Direto da Redação
Michele Vaz Pradella: "Tudo bem ou nada bem"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
Você costuma responder com sinceridade quando alguém pergunta: “Tudo bem?”. A verdade é que, mesmo que o mundo esteja desmoronando ao redor, respondemos “tudo”. Confesso que, desde o final de abril, hesito um pouco antes do “tudo”. Porque não está tudo bem, principalmente pra quem mora no Rio Grande do Sul.
Você pode até não ter sido afetado diretamente pela enchente, mas é quase certo que tenha algum amigo ou familiar sofrendo as consequências da tragédia. Se não conhece ninguém que foi vítima da catástrofe, deve ter chorado com a dor de desconhecidos, com os resgates emocionantes e com as histórias de quem ficou para trás. É impossível passar ileso por situações assim. A dor do outro não é só a dor do outro, é de todos nós, que vimos ruas, paisagens, pontos turísticos, casas, pessoas e animais serem levados pela água. Foi como assistir a um filme catástrofe, com a diferença de que, neste caso, não há controle remoto que mude o canal da realidade.
Passados dois meses, seguimos a vida, mas nada será como antes. Estamos bem, voltamos a sair, nos divertir e reencontrar amigos e amores. Aí, entra um sentimento estranho: a culpa. Sim, a culpa por viver momentos felizes. É uma sensação parecida com o pós-luto, porque nos sentimos culpados de sorrir ou até gargalhar, como se isso fosse invalidar a dor. O ser humano é complexo, e justamente por isso, nossos “divertidamentes” estão todos na mesma salinha. A tristeza e a alegria dividem o mesmo painel de controle, assim como a raiva, a ansiedade, a vergonha, a culpa, o tédio, entre tantos outros que povoam nossas mentes. Às vezes, um desses sentimentos assume o comando, o que não quer dizer que tenha “matado” o outro. Está tudo bem não estar bem, e tudo bem estar. Maio de 2024 foi traumático, mas vamos virar a folha do calendário, curando as feridas e esperando por dias melhores.