Papo Reto
Manoel Soares: "Fazendo dívidas"
Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados
As primeiras civilizações indígenas carijós, na região que hoje corresponde a Porto Alegre, ficavam em áreas longe das margens dos rios. Eles chegavam próximo às águas para banho e pesca, mas entendiam que não poderiam invadir o espaço da água, por mais que ela não ocupasse aquele espaço ao longo do ano. Essa regra dos indígenas foi ignorada pelos colonizadores, que além de construírem suas cidades próximo às águas, aterraram territórios para que pudessem avançar para áreas que pertenciam aos rios. Chamavam essa violência de modernidade e evolução.
Hoje, acompanhando essa montanha-russa que virou os impactos das chuvas em nosso Estado, decidi apontar para um lugar que ninguém está indo com seriedade. Para chegar nesse lugar, temos que lembrar como o jornalista Fábio Almeida, em suas reportagens investigativas, mostrou por anos na RBS TV a extração ilegal de areia nas águas do Jacuí. As dragas invadiam madrugadas deformando a hidrografia de nossos rios e destruindo as contenções naturais das águas.
Crimes ambientais
As autoridades dos últimos 20 anos assistiram esses crimes ambientais e suas ações eram de pouca eficácia. O crescimento da indústria da construção civil fazia com que todos fechassem os olhos. Por mais que nossa Justiça seja falha, a natureza não é tão piedosa, ela cobra suas contas. Alguns tentam agir como se essa tragédia que assola o Estado fosse algo natural, mas não é. Planejamentos baseados em especulação imobiliária, baseados em ampliação dos ganhos e aquecimento da economia ignoraram o princípio da relação de forças da natureza. A conta está chegando, porque os avisos de Fábio Almeida e milhares de indígenas e ambientalistas não foram ouvidos, mas a pergunta que fica é: vamos continuar fazendo dívidas com a natureza?