Na Zona Norte
Dois meses após inauguração, Centro Humanitário de Acolhimento Vida ainda abriga 334 pessoas
Reportagem de Zero Hora esteve no espaço para conversar com as vítimas da enchente de maio que ainda permanecem no local. Temor das famílias é serem obrigadas a sair antes de terem para onde ir
Pouco mais de dois meses após ser inaugurado, o Centro Humanitário de Acolhimento Vida, situado no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre, continua sendo o lar temporário de 334 pessoas, o que representa 170 famílias.
Os acolhidos no espaço de 9 mil metros quadrados de área construída foram afetados de alguma maneira pela enchente de maio. As famílias perderam as casas ou tiveram suas moradias devastadas pela força da água.
O Centro Humanitário de Acolhimento Vida foi o segundo espaço criado para abrigar vítimas da enchente no Estado de forma temporária. O primeiro e o terceiro ficam localizados em Canoas, na Região Metropolitana. Os locais são geridos pela Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Migração (OIM).
O desempregado Fabiano Garcia, 47 anos, e a esposa Janice Cardoso, 44, que ganha a vida na área dos serviços gerais, vivem no local desde sua abertura. As filhas Talita, 13, e Sabrine, 16, acompanham os pais. O temor da família é que todos precisem ir embora sem ter um teto seguro.
A cheia atingiu a casa onde a família vivia de aluguel havia oito meses na Vila Nazaré, no Sarandi. Antes da enchente, a ideia era comprar o imóvel, que tinha dois quartos, sala, cozinha e banheiro.
Em 3 de maio, o sonho foi interrompido pela fúria da água e todos precisaram ir para o Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), no bairro Menino Deus. Posteriormente, foram conduzidos para o Centro Vida.
— Se sair daqui não temos nada. Está difícil — desabafa Garcia, dizendo que a família ganhou dois benefícios até agora, um de R$ 5,1 mil, e outro no valor de R$ 2,5 mil.
O dinheiro foi usado para a compra de roupas e material escolar para as filhas. Talita cursa a oitava série na Escola Estadual de Ensino Fundamental Poncho Verde. A irmã Sabrine estuda no primeiro ano do segundo grau no Colégio Estadual Presidente Arthur da Costa e Silva.
— Temos a esperança que o governo vá nos ajudar. Temos as crianças, somos cidadãos e sempre pagamos os impostos. As crianças estudam e sempre fizemos as coisas certas. Esperamos ajuda — anseia o pai, que perdeu o emprego de técnico em internet durante a inundação da Capital.
Desencontro
Nesta terça-feira (17), o obreiro Antonio dos Santos, 61, cortava o cabelo no Centro Vida. A história dele é bastante curiosa, pois veio do município de Realeza, no Paraná, ao Rio Grande do Sul pouco antes do início da enchente. Lá, vivia em uma chácara herdada da própria família.
Como havia quebrado a perna direita, veio para o RS pedir ajuda para o irmão, que vive em Novo Hamburgo. Segundo relata, houve um desencontro entre os dois, e o irmão foi para Cascavel na mesma época.
— No dia 3 de maio, quando começou a inundação em Porto Alegre, eu estava em um albergue na Rua 7 de Abril, perto da Avenida Farrapos — conta.
Sozinho na Capital, foi obrigado a procurar ajuda na Rede Calábria, onde ficou acolhido por cerca de 60 dias. Em seguida, foi levado para o Centro Vida, no Rubem Berta, onde ainda permanece.
— Estou à espera de algum benefício federal para poder voltar para casa — diz seu Antonio, que teria recebido um de R$ 5,1 mil e outro no valor de R$ 2,5 mil.
Família está no terceiro abrigo desde maio
A enchente obrigou a diarista Michele Prestes, 44, a sair de casa, no Loteamento Pampa, na Vila Farrapos, no começo de maio. A moradia de três quartos, cozinha e banheiro foi totalmente destruída.
Na noite de 3 de maio, foi para um local onde achava que seria mais seguro e a água não chegaria: uma casa de dois andares perto de sua moradia. Dois dias depois, precisou ser resgatada de bote e ainda caiu dentro da água.
Primeiro, ela e a família foram para abrigo no Colégio Santa Doroteia, no bairro Cristo Redentor, onde permaneceram por uma semana. Depois ficaram na Paróquia São Martinho, localizada no bairro Cristal, por quase três meses. Por fim, chegaram ao Centro Vida. Já estão no local há cerca de um mês.
No Centro Vida, dona Michele vive com os filhos Thomaz Eduardo, 7, João Pedro, 8, Luiz Gustavo, 17 e Jenifer Prestes, 19. Com exceção da filha mais velha, os outros três saíram do Loteamento Pampa ainda em 3 de maio. Por segurança, foram levados em um primeiro momento para a casa de uma parente no Rubem Berta.
No espaço onde estão juntos agora é possível ver uma cama de casal, um beliche, uma cama de solteiro e uma mesa. Muitas roupas estão empilhadas em um canto.
Com o benefício recebido de R$ 5,1 mil, dona Michele comprou um fogão, uma televisão e alguns pratos. Foi o que deu.
— Na verdade, eu já ganhei a escritura do apartamento no Rubem Berta. Pago com o Estadia Solidária (auxílio humanitário exclusivo para famílias que tiveram de sair de casa em razão de calamidade pública). Só que estou sem luz e sem parte elétrica lá. Por isso não fui ainda para lá, mas acho que até a metade de outubro já estou indo embora — estima dona Michele, que ainda precisa buscar a escritura no Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
Estrutura completa e busca por rotina
No Centro Vida, os 122 dormitórios estão distribuídos em quatro seções: grupos familiares, homens, mulheres e a ala LGBTQIA+.
Enquanto esperam pelas moradias, os acolhidos tentam levar uma rotina normal. Crianças brincam pelos ambientes, mães lavam roupas na lavanderia e alguns escutam rádio. É a maneira que encontraram de passar o tempo.
No local há lavanderia coletiva, berçário, fraldário, ambientes multiuso, espaços infantil e de conectividade, além de um posto médico e policiamento.
O número de pessoas acolhidas em cada centro pode ser consultado no Monitoramento de Abrigos da Secretaria de Desenvolvimento Social do RS. Para conferir a situação nesses espaços basta clicar aqui.
Governo do Estado garante funcionamento até famílias ganharem moradias
O governo do RS assegura que os três centros de acolhimento em funcionamento só serão fechados quando as vítimas das enchentes presentes nesses locais receberem casas do governo federal.
— Os Centros Humanitários de Acolhimento permanecerão abertos pelo tempo necessário até que as famílias possam ser contempladas com as moradias definitivas do programa habitacional anunciado pelo governo federal — afirma o vice-governador Gabriel Souza.
Um quarto centro de acolhimento não será aberto, pois o governo acredita que as demandas atuais estão sendo supridas de forma adequada.
Nesta terça-feira, o Centro Humanitário de Acolhimento Recomeço, em Canoas, abrigava 355 pessoas. Já o Centro Esperança, no mesmo município, contava com 140 acolhidos em suas instalações.
O governo do Estado implementou os Centros Humanitários de Acolhimento em parceria com as prefeituras. À medida que as pessoas foram sendo assistidas por outras políticas habitacionais ou retornaram para suas casas, o município reconheceu a necessidade de manter apenas um desses espaços em Porto Alegre.
Para Gabriel Souza, os locais cumprem sua missão:
— Esses centros têm garantido às famílias privacidade, três refeições diárias, espaços lúdicos para as crianças e acesso a serviços essenciais. Portanto, entendemos que esses espaços estão cumprindo plenamente a finalidade para a qual foram criados.