Zona Norte
Mais de 50 carrinhos de compras com produtos estragados são retirados de atacado que ficou 21 dias alagado em Porto Alegre
Estabelecimento, que é a primeira unidade de uma rede da Serra na Capital, foi inaugurado há apenas seis meses no bairro São João; funcionários realizaram a limpeza na manhã desta sexta-feira
Nas três semanas em que os resgates de sobreviventes vindos do bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre, se intensificaram, o principal caminho de acesso de barco foi a descida do viaduto José Eduardo Utzig pela Rua Souza Reis, no bairro São João. Na lateral esquerda, os socorristas que adentravam às águas se deparavam com a placa vermelha com o logo do atacado Vantajão resistindo à inundação que abraçou o prédio.
Na manhã desta sexta-feira (24), o cenário havia mudado. Nos últimos dias, a água baixou, revelando a destruição que ficou pelo bairro. No atacado não foi diferente. A marca na parede, com cerca de 1m30cm de altura, dá ideia do quanto a água avançou no local.
Do lado de fora do prédio, os funcionários trabalhavam na higienização das gôndolas e prateleiras com hidrojato. As calçadas, que antes estavam cobertas por água, agora acumulam pilhas de móveis e objetos descartados por moradores e empreendedores da região.
Na lateral do atacado, mais de 50 carrinhos de compras que haviam sido preenchidos com produtos estragados aguardavam pela chegada da empresa contratada para o recolhimento. Um forte odor ainda exalava dos alimentos que foram encharcados pela enchente.
João Antônio de Souza Severo, 38 anos, gerente-geral do Vantajão Porto Alegre conta que a equipe levantou o máximo possível de mercadorias nas prateleiras, mas, mesmo assim, todos os alimentos perecíveis se perderam.
— Carne, iogurte, aves, pães, também bastante coisa de padaria, nossa cafeteria, a gente perdeu. Também perdemos bastante coisa de mercadoria do rodapé da prateleira de baixo, porque botamos em carrinhos, só que a água tampou os carrinhos — relata o gerente.
O atacado, que é uma das 48 filiais de uma rede de Caxias do Sul, vinculada ao Grupo Andreazza, foi inaugurado no local há apenas seis meses. Essa era a primeira unidade de Porto Alegre.
O gerente conta que quando tomaram conhecimento dos alagamentos, na sexta-feira (3), os funcionários começaram a erguer produtos. Ele lembra que trabalharam dia e noite para salvar o que fosse possível, mas a água subiu rapidamente.
— Começou pelos ralos do banheiro, pela rua, nas laterais. Quando vimos já estava enchendo a loja de água — recorda.
Segundo o gerente, durante os 21 dias de inundação, o estabelecimento permaneceu sob os cuidados de seguranças particulares, o que evitou que fosse alvo de saques. Ela também conta que não houve demissões de funcionários, que continuaram recebendo os salários. Otimista, ele acredita que em 15 dias a operação já possa ser normalizada.
— A gente fica muito triste com issio, né. Mas graças a Deus não teve nenhuma vítima fatal aqui. Tem muitas famílias passando por maiores dificuldades. Somos uma empresa sólida aqui no Estado e vamos nos reerguer e sair daqui muito mais fortes.
Silêncio e ruínas
As estruturas para acolhimento aos resgatados que foram montadas no viaduto e arredores já não existem mais. Nas vias em que antes só era possível andar de barco, veículos esportivos se aventuram sem medo de danificar os motores. A pé, a água alcança os joelhos.
Na esquina da Rua Pereira Franco com a Vilela Tavares, em frente ao Vantajão, uma concessionária de veículos montada há pouco mais de um ano foi devastada. As vidraças foram quebradas pela força das águas impulsionadas por barcos e motos aquáticas. Uma pilha imensa de restos de madeira que um dia foram móveis foi depositada na calçada. Os carros foram todos removidos antes da elevação máxima das águas.
O mesmo não foi possível, por falta de tempo, em outra concessionária vizinha, localizada na Rua Souza Reis, onde dezenas de automóveis ainda estavam submersos no pátio. Os que ficaram dentro do prédio já não tinham água dentro, mas a tarja marrom deixou impressa em cada lataria a lembrança da passagem da enxurrada pelo bairro. Um funcionário estima que o prejuízo seja milionário.
Na oficina mecânica de Ederli Korb, 55 anos, onde ele também reside, o muro da frente desabou e uma parede dos fundos caiu sobre motocicletas de clientes. Apenas um automóvel de um cliente escapou da água no elevador hidráulico da oficina. Natural de Ibirubá, ele mora há mais de 20 anos em Porto Alegre e diz nunca ter visto nada assim.
— O que eu posso fazer? Agora é trabalhar uns dois anos para conquistar tudo de novo. Fácil não vai ser — lamenta.