Pé na areia
Pátios naturalizados em Canoas estimulam contato de crianças com o meio ambiente
Prefeitura inaugurou espaços em escolas municipais, que são construídos com materiais naturais, como troncos de árvores e plantas
Pés na grama e na areia, contato com árvores e com a água dos rios. Essas cenas são cada vez mais raras quando se fala em primeira infância nas cidades metropolitanas. Foi pensando em criar um ambiente enriquecedor para o desenvolvimento cognitivo das crianças que a prefeitura de Canoas aderiu ao projeto de construir pátios naturalizados em escolas municipais da cidade. Desenvolvidos pela iniciativa holandesa Urban95, seis deles foram inaugurados e estão presentes nas escolas Nilton Leal Maria, Tia Maria Lucia, Pintando o Sete, Idara Rocha, Vó Nelsa e Terezinha Tergolina.
Tudo começou em 2021, quando a prefeitura contatou a Urban95 para construir um protocolo de intenções que delimitava a atuação da iniciativa no município. Com o objetivo de desenvolver a cidade para acolher cada vez melhor as crianças, foi criado um comitê multidisciplinar para debater o assunto. Segundo a secretária-adjunta do Escritório de Planejamento de Projetos, Jerusa Mattos, foi criado um plano municipal para desenvolver projetos destinados à primeira infância:
— Inclusive, a gente inseriu no plano diretor do município um capítulo específico voltado ao planejamento da cidade mais inclusiva para esse público.
Entre os projetos que envolvem o tema, estão os pátios naturalizados, que consistem em ambientes de lazer infantil construídos com materiais naturais — como troncos de árvores e diversos tipos de plantas — que têm o intuito de expandir o contato das crianças com a natureza e auxiliar no seu desenvolvimento cognitivo. No caso de Canoas, eles foram financiados pela própria Urban95 e pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
— O conceito geral desse programa seria um estímulo ao desemparedamento da infância. Esses parques podem oferecer novas e diferentes possibilidades de interação e constroem um brincar mais ativo, mais desafiador, mais criativo e mais livre — afirma Jerusa.
Segundo a supervisora de projetos da prefeitura, Juliane Silva, foram realizadas consultas com as crianças em todas as escolas que foram beneficiadas com o projeto, para identificar suas necessidades e desejos.
— A criança é cidadã e a gente entende que ela tem que ter voz — afirma.
Sustentável
Os espaços naturalizados são construídos de maneira sustentável, pois utilizam menos plásticos e são pensados com o objetivo de mitigar os impactos das mudanças climáticas, como reduzir as ilhas de calor e possibilitar o escoamento da água da chuva. Além disso, muitos materiais utilizados foram aproveitados dos resíduos dos temporais que ocorreram no Estado durante os últimos anos.
— A gente tentou fazer do limão uma limonada — explica Juliane
Além dos pátios naturalizados, outros projetos destinados à primeira infância em Canoas estão em desenvolvimento. Entre eles, iniciativas de capacitação de professores, parentalidade positiva e comunicação não-violenta.
Políticas públicas para a primeira infância
A Urban95 é uma iniciativa holandesa que busca desenvolver políticas públicas destinadas à primeira infância — fase da vida compreendida dos zero aos seis anos de idade. Atualmente, está presente em cinco países e, no Brasil, em 27 cidades. A Prefeitura de Canoas foi uma das gestões do Rio Grande do Sul que se interessou no projeto:
— Foi uma iniciativa de inscrição do próprio município de Canoas. Então, foram eles que vieram atrás do nosso trabalho— relata Isabella Gregory, arquiteta da Urban95
No Brasil, a realização dos projetos desenvolvidos pela Urban95 são do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), uma organização não-governamental e sem fins lucrativos que visa fortalecer a cidadania, por meio de ações de educação e comunicação.
Menos telas, mais brincadeiras ao ar livre
De acordo com uma pesquisa realizada pelo projeto Pipas, do Ministério da Saúde, publicada em 2022, mais de 30% das crianças das capitais brasileiras pesquisadas de até quatro anos de idade passam mais de duas horas em frente às telas ao longo do dia. Esse número representa uma tendência que pode se tornar prejudicial a longo prazo. Sendo assim, iniciativas como os parques naturalizados em Canoas, que propõem um ambiente repleto de novos estímulos são fundamentais para o desenvolvimento infantil.
Segundo a professora do Programa de Pós Graduação em educação da PUCRS, Andreia Mendes dos Santos, a primeira infância é uma das fases mais importantes do amadurecimento, pois é quando acontecem as principais descobertas:
— O desenvolvimento humano acontece praticamente durante toda a nossa vida, mas nunca numa velocidade e numa intensidade tão acelerada quanto acontece na primeira infância.
Dessa forma, o contato com a natureza torna-se fundamental nessa fase, pois gera experiências sensoriais, motoras e de compreensão do mundo únicas, que não são exploradas abundantemente quando o uso de telas é excessivo.
— Quando a criança, por exemplo, pisa na grama, ela está utilizando todo o aspecto motor: a marcha, a caminhada, a sustentação do corpo, o equilíbrio — destaca.
No entanto, não é necessário abominar as telas, pois elas, se administradas de forma limitada, também podem trazem benefícios. Um exemplo recente é o da pandemia de covid, quando a educação precisou se instrumentalizar da tecnologia para alcançar as crianças. Então, para a professora, o mais importante é praticar o equilíbrio:
— Se a criança já brincou no seu ambiente, já interagiu com a família, a sua rotina foi cumprida. Não quer dizer que não possa ficar um pouco na frente da tela.