Coluna da Maga
Magali Moraes: vida de volta
Colunista escreve às segundas e sextas-feiras no Diário Gaúcho
Ainda não consegui mudar de assunto, desculpa aí. Estou como a maioria dos gaúchos, me readaptando à rotina após o clima de choque, tristeza e revolta. Depois de quase um mês dessa tragédia diária, o quanto de notícia ruim a gente ainda aguenta? Como retomar a normalidade e acreditar que agora as coisas vão melhorar? Tem tantas pessoas sem perspectivas de voltar pra casa e retomar a vida. São estragos imensos nas regiões atingidas pra consertar e repensar o futuro.
Dúvida de colunista: se eu falar das migalhas do cotidiano, que adoro, parece alienação? Ou ajuda a desopilar? Posso escrever sobre a fila de formiguinhas caminhando nos rejuntes dos azulejos. Ou o trabalho de formiguinha que será preciso pra colocar a cidade em ordem. Posso escrever sobre as brincadeiras do meu tempo de criança. Ou essa gangorra emocional que virou o dia a dia. A esperança sobe e desce. As manchas nas fachadas e paredes também mancharam fundo a alma.
Soluções
Só equilibrando pra seguir em frente. Acompanhando as notícias e a série preferida. Acalmando os ânimos, mas com a faca nos dentes pra cobrar soluções. Vai levar anos, talvez décadas, pra gente superar os traumas dessa maldita enchente. Sem jamais esquecer o privilégio de ter uma casa seca e limpa, amigos com quem contar, boa saúde e a força da união. Tomara que o vínculo criado na tragédia fortaleça a reconstrução dos lares, bairros, cidades e Estado.
Vida de volta é pensar mais no coletivo do que no individual. As formiguinhas caminhando juntas, sabe assim? Sozinhas, elas não incomodam tanto. Aos poucos, o tom marrom-lama vai sair do nosso campo de visão. Outras cores vão alegrar o dia. O cheiro impregnado de podre desse maio encharcado vai dar lugar ao perfume das flores, da grama cortada, do bolo no forno, do café recém passado, do churrasco no fogo. Acho que agora equilibrou, apesar das incertezas que transbordam em mim.