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Reconstruindo aprendizagem

Materiais didáticos produzidos por alunos da UFRGS vão ajudar escolas atingidas pela enchente em alfabetização e matemática

Estimativa da Seduc aponta que ao menos 35 mil livros escolares foram perdidos em escolas estaduais da Capital e em duas da Região Metropolitana. Instituições têm buscado aquisições com ajuda do poder público e de doações

22/07/2024 - 11h08min


Guilherme Milman
Guilherme Milman
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Além dos danos estruturais e as dificuldades de adaptação dos alunos, as escolas atingidas pela enchente enfrentam um outro desafio: a perda de materiais didáticos. Livros, jogos, brinquedos e objetos utilizados em sala de aula foram levados pela água. Para auxiliar instituições que estão retomando as atividades, uma iniciativa da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faced) está propondo produzir itens para doação às salas de aula.

O projeto, chamado de Didacoteca, é uma extensão do curso de Pedagogia e existe desde 2017. O foco são escolas de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, com materiais que auxiliem no processo de alfabetização e introdução à matemática. 

Classificados como recursos didáticos, servem como guias no aprendizado de estudantes que se encontram no estágio inicial de ensino. O grupo atua por conta própria, valendo-se apenas do trabalho manual e de alguns instrumentos de corte e plastificação.

A ideia de doar as produções surgiu em razão da calamidade. Antes disso, os professores e alunos bolsistas se dedicavam a produzir os itens e emprestar a professores que desejassem aplicar durante as aulas. Os empréstimos funcionam como em bibliotecas. Assim, é necessário fazer a devolução. Atualmente há um acervo de 400 materiais.

Ainda em maio, a coordenadora da Didacoteca, Sandra Andrade, e os demais membros pensaram que seria importante fazer uma arrecadação de materiais como livros, brinquedos, lápis e borrachas. Com a campanha em andamento, surgiu a necessidade de acrescentar outros recursos à entrega.

— Mandavam para nós os vídeos das escolas embaixo de água, as crianças que perderam todo o seu material escolar. Foi aí que pensamos em como ajudar mais. Iniciando a campanha, a gente se deu conta de que faltava o recurso, porque vinha livro, vinha material escolar, mas não vinham os recursos didáticos — conta a professora.

Quatro professoras e quatro estudantes trabalham na confecção de roletas ensinando o alfabeto, cartas introduzindo gêneros textuais, fichas com números de 0 a 9, entre outros. Serão cinco recursos inseridos em kits, que serão distribuídos às instituições. A produção deles segue em desenvolvimento, e devem ficar prontos para entrega em agosto.

Antes disso, uma feira com os demais materiais arrecadados pelas professoras ocorrerá na próxima quarta-feira (24). Nela, estarão diretores de 19 escolas atingidas, que se inscreveram para receber os donativos. A tendência é de que sejam as mesmas instituições agraciadas pelos kits.

— É preciso recuperar a autoestima dos alunos, a vontade de estar ali naquele ambiente da escola. E depois investir no pedagógico, no didático. Se a gente não tiver bons materiais, isso vai se tornar mais difícil. O nosso trabalho é uma gotinha no copo d'água — conclui Sandra.

Prejuízo nas escolas

Uma estimativa da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) feita a pedido de GZH, baseada em instituições afetadas em Porto Alegre, Eldorado do Sul e Canoas, aponta que mais de 35 mil livros, entre didáticos e de biblioteca, foram perdidos em 164 escolas. O balanço leva em conta as solicitações das instituições feitas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) até o dia 21 de junho, quando o prazo para solicitação foi encerrado.

Além da Capital, que possui o maior número de escolas estaduais no RS, foram escolhidos os municípios que, segundo a Seduc, possuem a maior quantidade de escolas atingidas de forma proporcional na Região Metropolitana.

É preciso recuperar a autoestima dos alunos, a vontade de estar ali naquele ambiente da escola. E depois investir no pedagógico, no didático. Se a gente não tiver bons materiais, isso vai se tornar mais difícil.

SANDRA ANDRADE

COORDENADORA DA DIDACOTECA

Em Eldorado do Sul, estima-se a perda de 95% de materiais de aula. Em Porto Alegre a secretaria de Educação afirma não ter como contabilizar quantos materiais foram perdidos, mas projeta prejuízo total de R$ 95 milhões, incluindo problemas estruturais. Já em Canoas, os danos ainda estão sendo contabilizados.

Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Arthur Pereira de Vargas, em Canoas, cerca de 5 mil obras literárias do acervo da biblioteca foram jogadas fora. Além disso, não foi possível recuperar itens de robótica, material dourado, jogos pedagógicos e bolas usadas nas aulas de educação física. A instituição pretende abrir as portas em agosto, mas vai ter que funcionar sem muitos dos recursos que possuía antes. Por isso, os professores vão precisar adaptar as aulas.

— O professor vai ter que elaborar uma aula um pouco diferente do que ele tinha planejado com todos os materiais e equipamentos de antes. Na educação física, por exemplo, se a gente tinha 10 bolas, vamos dizer que a gente comece com três. Ele vai ter que fazer um planejamento para trabalhar com essa quantidade, então tudo isso vai ter que ser repensado — afirma o diretor Pedro Weber.

Como funciona a aquisição

As instituições que foram alagadas têm recebido doações de diferentes tipos de materiais. No entanto, há um processo de aquisição que envolve o poder o público e varia conforme o tipo de item que necessita ser recuperado.

No caso de livros didáticos o processo é feito pelo Ministério da Educação (Mec), através do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Durante a enchente, o governo federal disponibilizou uma reserva técnica para adquirir os livros que foram perdidos. O prazo para as escolas demandarem os livros foi encerrado em 21 de junho. GZH questionou o MEC sobre a distribuição, mas, até a publicação, não obteve retorno. 

O MEC também efetua repasses estruturais e materiais através do Programa Dinheiro Direto na Escola. Até o dia 17 de junho, foram repassados R$ 27 milhões para 7.136 unidades de ensino.

Com relação aos demais materiais didáticos que são utilizados em aula, as escolas possuem sua própria verba, repassada pelos governos, para fazer as compras. No caso da rede estadual, os repasses de autonomia financeiras são feitos mensalmente. Segundo a Seduc, 636 escolas de toda a rede estadual estão recebendo valores extras. Os valores podem variar entre R$ 20 mil, R$ 40 mil e R$ 80 mil, conforme a gravidade dos danos.

Na rede de educação de Porto Alegre, as escolas recebem verbas trimestrais, através do Plano de Aplicação e Recursos. Com esse fundo podem ser adquiridos materiais escolares, além de serem realizados pequenos reparos estruturais. Para a enchente, a prefeitura afirma ter feito um repasse extra para todas as 14 escolas atingidas, totalizando um repasse de R$ 326.958,43. 

Em Canoas, os recursos são encaminhados através de dois entes: pela Lei Municipal da Gestão Compartilhada, com repasses feitos semestralmente, e pelo governo federal, através do Programa Dinheiro Direto na Escola. Segundo o município, não foram feitos repasses extras e as escolas estão recebendo os valores com auxílio dos governos estadual e federal.


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