Filme documentário
Documentário conta história de abrigo no bairro Rubem Berta
Lançado na última sexta-feira (6), o filme foi produzido por estudantes da EMEF Grande Oriente do Rio Grande do Sul. A equipe é responsável pelo jornal Fala Cohab
As histórias da enchente de maio ainda habitam a memória dos gaúchos, mas ganharam um registro documental lançado na sexta-feira passada, dia 6, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Grande Oriente do Rio Grande do Sul, no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre.
A partir de depoimentos de abrigados, professores e voluntários, o filme Periferia à Deriva: o Maio que Não Acabou, compõe um registro histórico do período em que a escola serviu como abrigo improvisado para as vítimas da enchente.
Com cerca de 35 minutos, o documentário foi gravado, produzido e montado por estudantes oficineiros do Fala Cohab, um jornal comunitário produzido na própria escola. A direção é da jornalista Rosalia Fraga, coordenadora da oficina.
O período em que a escola foi abrigo já seria assunto no jornal, mas a ideia do documentário surgiu com a disposição dos abrigados em dividir suas angústias com os alunos.
– Os abrigados se mostraram muito abertos para contar essa história. Muito impactados pelo que aconteceu e querendo passar aquela notícia adiante. Aí, eu sugeri (aos alunos): “Vamos gravar um documentário” – explica Rosalia.
Experiência
Na sua opinião, a riqueza do filme está na centralidade de uma narrativa da periferia produzida pelos próprios moradores do bairro.
– É muito importante a gente ter essa visão comunitária do que aconteceu. É a história do que aquelas pessoas passaram pela voz delas mesmas. As vozes ali são de desabrigados, não são as dos alunos, não é a minha. A gente deu liberdade total para que eles falassem o que eles queriam – conta Rosalia.
Para a estudante Nathalia Cruz, 16 anos, a experiência de fazer as entrevistas para o filme foi muito diferente da redação habitual do jornal. Desde o começo, ela e os colegas estavam envolvidos como voluntários. Por isso, ela destaca o peso emocional com que precisaram lidar.
– (No Fala Cohab) a gente tenta sempre falar coisas mais leves, falar com o público em geral, sobre a vivência no bairro. Mas o documentário tocou em uma ferida, tudo estava recente, então foi muito triste – relembra.
Abrigo
Quem passou pela enchente ainda se lembra do momento e das imagens da água invadindo a cidade. As entrevistas, contudo, dão um rosto e um passado ao drama coletivo.
Os primeiros moradores chegaram na escola no sábado, 4 de maio, após a Secretaria Municipal de Educação (Smed) autorizar a abertura do abrigo. Foi o dia em que os diques de contenção da Zona Norte transbordaram.
Rapidamente, os ambientes escolares se tornaram morada para pessoas vindas dos bairros Sarandi, Humaitá e Vila dos Papeleiros e de Eldorado do Sul. Onde antes cerca de 1.200 alunos tinham aulas, agora era casa, ambulatório e centro de solidariedade para 313 pessoas.
O lançamento do documentário, na semana passada, ocorreu no auditório da escola e contou com a presença de cerca de 30 pessoas, entre professores, alunos e familiares.
– Foi um soco no estômago. Tudo aquilo que a gente viveu vem à tona e é muito pesado. Mas é muito legal assistir ao nosso trabalho – resume a estudante Nathalia.
O documentário está disponível no canal do YouTube do Fala Cohab (youtube.com/@FalaCohab).
Jornalismo comunitário
O jornal Fala Cohab foi criado porque Rosalia estava cansada da cobertura sobre a região. Para ela, o bairro só virava notícia por violência ou pobreza.
– Eu conversei com a associação (de Moradores Rubem Berta) e eles toparam (fazer um jornal). Fiz uns cartazes, colei nos postes e convidei os moradores para participarem. Assim nasceu o primeiro exemplar do Fala Cohab, em dezembro de 2022 – relembra.
Para a segunda edição, Rosalia ofereceu o projeto para a Escola Grande Oriente do Rio Grande do Sul, onde é produzido até hoje. A publicação funciona como uma oficina no contraturno escolar, ministrada voluntariamente por ela. Os encontros são semanais e a publicação é trimestral.
O estudante Hiago Souza, 16 anos, que participa do Fala Cohab, destaca que o jornal oferece uma nova história sobre o bairro. Por isso, ele explica, o jornal foi bem recebido.
– Eu senti que a comunidade inteira meio que se identificou, porque é leve. É uma coisa que as pessoas realmente gostam. Desvinculou essa coisa de que a Cohab só é notícia quando morre alguém – afirma o oficineiro.
Esse ano, o projeto foi formalizado como uma ONG e recebeu recursos da Lei Paulo Gustavo. Com o financiamento, a iniciativa tem quatro edições garantidas e será ampliada para a Restinga. A primeira edição do Fala Restinga deve sair em novembro.
*Produção: Guilherme Freling