Na Capital
Longas jornadas, escassez de voluntários e recursos insuficientes: como estão os abrigos que ainda têm animais da enchente
Locais que contam com apoio da prefeitura acolhem hoje em torno de 400 cães e gatos que aguardam adoção. Edital de chamamento busca entidades parceiras para acomodar os bichos em melhores condições
Dos cerca de 80 abrigos com 6 mil animais existentes no auge da situação de calamidade da enchente, o número foi reduzido a três locais principais com 400 cães e gatos abandonados ou separados de seus tutores em Porto Alegre. Esses pontos contam com apoio da prefeitura e mão de obra de voluntários, sem os quais seria impossível continuar prestando assistência aos bichos.
Os abrigos restantes estão no Vida Centro Humanístico (mais de 270 animais), no bairro Costa e Silva, no Largo da Epatur (cerca de 65), na Cidade Baixa, e no Kennel Club (60), na Restinga. É notável a queda no número de ocupantes em relação a maio, graças a adoções e retorno a tutores localizados, mas o desafio de arrecadar recursos, mobilizar colaboradores e manter os cuidados segue imenso.
A prefeitura da Capital disponibiliza serviço de limpeza via Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), atendimento de saúde prestado por médicos veterinários nos locais e também em clínicas parceiras e jovens aprendizes para execução de tarefas diversas, como controle de estoque e passeios. Cada abrigo pode receber doações em dinheiro via pix e também em produtos como rações. O governo do Estado afirma oferecer apoio mediante solicitações da administração municipal.
— Os voluntários estão fazendo o máximo deles. A prefeitura está fazendo o que pode. O município está se virando. É difícil — comenta Fabiana de Araújo Ribeiro, secretária da Causa Animal de Porto Alegre.
Por necessidade, os cães são mantidos acorrentados. Não é o ideal, e por isso a prefeitura lançou um edital de chamamento público para credenciar entidades protetoras e empresas prestadoras de serviço de creche e hospedagem para albergar caninos e felinos na espera por adoção, oferecendo condições melhores. Por cada animal abrigado em local a ser previamente vistoriado, a entidade interessada receberá R$ 378 mensais, além de coleiras antiparasitárias, vacinação e atendimento veterinário. Ainda há animais sendo castrados, e a ideia é fazer uma grande feira assim que todos estiverem prontos.
O objetivo é que todos sejam adotados. Sabemos que muitos são adotáveis e talvez não consigam ser adotados por pelagem, tamanho, agitação. Sabemos que não tem lugar para todos. Estamos nos preparando para um passivo que não será adotado.
FABIANA DE ARAÚJO RIBEIRO
Secretária da Causa Animal de Porto Alegre
Falta de voluntários é generalizada.
Passada a comoção e a disponibilidade de tempo de cada um nos primeiros dias e semanas da catástrofe, o número de voluntários vem diminuindo progressivamente. No Vida Centro Humanístico, havia em torno de 50 pessoas por turno no pico da catástrofe, que tentavam dar conta de um universo que chegou a ter 680 cachorros e 80 gatos.
— Era enlouquecedor. Ninguém sabia o que fazer. Os bichos não paravam de chegar — recorda a advogada Laura Pretto Duarte, 28 anos.
Laura começou como voluntária em 6 de maio, prestando apoio jurídico, e não parou mais. Com a redução de pessoal — hoje são apenas cerca de 20 voluntários fixos —, acabou assumindo cada vez mais tarefas. Passa 12 horas por dia no abrigo, carga que impacta a vida pessoal e profissional. No dia a dia, lida com questões relativas a demandas de saúde dos pacientes da enfermaria e compra de ração especial para idosos ou doentes crônicos. Entram cerca de R$ 4 mil mensais em doações por pix, insuficientes para cobrir as despesas.
— Sempre gostei de bicho, mas não conhecia ninguém da causa animal. Fui me meter nisso com a enchente. Caí de paraquedas e fiquei, só me estressando e não ganhando nada — relata Laura, que tem quatro gatos, sendo duas “filhas de enchente”, e dois cachorros.
Mesmo com o apoio do pessoal direcionado pela prefeitura, a grande força motriz do abrigo, segundo Laura, são os voluntários.
Quem toca o abrigo são os voluntários. Se tirar os voluntários, a coisa colapsa.
LAURA PRETTO DUARTE
Advogada e voluntária no Centro Vida
Vânia Plaza Nunes, médica veterinária e vice-presidente do Grupo de Resposta a Animais em Desastres (Grad Brasil), ONG que atuou em resgates no Estado durante as cheias históricas, acredita que a melhor saída para reduzir a ocupação dos abrigos é insistir em programas de adoção bem estruturados, que disponibilizem animais que já passaram por triagem e estejam identificados com microchip, castrados e em boas condições de saúde.
— O que aconteceu também mostra a necessidade de se pensar em políticas públicas permanentes que trabalhem programas de manejo populacional supervisionados por técnicos com conhecimento dessa área. O resultado poderá trazer uma contribuição enorme para essa área no país como um todo. Se não for assim, vamos reviver muitas situações como essa, não só no Rio Grande do Sul, mas em outros locais, em menor ou até em maior escala — adverte Vânia.