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Metroplan alagada

"Alguns dias eu tive que faltar a aula porque não tinha dinheiro pra pagar", diz estudante que passa por dificuldades com o Programa Passe Livre

Problemas com a análise de documentos e impressão de bilhetes estão entre as queixas, que ocorrem desde antes da enchente.

20/06/2024 - 05h00min


Diário Gaúcho
Diário Gaúcho
Jefferson Botega / Agencia RBS
Sede da Metroplan, órgão responsável pelo programa, foi alagada em maio e iniciará operação provisória na Capital.

Beneficiários do Passe Livre Estudantil têm relatado dificuldades com o programa do governo estadual. E a situação não é consequência direta da enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio. Alguns estudantes relatam enfrentar problemas desde fevereiro, pelo menos. Instituído em 2013, o projeto beneficia alunos de baixa renda que precisam de recursos para fazer o deslocamento entre sua cidade e sua instituição de ensino.

No entanto, algumas questões têm causado prejuízos aos estudantes. São problemas como a falta de transparência no processo de análise de documentos e a dificuldade de emissão e distribuição dos bilhetes impressos, principalmente, para locais mais afastados da Região Metropolitana.

Estudante de Direito em São Leopoldo, Indiane Melo, de 31 anos, é uma das pessoas prejudicadas. Ela mora em Santo Antônio da Patrulha e estuda na Unisinos, na cidade do Vale do Sinos. Por isso, precisa do passe livre para realizar o deslocamento. Indiane recorda ter enviado em janeiro a documentação necessária para obtenção do benefício para a União Gaúcha dos Estudantes (UGES). A entidade é autorizada junto à Metroplan a realizar o cadastramento dos alunos. Em abril, recebeu a informação de que faltava um documento que comprovasse a presencialidade das aulas. A estudante providenciou o atestado e, desde então, seu pedido segue em análise. 

— Durante o período da enchente, fiquei tendo aulas online. Mas desde quando entrei com o pedido, em janeiro, estou tendo que pagar todas as minhas passagens. São R$ 26 a ida e R$ 26 a volta — descreve. 

A situação do estudante Felipe da Silva, de 19 anos, que mora em Parobé e estuda Tecnologia em Processos Gerenciais no Instituto Federal de Rolante, é semelhante. O aluno está com o processo em análise desde fevereiro e, assim como Indiane, se preocupa com o novo semestre que está por vir. Isso ocorre porque o encaminhamento dos processos do passe livre devem ser realizados semestralmente. E, por já estar com o processo anterior em aberto, não sabe como vai proceder:

— Estou esperando, não sei mais o que fazer. Gasto cerca de R$ 400 por mês em passagens. Vai terminar o mês de junho e não adianta mais fazer.

Dilema dos bilhetes impressos

Além das dificuldades com os processos de análise, alunos que moram mais longe da Região Metropolitana enfrentam outra questão. Eles precisam receber as passagens impressas da Metroplan, pois moram em localidades que não têm registro de bilhetagem eletrônica. Os tíquetes são impressos em papel moeda e distribuídos presencialmente por fiscais da Metroplan. Um exemplo é o da aluna do curso de Direito da Ulbra Gravataí, Deise Gimenes Reis, de 31 anos. Segundo ela, a falta de comunicação na distribuição acontece desde antes da enchente. Porém, com a catástrofe climática, a situação piorou. Os estudantes relatam que, muitas vezes, os bilhetes demoravam a ser entregues ou vinham com problemas de dados na impressão, o que impossibilitava o uso e fazia com que eles tivessem que pagar as despesas da passagem. 

— A análise é demorada, a impressão dos tíquetes é demorada e a entrega também, porque, normalmente, eles são distribuídos em Osório — afirma Deise, que mora em Santo Antônio da Patrulha e precisa ir até Osório para buscar os papéis. 

Colega de curso de Deise, Cassielli da Silva, de 23 anos, também acredita que a situação era ruim e ficou pior depois da enchente. Cassielli descreve que atualmente está utilizando os bilhetes impressos do mês de maio para se deslocar, período em que não teve aulas por causa da inundação, porém, assim que junho acabar não sabe como proceder.

Magali dos Santos, estudante de psicologia da Ulbra de Gravataí, também sofre com os bilhetes impressos. São problemas como atraso na entrega ou, em algumas ocasiões, os fiscais responsáveis nem apareciam na hora e no endereço combinados para distribuição. Como ela não utiliza uma linha exclusiva de ônibus até a faculdade, teve que pagar pelas passagens. Isso porque não tinha a confirmação de que poderia utilizar os bilhetes de maio nos coletivos, como Cassieli.

— Antes da enchente, eu tive que pagar quase um mês de passagens. Foi um grande descaso. Com a questão da enchente, a gente entende, mas estamos sendo bem prejudicados. Pago R$ 19 para ir e para voltar, então fica bem pesado. Alguns dias eu tive que faltar (a aula) porque não tinha dinheiro pra pagar — afirma.

Transparência é dificuldade

O coordenador operacional da Associação dos Estudantes do Rio Grande do Sul (Aergs), Paulo Machado, foi quem procurou o Diário Gaúcho para relatar os problemas que os estudantes vêm enfrentando com a Metroplan. Sua principal queixa, como representante da entidade, que é uma das responsáveis pelo cadastramento dos alunos no programa, é a falta de transparência na divulgação de informações sobre como será feito o processo de análise no período pós-enchente. 

— Até o momento, não houve nenhuma informação no site, redes sociais, governo do Estado, de como estava a situação do passe livre. Esse programa é fundamental para a permanência dos alunos dentro da sala de aula, mas a gente não está conseguindo achar informações para solucionar o problema. O estudante procura a entidade que ele fez o encaminhamento e nós vamos dizer o quê? — questiona Machado. 

Outra dúvida descrita pelo coordenador sobre o programa é em relação às universidades que tiveram seus calendários atrasados por conta da enchente. A autorização concedida aos estudantes que utilizam o passe livre tem data de validade até o dia do fim do semestre. Porém, com a inundação, os cronogramas foram atrasados e o benefício terá que ter prazo estendido para a nova data de conclusão. 

— As aulas que terminariam dia 20 de junho foram transferidas para julho, por exemplo. Então, precisamos da  atualização da data de vencimento de todos os passes livres já liberados, conforme o novo calendário acadêmico das universidades — analisa o coordenador.

O passe livre em cidades do Interior também preocupa Paulo. O programa é dividido em duas frentes, segundo a Metroplan: Regiões de Aglomerados Urbanos e Interior do Estado. Os problemas enfrentados pelos estudantes acima citados correspondem aos aglomerados urbanos, locais em que a isenção das passagens é de 100% do valor. 

No Interior, porém, as prefeituras precisavam aderir ao projeto por meio de um edital publicado pela Metroplan e uma quantia de cerca de 30% do gastos no transporte é subsidiada aos estudantes. No entanto, neste ano, a publicação do edital ocorreu logo antes da situação de calamidade pública ser instaurada no Estado e o prazo foi perdido por diversas prefeituras, o que causou prejuízos aos estudantes dessas regiões.

Sugestões 

Para minimizar os impactos sofridos pelos estudantes diante da situação do Passe Livre, a Aergs elaborou um ofício, em seu site, propondo soluções para as dificuldades enfrentadas. A primeira é a liberação provisória das catracas dos ônibus para todos os alunos portadores da Carteira de Estudante 2024. 

Em segundo lugar, a Aergs solicita a publicação de um novo edital para as prefeituras do interior aderirem ao programa de maneira anual, e não semestral, já que o prazo coincidiu com o período de calamidade pública e os estudantes dessas regiões estão sendo prejudicados. 

O que diz a Metroplan

Em entrevista ao Diário Gaúcho, o coordenador do programa do Passe Livre, Hélio Schreinert, informou que a sede da Metroplan, localizada no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, sofreu duramente com os alagamentos. De acordo com ele, houve perda de materiais, cadeiras, equipamentos, processos e, inclusive, do papel moeda em que são impressos as passagens. 

— A água atingiu toda a nossa rede lógica e elétrica do prédio. Então, hoje está inviável de utilizar e de fazer qualquer coisa. O passe livre é todo digitalizado em um sistema interno nosso. Infelizmente, durante o mês de maio, nós não pudemos trabalhar neste sistema. Trabalhamos até o dia 30 de abril, quando estávamos com nossas análises praticamente em dia — explica Schreinert.

Segundo o coordenador, uma sala na antiga sede da CEEE Equatorial foi disponibilizada para a Metroplan realizar suas atividades de forma provisória. Ele afirma que hoje realizará vistoria no local e, assim que estiverem provadas as condições de trabalho, iniciará as atividades. Schreinert reitera que informações sobre os bilhetes impressos serão divulgadas às entidades estudantis assim que possível e afirma que a Metroplan está trabalhando em uma forma de organizar o processo de cobrança eletrônica para o próximo semestre. 

No que diz respeito à prorrogação dos prazos do passe livre diante da ampliação do calendário acadêmico das universidades por causa da enchente, o coordenador diz que, assim que se iniciarem os trabalhos na sede provisória, a situação será resolvida sem maiores problemas. 

Pendências

Diante da sugestão da Aergs de liberar as catracas para os alunos que portam a Carteira de Estudante 2024, Schreinert afirma que não é possível, visto que precisa realizar o controle de quem utiliza ou não o transporte no período:

— Não tem como operacionalizar porque eu preciso ter o controle de quem anda no ônibus. Quem tem a bilhetagem eletrônica não vai ter prejuízo e já está autorizado a andar no ônibus. No momento, estamos tentando solucionar a questão dos tíquetes impressos, mas vamos fazer o possível para que os estudantes sejam transportados sem problemas _ diz.

Já sobre os processos de análise ocorridos no período pré-enchente, Schreinert afirma que, no início do ano, houve uma demora na licitação da empresa terceirizada a ser contratada para realizar as análises, o que atrasou alguns cadastros. Porém, ele declara que, em abril, pouco antes de ocorrer a inundação, os cadastros já estavam sendo colocados em dia. Conforme o coordenador, cerca de mil pedidos de passe livre ainda estavam pendentes de liberação.

— A Metroplan trabalha com analistas terceirizados e, quando terminou o contrato, tivemos um atraso por questão burocrática de licitação. Atrasou dois meses o nosso processo de contratação desse pessoal, e realmente houve um atraso lá em fevereiro e março. Mas, em abril, nós estávamos praticamente com todo o trabalho em dia, quando tivemos problemas com a enchente. Porém, eu posso garantir que, dos seis mil cadastros que a gente tem normalmente para serem analisados, cinco mil já estão analisados. Esses que estão pendentes, teríamos que verificar caso a caso para saber exatamente o que está acontecendo — relata.

*Produção: Elisa Heinski


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