de profissionais, realizará, ao longo de todo o ano, a higienização, o acondicionamento adequado e a catalogação técnica. Depois, em contrapartida, a universidade digitalizará o acervo.

— Nosso objetivo é colocar as peças à disposição para pesquisadores da área têxtil atuarem de forma gratuita nas plataformas da universidade — afirma a professora. — A família tem a intenção de disponibilizar também para estudantes, em um museu a ser montado no local. A riqueza maior desse acervo é o quanto isso contribui no processo de ensino e aprendizagem. Quando as pessoas visualizam, materializam a história, a aprendizagem é mais significativa.

À medida que manuseava as roupas, o engenheiro têxtil Wallace Nóbrega Lopo analisava cada costura, bordado e detalhe em crivo, macramê ou frivolité. Parte do seu trabalho é avaliar o período da confecção das peças de acordo com as características e componentes do tecido.

— A ideia é fazer os testes usando ensaios não destrutivos, isto é, não comprometer a integridade física das peças. São análises meramente visuais, com a utilização de luvas, pinças, fotografias feitas com o celular e a câmera, justamente porque não podemos interagir fisicamente, nem quimicamente com as peças. Com o conhecimento têxtil, definimos que tipo de estrutura de tecimento foi feita, se foi feito em uma estrutura de tela, sarja, cetim, e que tipo de fio e de fibra foi usado. Na maioria das vezes são fibras naturais, como algodão ou seda. Mas já tivemos surpresas nesse acervo — explica o Lopo, que também é docente na Unifebe.

Uma das surpresas encontradas foi uma meia feita com estrutura de malha com fio de poliamida, conhecida como náilon, que remete à década de 1950. Trata-se de um item importado, conforme o professor, e encontrar esse tipo de estrutura é considerado raro atualmente, da mesma forma que era para a época, devido a sua sofisticação. Esse é um dos itens que poderiam fazer parte da coleção de uso pessoal de Lourdes, assim como algumas das peças que levam as iniciais dos seus familiares.

— A tecnologia têxtil ajuda a decifrar se é um vestido que, por exemplo, usou fibra sintética e, assim, não pode datar de antes de 1950. Essas fibras só foram desenvolvidas em larga escala de lá para cá — explica Lopo. — Quando um vestido é anterior a isso, com certeza foi feito com fibras naturais. Essa análise que estamos fazendo vai primeiro catalogar, decifrar o que cada peça tem em termos de estruturas de fios e de fibra. Depois é que faremos o fichamento técnico.

As peças de fibras naturais carecem de atenção com relação à temperatura e à umidade, além do cuidado com a posição em manequins, para não as danificar devido ao tempo em exposição. Também há tecidos produzidos em teares antigos em velocidades baixíssimas, o que encarecia a produção na época. Por isso, durante o trabalho, a equipe faz o armazenamento na horizontal, com papéis que previnem a deterioração. Como Edinéia, o professor admira as peculiaridades dos tecidos, que hoje são raríssimos:

— Para mim foi uma grande surpresa ter em mãos tecidos com mais de cem anos de existência, imaginando como era a máquina da época e a tecnologia que evoluiu ao longo do tempo.

Quem foi a colecionadora 

Nascida em São Sebastião do Caí, Lourdes foi uma das herdeiras da Fazenda do Socorro, que administrou até o fim da vida. Os relatos apontam para uma mulher culta, influente, visionária e viajada. E de personalidade exigente, controladora, rígida e difícil. Lourdes se casou e viuvou duas vezes.

O primeiro marido foi o médico de Porto Alegre Arthur Coelho Borges, que morreu em decorrência de problemas cardíacos. Boatos dão conta de que a doença teria sido agravada devido à tristeza ocasionada quando o governo federal instalou os trilhos de trem, cortando a fazenda ao meio (o trem passa até hoje em frente ao portão). O segundo, com quem Lourdes se casou já com a idade avançada, foi o fazendeiro Hermes Pinto, que a ajudou a administrar a propriedade. Ela não teve filhos.

Uma das suas grandes paixões era colecionar artefatos históricos. Em entrevista à jornalista Tânia Carvalho, no fim da década de 1980, Lourdes contou como começou a coleção: “Ganhei primeiro os objetos do meu pai, que tinha de montar a cavalo, uma coleção de aperos de metal. Depois, fui à Argentina e vi, em uma daquelas grandes fazendas, na sala de jantar, uma coleção de estribos. Então, eu, que já gostava muito e andava de vez em quando procurando essas coisas, resolvi fazer uma coleção gaúcha. Para isso tive de andar em muitas estâncias, porque geralmente, quando eu adquiria era no local”.

Outro fator que contribuiu para o início da coleção era que seu primeiro marido, o médico Arthur Borges, ao tratar pessoas no Interior, em vez de pagamento em dinheiro, recebia itens valiosos, que acabavam acrescentados ao acervo de Lourdes. Nos anos em que escreveu seu primeiro livro, Antigas Fazendas do Rio Grande do Sul (ed. Fundação Moinho Santista, publicado em 1989) e percorreu o Estado, ela teve a oportunidade coletar relíquias da cultura gaúcha e de origem portuguesa, italiana e alemã. Conforme aumentava o número de peças, Lourdes tomou consciência de que muitas poderiam ser consideradas raras, e que seria lamentável mantê-las apenas para a sua própria contemplação.

O sonho dela era criar um museu — afirma Edinéia, que encontrou poucas publicações sobre a vida de Lourdes. — Ela procurou o poder público para isso, principalmente na década de 1970. Com a influência que tinha, conseguiu uma sala no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, o Margs. Ali, iniciou o sonho de um museu de arte popular com esses artefatos que, à época, já somavam mais de 5 mil peças, de acordo com as documentações.

De 1979 a 1985, Lourdes montou quatro mostras com objetos do acervo, em uma sala do Margs cedida via convênio pelo então diretor Luiz Inácio Medeiros. A primeira marcou a inauguração do Museu de Tradições e Arte Popular, em 8 de março em 1979. Foi intitulada Trabalhos Manuais Femininos. Anos depois, Lourdes explicou que 90% das peças expostas foram produzidas por fazendeiras gaúchas, e 10%, por artesãos do Interior. No seu segundo livro, Europa nos Anos Dourados (ed. Grafic-Offset, 1990), ela relata as impressões que teve na viagem em que visitou museus europeus. Nas suas observações, nota-se a sensibilidade para a moda da época e para tecidos, bordados e rendas.

Ainda em 1979, veio a segunda mostra, A Idade do Couro, com peças da lida do campo que tinham o couro como elemento principal. Essa exposição permaneceu em cartaz até meados de 1981. Sem registros de início e encerramento, a terceira foi a Mostra da Criança, montada com brinquedos, berços, roupas, revistas infantis e farmácia caseira, dentre outros itens. Os bercinhos em madeira, por exemplo, são encontrados atualmente reunidos lado a lado na fazenda.

Por último, em 23 de maio de 1985, Lourdes inaugurou a exposição Cem Anos de Trajes no Rio Grande do Sul, com peças que mostravam a evolução da indumentária gaúcha de 1840 a 1940 – acredita-se que seja a mesma coleção que hoje está sendo catalogada. Na ocasião, de acordo com o boletim informativo do Margs, Lourdes teve a oportunidade de palestrar sobre arte popular e detalhar que se baseava em museus internacionais para a montagem do espaço: “À proporção que percorríamos o Interior, no contato direto com a gente do campo, fomos conhecendo e aprendendo a apreciar objetos mais primitivos, rústicos e populares. Estava nascendo a coleção de arte popular: objetos de valor material pequeno, porém inegável valor cultural, espelhos que são da cultura de nosso povo. O interesse, aos poucos, foi crescendo, e a busca, se ampliando por tudo aquilo que representasse a vida e a tradição do Rio Grande. Até este momento, colecionávamos objetos por mero prazer pessoal. Foi quando conhecemos, em Portugal, o Museu de Arte Popular de Lisboa, o primeiro do gênero que vimos. A partir daí, aprofundamos o interesse pela pesquisa, nascendo a firme decisão de fundarmos um museu”.

Nessa ocasião, a colecionadora relata que o trabalho desenvolvido não teve respaldo do poder público ou de entidades privadas, pois “independentemente das incontáveis tentativas de obtenção de uma sede própria, que permita a apresentação do acervo completo do museu, nada foi conseguido”. A quarta exposição durou, conforme a documentação, até o final daquele mês. Não há informações sobre o fechamento da sala. Gilda Hugo, 84 anos, secretária de Lourdes no período, relata que as peças expostas no Margs foram recolhidas.

Na entrevista à Tânia Carvalho, a pecuarista reforçou a falta de interesse de autoridades em preservar a história com um abrigo para seus objetivos. “Achei que era egoísmo da minha parte ter isso só para mim. Achei que o povo devia também conhecer, até para pesquisas, estudos, para estudantes, para tudo isso. Então, eu digo, tenho que arranjar esse museu. Mas foram tantas dificuldades que ultimamente fiquei desinteressada, apenas guardei, conservei as coisas, deixando de adquirir. Eu podia ter muito mais”, disse Lourdes, em sua residência na Rua Marquês do Herval, em Porto Alegre.

Em mais uma tentativa de colocar o acervo em ambientes onde poderia ser valorizado, Lourdes enviou peças em comodato para museus do Estado. No contrato, exigências mostravam o zelo da colecionadora em salientar que, mediante qualquer sinal de descuido, as peças poderiam ser retiradas do local. Há registro de pelo menos dois destinos, o Museu da Baronesa, em Pelotas, que recebeu peças mais finas do vestuário, e o Museu Municipal de Canela, para onde foram mandados artefatos mais rústicos.

— Ela era muito preocupada em manter esse acervo para as gerações futuras — diz Fernanda Lisbôa, historiadora de Vacaria. — Não tem como contar uma história sem um objetivo que traduza sua importância no passado. Ela era uma historiadora que resolveu resgatar e preservar a história.

De fato, Lourdes chegou a afirmar que só se pode gostar do que se conhece e, por isso, amar e conhecer a tradição depende do acesso à história do seu habitat. Seu sonho de tornar público o acervo, hoje, mais de 30 anos após a sua morte, está mais perto de ser realizado.

O projeto do museu 

O acervo de dona Lourdes ainda estava com outros museus quando ela faleceu, em decorrência de um câncer de mama. A partilha dos bens entre herdeiros também dividiu os objetos. Laurindo Costa dos Santos, 74 anos, motorista da colecionadora, relata ter buscado itens que estavam em um depósito em Canela.

— Fiz duas viagens a Canela. A gente salvou boa parte do acervo — conta Laurindo, que dirigiu para Lourdes por cerca de 30 anos e foi um dos herdeiros da fazenda.

Enquanto a parte rústica estava, em sua maioria, na Fazenda do Socorro, as peças de roupas voltavam anos depois. Em meados de 2005, a prefeitura de Vacaria buscou o acervo que estava em Pelotas. Nos registros oficiais do município consta que retornaram cerca de 3 mil peças. Mas há controvérsias. Outras documentações alegam a devolução de 454 peças – sendo destacado que 26 ficaram em Pelotas por pertencer a pessoas da região e que estavam cedidas à exposição de Lourdes.

Na época, um museu em homenagem a ela foi planejado em Vacaria. Mais de uma década depois, entre 2016 e 2019, enquanto o museu municipal ficou fechado para obras, o acervo que estava com a prefeitura do município foi reconduzido à fazenda, já de propriedade dos Rossi. Hoje, não há uma estimativa exata de quantas peças do acervo foram recuperadas e estão no local. Uma certeza é de que há objetos e roupas que pertenceram a Lourdes e que estão agora em outros locais.

— Algumas peças estavam espalhadas pela fazenda. Reunimos elas, limpamos uma área que já tinha alguns itens e as acomodamos no mesmo espaço — recorda Patrícia de Rossi, 32 anos, engenheira agrônoma e administradora da propriedade. — Foi feito um regaste tanto da fazenda como de quem era a dona Lourdes. Como a sede era de um de seus sobrinhos, um pouco de conhecimento foi passado por ele. Mas também por seu Laurindo, que herdou parte da fazenda. Muito conteúdo veio dele, como fotos e relatos sobre como ela era e como era o cotidiano da fazenda.

A organização das peças encontradas era feita, principalmente, por Ivete de Rossi, mãe de Patrícia. Ela idealizou um espaço para homenagear Lourdes. As duas montaram o museu e pesquisaram a fundo informações do passado da fazenda e de Vacaria para transmitir aos visitantes.

— Conseguimos a coleção dela junto à prefeitura, que não tinha espaço para armazenar esse acervo. Até que houve a primeira viagem da Maria Fumaça, que parou aqui na fazenda. Organizamos uma mostra em homenagem à dona Lourdes, porque em Vacaria não tem nada que a homenageie — relata Patrícia. — Ela foi uma pessoa inovadora, que trouxe tecnologias das viagens que fazia. Conversando com a mãe, decidimos que ela merecia. Organizamos uma exposição, com peças (do acervo doméstico) mais finas e trajes.

Ivete era pedagoga e defendia o acesso à educação sem que as crianças precisassem sair do campo. Chegou a receber turmas de escolas municipais na propriedade e atuava como guia, contextualizando a história e a arquitetura locais. Ivete faleceu em 2020.

Em agosto de 2019, quando cerca de 1,5 mil pessoas fizeram o passeio de Maria Fumaça que corta a propriedade em apenas um final de semana, Ivete foi entrevistada pela reportagem do jornal Pioneiro. Na oportunidade, ela destacou:

Dona Lourdes era uma visionária, tudo isso que nós vemos hoje foi ideia dela.

O legado de preservar o acervo e a história foi passado para as três filhas, Patrícia, Camila e Vicenza, que contam com o apoio do pai, Sérgio.

— A obrigação da gente é manter e cuidar — afirma Patrícia, que hoje é responsável por guiar os visitantes e contar os detalhes da história.

Turistas, pesquisadores e estudantes podem visitar a propriedade e conhecer o museu mediante agendamento prévio por meio do Facebook ou do Instagram da Fazenda do Socorro. Visitas são permitidas apenas em grupos. A taxa para o acesso é R$ 20 por pessoa.

Um lugar cheio de história

Não muito distante do centro de Vacaria, a Fazenda do Socorro é um patrimônio histórico preservado que resiste desde o século 18. A propriedade teve origem na época em que os paulistas vindos de Sorocaba buscavam o gado que vivia solto na região que era conhecida por Vacaria dos Pinhais. Em meados de 1770, a sesmaria onde hoje está a fazenda foi destinada a José de Campos Brandeburgo, um dos primeiros povoadores da região. Por escolha do paulista, a área recebeu o nome de “Sesmaria de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro” – título que permanece até hoje, junto à imagem da padroeira na capela. Há informações que de a fazenda era o local onde os tropeiros, que percorriam o caminho entre o Sudeste e a região do Prata, faziam uma de suas paradas.

Com a passagem de gerações que disputavam a terra, o local foi cenário de “dramáticos e sangrentos acontecimentos”, como Lourdes descreve em seu livro Antigas Fazendas do Rio Grande do Sul. Em 1903, o local foi comprado por Marcos Flores de Noronha, “homem do campo de larga experiência, que logo dedicou-se com êxito a valorizá-la”, conforme as palavras de sua própria filha – a dona Lourdes.

A trajetória de Lourdes como fazendeira se iniciou em 1929, após a morte de seu pai. Além dela, a propriedade pertencia ao irmão Abelard Jacques Noronha, que presidiu o Sport Club Internacional nos anos de 1940. Outra propriedade de Lourdes era a Estância de Santa Sofia, no Uruguai. Em Vacaria, ela dedicou-se a administrar a fazenda, transformando-a em um modelo autossustentável para agricultura, fruticultura e pecuária. Há relatos de que teria implementado a produção de frutas de clima subtropical, que até hoje proporcionam renda e empregos no município. Foi nessa época que se descobriu a aptidão da região para o cultivo de maçã, como destaca a administradora da fazenda Patrícia de Rossi:

Vinham pesquisadores Embrapa para testes, e só no início da década 1970 que começaram a ser plantados os primeiros pomares no município. Na fazenda ela também instalou uma usina hidrelétrica, que foi inaugurada 1948, enquanto muitos lugares, inclusive na cidade de Vacaria, não tinham luz elétrica.

A fazenda ainda tinha usina de basalto, serraria, beneficiamento do leite, açougue e escola para os filhos dos funcionários. Após a morte de Lourdes, em 1991, passou a ter um dos seus sobrinhos como proprietário. A família Rossi adquiriu a propriedade em 2005 e, entendendo a riqueza histórica do local, decidiu garantir a preservação das construções que remetem à arquitetura portuguesa, com destaque para a capela, cujo altar pertenceu à antiga Igreja Nossa Senhora do Rosário de Porto Alegre. Em 2007, a fazenda foi tombada como patrimônio histórico de Vacaria e, em 2023, a Assembleia Legislativa reconheceu-a como de relevante interesse histórico e cultural do Rio do Grande do Sul.


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