Papo Reto
Manoel Soares: "Ajude sem humilhar"
Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados
Antes de morar no Rio Grande do Sul, minha mãe nos levou para morar no interior de São Paulo. Vivíamos unicamente do trabalho da minha mãe. E quando uma patroa simplesmente decidia que ia mandar ela embora, ficávamos um período sem a certeza do que comer. Minha mãe sempre foi muito batalhadora e não me lembro de dormir com fome. Mas, com certeza, para que eu não tivesse essa lembrança, ela deve ter muitas, pois é comum as mães deixarem de comer para dar aos filhos.
Mesmo nos momentos de maior dificuldade, minha mãe não permitia que fôssemos usados, só para que algumas pessoas pudessem dizer que estavam ajudando pobres. Naquela época, não existia rede social, mas a fama que alguns buscavam na cidade pequena bastava. Chegavam a dar roupas sujas, escova de dentes usadas e calçados rasgados, geralmente iam com uma máquina da Kodak para fazer uma foto da doação, mas minha mãe nunca aceitou.
Fama
Me lembro que uma vez cheguei em casa com comida dada na rua, em uma situação suspeita. Minha mãe, que estava trabalhando na época, mandou devolver. Disse que não precisávamos naquele momento. A pessoa que fez a foto comigo entregando a comida insistiu que ficássemos. Foi aí que entendi que ela não queria fazer o bem, mas ter a fama de quem fez o bem. Esse tipo de comportamento contamina a boa ação e faz com que a pessoa que recebe se sinta humilhada. Nesta hora vem algo pior que a fome, vem a perda da dignidade.
O livro de Mateus, na bíblia, no capítulo seis, versículo três, diz algo como "o que sua mão direita fizer, a esquerda não precisa saber". Esse conselho do novo testamento se faz útil nesse momento em que existe tanto marketing pessoal em cima da solidariedade. Quer ajudar, ajude! Mas não deixe que seu gesto humilhe quem recebe o auxílio.