Depois de 60 dias
RS ainda tem 18,4 mil animais em abrigos; para entidade de proteção, situação é "crítica e delicada"
Dado é de plataforma digital de apoio a animais em situação de emergência. Alto contingente tem levado preocupação às entidades ligadas à causa. Voluntários atuam há semanas consecutivas desde a enchente sob exaustão
Passados mais de dois meses do período de resgate emergencial em meio à enchente, o Rio Grande do Sul segue com 18,4 mil animais em 363 abrigos segundo dados desta quarta-feira (10). As informações constam em painel atualizado pelo governo do Estado, Arcanimal – plataforma digital de apoio a animais em situação de emergência – e Grupo de Resposta a Animais em Desastres (Grad).
O alto contingente a longo prazo tem levado preocupação às entidades ligadas à causa, tanto por conta do bem-estar dos animais como dos voluntários que atuam há mais de 60 dias. Foi o caso do próprio Grad, que emitiu posicionamento tratando a situação como “crise humanitária” e questionando as ações concretas do poder público.
— Chegamos ao momento em que também temos que prezar pela qualidade de vida. Esses animais estão em uma situação extremamente crítica e delicada, aglomerados nos abrigos, e é necessário que sejam estruturadas políticas públicas emergenciais — afirma o diretor do Grad, Enderson Barreto, lembrando sobre o risco de doenças, além do estresse para os animais, que pode se assemelhar a maus-tratos em determinados casos.
Entre as cidades com o maior número de cães e gatos estão Porto Alegre e Canoas. Só na Capital, são 5.571 abrigados. Segundo o levantamento disponibilizado, o quadro mais representativo é o da cidade vizinha: são 6.662 animais em Canoas, mais de um terço de todo o RS.
Questionada, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) informa que realizou reunião com representantes de entidades e protetores da causa animal na manhã de quarta-feira, com coordenação do vice-governador, Gabriel Souza. No encontro, foi criado um grupo de trabalho para discutir iniciativas pelos animais. O abrigamento e lar temporário também estiveram na pauta.
Em nota, a Secretaria afirma que "as castrações com os hospitais veterinários das universidades seguem juntamente com o Grad, e paralelo a isso o governo está fazendo o credenciamento de clínicas veterinárias para atender os municípios que estão em Estado de calamidade pública.". Acrescenta que "A parceria para o transporte de animais via Força Aérea continua e novos animais serão levados posteriormente para adotantes de outros Estados do país.".
Quanto aos prazos para que os animais sejam encaminhados, a Sema responde que não existe uma perspectiva, e que "os animais são levados para adoção, sem garantia de adoção efetiva. Os animais que por ventura não sejam adotados serão acolhidos pelo poder público municipal, que é o ente que tem esta competência em primeira instância. Todavia, salientamos que nosso compromisso quanto governo é que os animais sejam adotados e tenham um lar".
Secretaria de Bem-Estar Animal abriga maior número em Canoas
Atualmente, o maior abrigo de Canoas, segundo a prefeitura, é um gerido por ela própria, na Secretaria de Bem-Estar Animal (Avenida Boqueirão, 1985). São 600 animais acolhidos em uma área de 20 mil metros quadrados, separada em tendas e dividida em baias. Outros 300 cães que ficavam no Abrigo Patas Molhadas também serão transferidos para lá nos próximos dias.
— O fato de as doações estarem cessando, a questão da remuneração da equipe técnica, de coordenadores, isso se tornou uma preocupação grave para o abrigo... E é o papel do poder público assumir esses animais. Os abrigos voluntários foram montados por necessidades emergenciais, mas agora é um dever constitucional do Estado ter essa tutela — explica a secretária Fabiane Tomazi Borba.
Em suas redes sociais, o projeto publicou uma nota sobre a transição, destacando que chegou a abrigar mais de 3 mil cães. “(...) temos muito orgulho de dizer que temos atualmente apenas 300. Um número que a prefeitura tem condições de assumir e que, junto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Grad e Universidades do Paraná e Minas Gerais, o farão”, destaca o texto. Contudo, há voluntários que discordam da medida, afirmando que o poder público não conseguiria manter o cuidado dos animais.
Alternativas para minimizar a crise
Para buscar uma alternativa aos milhares de abrigados, municípios têm apostado em ações de adoção. Há a previsão de que no final de semana ocorra a 2ª Feira de Adoção Consciente de Cães e Gatos na Redenção. O evento está programado para este sábado (13) e domingo (14), das 9h às 17h, no Monumento ao Expedicionário.
A previsão é de que sejam 200 cães e gatos sejam colocados à disposição, em uma parceria entre Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Comando Militar do Sul - Operação Taquari 2, 3º Regimento Osório, GRAD, Arcanimal e prefeitura de Canoas. Para adotar, é preciso apresentar um documento de identificação e comprovante de residência, além de preencher e assinar um termo de adoção.
Para além disso, Barreto defende que devam ser estruturados abrigos provisórios que não contemplem grandes números de animais, bem como o incentivo à adoção com campanhas publicitárias que alcancem outros Estados brasileiros, o que também é reafirmado pela secretária de Canoas.
— Em conjunto com a Arca, lançamos uma ação nacional de adoção que tem tido bons resultados. Já foram mais de quatro mil animais adotados. Há uma parceria com a Força Aérea Brasileira (FAB), para locais como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, além de estarmos montando uma logística terrestre — acrescenta o diretor do Grad.
Em Porto Alegre, a prefeitura informa que contratou 60 médicos veterinários para atuar nos abrigos, além de profissionais na modalidade de “jovem protetor”, equivalente ao menor aprendiz ou estagiário. Foi firmado contrato também com a Cooperativa dos Trabalhadores das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa) para a limpeza dos espaços.
Segundo a administração municipal, não há disponibilidade de criar um processo de remuneração dos voluntários. “Para haver alguma possibilidade de contratação, deveria passar pelo Legislativo a criação de novos cargos, e também precisa haver um estudo que justifique o impacto no orçamento, além de não ultrapassar o limite permitido por legislação de gasto com pessoal”, diz, em nota.
Outra questão que preocupa nessa situação é a necessidade de desmobilização dos abrigos, em função de espaços que requerem a retomada das atividades. A prefeitura afirma que tem informado os coordenadores com antecedência e buscado novos endereços para alocar os animais. Informa, no entanto, que há deficiência de espaços adequados e dificuldade de locatários disponibilizarem imóveis para esta finalidade.