Agricultura "girl power"
Com recorde de bancas na edição, negócios comandados por mulheres são maioria no Pavilhão da Agricultura Familiar da Expointer
Gestão feminina é marca do espaço e está presente em 217 dos 413 estandes da 47ª edição da feira
O tradicional Pavilhão da Agricultura Familiar da Expointer celebra não só um recorde de expositores nesta edição — são 413 ao todo —, mas também uma marca emblemática desses negócios.
Mais da metade deles — 217 —, é administrado por mulheres, um dado histórico nos 25 anos do pavilhão. Na edição do ano passado, dos 372 participantes, 148 eram mulheres.
As irmãs Eduarda, 19 anos, e Rafaela Rohr, 13, ajudam a tocar a Agroindústria Lilien, de Picada Café, com a família. Elas dizem que o olhar jovem e feminino é fundamental para trazer inovação e modernidade aos negócios familiares.
As gurias fazem parte da sexta geração da propriedade, que começou com a atividade leiteira e diversificou a produção por uma condição de saúde na família. Começaram com 20 mudas de chá e hoje cultivam mais de cem espécies. Das plantas, produzem infusões para bebidas, biscoitos diferenciados e geleias aromatizadas com as ervas.
O catálogo inclui produtos orgânicos, veganos e sem açúcar. Itens elaborados com bergamota e capim limão, símbolos do RS, além de flores como rosas, lavanda e hibisco são carro-chefe de vendas. Tudo desenvolvido pela "mente jovem" do negócio, Eduarda, responsável por incluir a atenção à tecnologia no processo produtivo da agroindústria. Estudante de Farmácia, a jovem diz querer aproveitar cada vez mais o conhecimento para criar novos produtos, como os medicamentos naturais.
— Estamos sempre pensando em inovar, mesmo preservando o natural e o artesanal, porque as pessoas querem esses produtos. Buscamos os sabores únicos e inusitados, que não são tão comuns de se encontrar no mercado, porque isso é o diferente — diz Eduarda.
"A criatividade na agricultura vem forte e isso também nos traz a autonomia e a independência"
EDUARDA ROHR
da Agroindústria Lilien, de Picada Café
Agricultura para a vida
A vivência de uma Expointer está há pelo menos uma década na vida da produtora Leticia Sobucki, 24 anos. Desde os 14, ela transita pelo estande da família na feira, mas foi com a maturidade que passou a buscar por mais protagonismo neste espaço. Entre uma venda e outra enquanto falava com a reportagem, enchia-se de orgulho ao refletir sobre a presença cada vez mais marcante das mulheres nas edições.
— É um orgulho enorme. Desde pequena tive o pensamento de focar na agricultura e agora estou aqui. O pai ensinou a gente a gerenciar, ajudar e a crescer dentro dela (da agroindústria), e o que a gente quer é continuar por anos neste ramo — diz Leticia.
A "irmandade" entre as produtoras é outra menção de destaque:
"Todo mundo se ajuda. Vai ficando uma amizade tão grande que cada vez vamos convivendo mais. De anos para cá, já conheci muitas mulheres novas. E é interessante que cada uma tem um sonho maior de conquistar a agricultura".
LETICIA SOBUCKI, 24 ANOS
produtora rural
Em ponto estratégico logo na entrada do pavilhão, a banca da Produtos Coloniais Sobucki, de Sete de Setembro, vende sucos, geleias, compotas e conservas. Este ano, a novidade na feira são as caldas nativas para drinques, "um sucesso", diz a produtora.
Da dificuldade, um negócio
A saída perspicaz para um problema inesperado levou a produtora Eloiza Debona, 32, para a gestão de um negócio familiar que só faz crescer. Para não colocar leite fora durante a greve dos caminhoneiros, que paralisou estradas em 2018, a família buscou uma receita que viraria a grande marca da The Intenso Laticínios, de Soledade.
Assim, o leite que quase talhou virou queijo, evoluiu para doce de leite industrializado e hoje é ingrediente também para queijo a base de iogurte e iogurte artesanal. A guinada do negócio é reconhecida em prêmios, com honrarias no tradicional concurso de queijos artesanais e doce de leite da Associação Gaúcha de Laticínios (AGL) e nas certificações do Selo Arte. Na feira, a novidade é o doce de leite com raspas de limão.
A produtora é responsável pela gestão financeira e de RH da agroindústria e está à frente dos controles de qualidade. Nas folgas, também faz a ordenha das vacas.
— Percebo que as mulheres estão ganhando espaço ao longo dos anos. Temos versatilidade de mudanças, não desistimos fácil e os negócios crescem. A mulher tem papel de destaque dentro da propriedade, ambos (homens e mulheres) podem liderar juntos, é só ela acreditar que não precisa ficar na sombra — diz Eloiza.
Na Expointer deste ano, a produtora foi agraciada na categoria Elas no Agro em premiação concedida pela Federasul. Enquanto comanda o estande, explica o produto aos clientes e celebra as boas vendas da feira até aqui.
Espaço para acolher
Assim como nos demais dias de Expointer, desde as primeiras as horas da abertura os corredores do pavilhão estavam lotados nesta quarta-feira (28). Muita gente aproveitando para fazer compras e buscar pelo melhor preço, antes do fim da feira. A Expointer se encerra no próximo domingo, dia 1º de setembro.
O número recorde de bancas no pavilhão atende a uma demanda que estava reprimida em razão de limitação de espaço. A adequação do local permitiu que mais produtores pudessem chegar, diz Douglas Cenci, coordenador geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf-RS), uma das entidades realizadoras do espaço.
— É um momento em que é preciso fazer o esforço de garantir a participação maior do público que foi afetado, que precisa de uma recomposição de renda, de um espaço de motivação, inclusive. Então, acolher um público maior é simbólico neste momento de reconstrução do Rio Grande do Sul — diz Cenci.
Para o coordenador, a agroindustrialização dos produtos é também uma forma de a agricultura familiar valorizar o seu trabalho:
— A agroindustrialização garante um trabalho menos penoso do que as demais atividades e um trabalho mais reconhecido. Então, ela permite que as mulheres e os jovens se sintam bem fazendo algo que dá o alcance, sem abrir mão do lazer, que outras atividades como a produção de leite, que não tem dia nem hora, não permitem.