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Cinema na Grande POA

Continuação do primeiro filme produzido em Alvorada está sendo gravada com novo protagonista e orçamento maior

"Dá um Tempo 2: Só Termina Quando Acaba" deve ter exibição no município ainda neste ano

24/04/2024 - 22h00min


Carlos Redel
Carlos Redel
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Há 16 anos, um chocante acontecimento tomou conta de Alvorada, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Todo mundo da cidade comentava e contava histórias sobre a sua ligação com o fato — um conhecido de uma conhecida certamente participou dele. Era, realmente, algo impressionante para o município e tomou proporções que fugiram de suas fronteiras, colocando a chamada Capital da Solidariedade em um importante mapa: o do audiovisual.

Naquele já longínquo 2008, estreava na Praça Central, para um público de 25 mil pessoas, Dá um Tempo (2008), o primeiro longa-metragem rodado em Alvorada — e com a população da cidade como estrela. O projeto, da produtora Alvoroço, do cineasta Evandro Berlesi, foi rodado com escassos R$ 25 mil, um valor muito abaixo da média de um filme independente. Para efeito de comparação, o também gaúcho de baixo orçamento Ainda Orangotangos, lançado um ano antes, em 2007, havia custado R$ 1 milhão.

Depois de Dá um Tempo, outros seis longas foram feitos no município, todos com o mesmo elemento: pouca grana. Boa parte das produções subsequentes foram ainda mais baratas que Dá um Tempo. Mas agora a realidade mudou — pelo menos, um pouco. Contemplado pela Lei Paulo Gustavo, o Alvoroço conseguiu verba para um novo filme, sendo a maior de sua história: R$ 180 mil. Com este dinheiro, está sendo rodada na cidade a sequência Dá um Tempo 2: Só Termina Quando Acaba.

— O edital abriu em outubro e, em outubro, escrevi o roteiro. Eu ia colocar outro roteiro meu, que estava pronto, mas chegou a hora e eu pensei: "Já que esse dinheiro é de Alvorada e o povo gosta muito de Dá um Tempo, então vou fazer o Dá um Tempo 2". Me deu uma luz, escrevi esse roteiro em uma semana, e é um dos melhores que já fiz. Está muito engraçado, muito legal — explica Berlesi.

Com uma equipe de filmagem profissional encabeçada pelo diretor de fotografia Miguel Rodrigues, ex-TV Globo, Berlesi, que assina a direção e o roteiro da continuação, agora está podendo rodar o filme sem intervalos, com diárias em sequência. O motivo? Está conseguindo, pela primeira vez, pagar salário para os atores, que antes tinham que se dividir entre as gravações e os seus empregos fora do set. Neste formato de "guerrilha", demorava-se muito para rodar o longa-metragem e exigia-se demais dos poucos envolvidos, que acumulavam diversas tarefas.

Como eu não tinha dinheiro, tinha que fazer praticamente tudo. Tinha que ver como ia gravar, treinar o ator, ligar as luzes, fazer a câmera. Não era prazeroso. Tirando os dois primeiros, em que eu tinha o Rodrigo Castelhano dividindo a direção comigo, os outros foram muito difíceis de fazer — relembra Berlesi, comemorando a nova etapa, com mais tempo para trabalhar com seu elenco e formatar o filme da melhor maneira possível.

No dia em que a reportagem visitou o set, as filmagens ocorreram na prefeitura — com o chefe do Executivo municipal, José Appolo, arriscando-se como ator —, em um ponto de táxi e em uma rua residencial de Alvorada. Em todas as locações, os cidadãos paravam para prestigiar o movimento, encantados com as câmeras e os equipamentos. Era a cidade percebendo que a cultura estava presente, e muitos faziam questão de passar atrás dos artistas, querendo ter um pouquinho de si na produção.

— Hoje, a gente não faz mais filmes pensando em ser exclusivamente para Alvorada. Este Dá um Tempo 2, por exemplo, queremos lançar aqui, mas também nacionalmente, mudando algumas coisas para que não pareça que é uma continuação. O próprio nome, para fora da cidade, será apenas Só Termina Quando Acaba — relata o diretor, que ainda não sabe se o longa será lançado no cinema ou diretamente no streaming. — O que é certo é que ele terá uma exibição na praça, ainda neste ano, com as bandas da trilha sonora. Será um grande evento.

Nova vida

Quem acompanhou o fenômeno local que foi Dá um Tempo vai notar algumas diferenças entre o original e a sequência. A principal delas é a alteração do protagonista. Na produção de 2008, quem encarnou Jorge, o personagem principal, foi Diego César, que foi recrutado para estrelar a continuação, mas, às vésperas do começo das gravações, deixou o filme por problemas pessoais.

O desafio, então, passou para Jerry Lucas — que já havia trabalhado com Berlesi em outras ocasiões e foi um dos destaques em Algo de Errado Não Está Certo (2020), o sexto filme do Alvoroço. Alvoradense, o ator tem uma relação profunda tanto com o projeto quanto com o personagem que interpreta. Jorge, em Dá um Tempo 2, passa por uma série de desafios, entregando-se à bebida, e acaba indo parar no fundo do poço, tal qual a história do seu novo intérprete.

— No filme, o Jorge está em uma situação bem delicada. Ele virou um catador de recicláveis. Quando eu peguei o personagem e o pessoal dizia que a história dele era bem parecida com a do outro ator, eu disse: "Se eu contar a minha história para vocês, é a mesma" — relata Lucas. — Sou um alcoólatra. Tive que parar de beber há quatro anos, porque, se eu continuasse, iria morrer. Bebia cachaça desde a hora em que acordava até ir dormir. Dormia na calçada, já estava entregue.

A vida de Jerry Lucas mudou justamente com o Alvoroço. Durante as filmagens de Algo de Errado Não Está Certo, o ator conheceu Ritchele Gonçalves, que foi sua colega de elenco. Logo, a dupla se aproximou, passou a namorar e foi morar junto. Hoje, estão casados. Foi durante um episódio de bebedeira que ele, ao encontrar o olhar triste de sua companheira, decidiu que não queria mais fazê-la passar por aquela situação. 

— Se eu não tivesse feito o filme do Alvoroço e conhecido a minha esposa, hoje eu poderia estar como o Jorge. Então, quando li o roteiro, falei para o Evandro: "Não te preocupa. Eu tenho toda a empatia com este personagem. O que tu querias passar com o outro ator vais conseguir comigo". Na história, entre o primeiro e o segundo filme, o Jorge perde a mãe e, entre o Algo de Errado Não Está Certo e este filme, eu também perdi a minha — comenta Lucas.

Para Ritchele, é especial poder fazer um filme com o seu marido recuperado e plenamente entregue às artes:

É até irônico, porque a minha personagem é que vai jogar ele na cachaça. Na vida real, fui eu quem ajudou a tirar ele da cachaça (risos). Então, é lindo. Estou vendo o esforço dele como protagonista. Está sendo muito especial, emocionante.

É com este clima de emoção e superação que Alvorada está vendo um novo Alvoroço acontecendo, maior e movimentando ainda mais pessoas, com a arte sendo ferramenta de transformação. A cidade, conhecida por suas mazelas, consegue se ver na tela de maneira bem-humorada e entregando, entre risadas, mensagens de esperança.

Veja o trailer de Dá Um Tempo (2008):



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