Inclinação de dois metros
Mais medições e atenção à Zona Norte: o que Porto Alegre precisa fazer após cheia causar desnível no Guaíba
Grupo de pesquisadores da UFRGS identificou que o lago mudou seu comportamento por conta do volume de água da enchente de maio
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pedem que Porto Alegre tenha mais estações de medição do nível do Guaíba e Delta Jacuí. No momento, o monitoramento oficial é feito apenas no centro da Capital, o que prejudica conhecer o comportamento do curso d'água em outros pontos.
Os estudiosos descobriram que a enchente de maio fez o nível do lago variar quase dois metros em regiões diferentes, o que não é habitual. O “responsável” pela diferença foi o estrangulamento do corpo d’água entre a Usina do Gasômetro e a Ilha da Pintada.
— A vazão foi tão forte que a água se acumulou no Delta do Jacuí, pois ela não tinha muito para onde ir, a não ser para cima, inclusive extravasando os canais habituais. Por isso, o nível subiu mais rápido na Zona Norte do que na Zona Sul — afirma Felipe Geremia Nievinski, professor do Departamento de Geodésia do Instituto de Geociências (IGEO) da UFRGS um dos responsáveis pelo estudo.
A UFRGS chegou à conclusão com dados de trabalho de campo, medições próprias e informações do satélite franco-americano SWOT, capaz de medir a altura da superfície da água.
O equipamento orbital coletou imagens em 6 de maio, um dia após o que é considerado oficialmente o momento mais alto do Guaíba no Cais Mauá, onde a medição da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), distribuída pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Ana), apontou 5m35cm às 5h30min daquele dia.
A lacuna de referências faz com que os pesquisadores tenham obstáculos para estimar o nível máximo da cheia fora do Centro.
— Não me surpreenderia se (o nível mais alto) da Zona Norte fosse mais de meio metro superior ao recorde do Cais Mauá — acrescenta Nievinski.
Segundo ele, a ideia dos pesquisadores é instalar uma estação para medir o Guaíba na região do Farol de Itapuã, em Viamão, onde há também afunilamento da água. No momento, a UFRGS tem medições automáticas no Cais Mauá (Centro), Veleiros do Sul (Sul) e Ilha da Pintada.
A possibilidade de pontos da Zona Norte ficarem mais altos era conhecida dos pesquisadores: isso foi observado, por exemplo, quando o Guaíba subiu em novembro de 2023. Segundo o pesquisador, naquele momento, a medição da UFRGS no Cais Mauá indicava nível maior do que no Veleiros do Sul.
A mesma situação foi observada em outras ocasiões, mas o efeito era pequeno por conta de vazões inferiores de água, se comparadas com a enchente de maio. A inclinação de quase dois metros já cessou em grande parte do Guaíba e Delta do Jacuí, mas pode ocorrer novamente em um cenário de chuva excessiva.
— A realidade está mostrando que o sistema Guaíba-Jacuí empina quando o fluxo d’água é muito forte. Precisamos de mais dados para ancorar os modelos e estudos para avaliar se a proteção (contra cheias) deve ser reforçada na Região Norte — finaliza o professor.