Uma gaveta que abre sozinha faz isso pra chamar a atenção. Ela não se constrange se guarda as nossas calcinhas ou cuecas. Abre e permanece assim, indiscreta. Cada vez que eu vejo a tal gaveta aberta, tento decifrar o seu problema. É carência? Nunca ouvi falar de madeiras carentes. É rebeldia? Teimosia? Também posso ser teimosa, e não chamar ninguém pra arrumar a corrediça. Veremos quem vencerá no cansaço: a gaveta que sempre abre ou a dona que sempre fecha.

Engraçado que as outras gavetas do gaveteiro colaboram com a ordem. Entendem sua função no ambiente. São zelosas e protetoras dos pertences guardados em seu interior. Imagina se todas resolvem ter vontade própria e abrir sozinhas? É uma cena de terror. Nos filmes de suspense, não conte com elas. Já reparou que tem sempre uma gaveta que guarda segredos e gera tensão? Seu papel é ser difícil e misteriosa. Imagina se resolve abrir sozinha? O diretor vai gritar “Cortaaaaa!!”

Prateleiras

Chavear seria uma solução. Mas gavetas com chave são como cofres, nada prático no dia a dia. A expectativa é que fiquem fechadas, senão elas seriam prateleiras pra exibir seu conteúdo. Gavetas cansam de tanto abre-fecha? Se fosse uma gaveta de brinquedos em quarto de criança eu até concordaria. Não é o caso. Desconfio de uma pequena rebelião. No banheiro ao lado, tem outra gavetinha que abre sozinha. Será que as duas se comunicam numa língua só delas?

Tenho pena é das gavetas que viraram entulho nas enchentes do RS. Gavetas que guardavam as fotos da família, as certidões de nascimento, os remédios, os óculos de leitura, os livros de cabeceira. Gavetas cheias de vida e de quinquilharias. Gavetas que se sentiram invadidas com a força das águas, que incharam e emperraram com o peso da lama. O que se aproveita delas? O bom exemplo. Foram úteis. Serão parte de muitas memórias.

Leia outras colunas da Maga