Mudanças climáticas
Fumaça muda a rotina nas escolas e estimula projetos de educação ambiental
Camada formada por vestígios de queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste brasileiras mantém há semanas cinza o céu no Rio Grande do Sul. Em sala de aula, alunos têm adaptações nas atividades externas e estudam o assunto
Situado a milhares de quilômetros do Amazonas, Pará e Mato Grosso, que concentram as principais queimadas dos últimos meses, o Rio Grande do Sul tem mantido o céu cinza nas últimas semanas mesmo em dias de tempo bom. O motivo é o corredor de fumaça que traz os vestígios desses incêndios para o Estado. Nas escolas, a rotina já mudou: enquanto redes de ensino orientam para cuidados como evitar atividades ao ar livre, alguns projetos de educação ambiental têm tido reforço diante do fenômeno.
No Colégio Santa Doroteia, na zona norte de Porto Alegre, alunos da 3ª série do Ensino Médio resolveram coletar a água da chuva caída durante a vinda da fumaça para o RS na disciplina de Biociências, criada após a reforma dessa etapa. A ideia é fazer uma análise do material, medindo aspectos como o pH e a turbidez.
— Eu estava em aula com os alunos e eles começaram a conversar sobre a fumaça e perguntar sobre questões relativas à chuva, à qualidade do ar, como tudo isso poderia impactar. A partir das perguntas que eles trouxeram, eu expliquei que essa nuvem de poluição resultaria no fenômeno da chuva preta, e propus que, dentro do conteúdo que já trabalhamos, analisássemos a turbidez da água, a acidez, para, depois, fazermos comparativos quando essa situação climática passar. Eles toparam — conta a professora Jéssica Streb.
O plano é coletar a água da chuva diariamente, enquanto a instabilidade seguir, e fazer amostras. Depois que o fenômeno passar, mais uma coleta será realizada, a fim de comparar os dados e medir o nível de contaminação do ar. Parte das análises ocorrerá no próprio laboratório da escola, mas a intenção é fazer parceria com universidades para utilizar um aparelho que meça de forma mais precisa o pH.
A realização de atividades práticas como a coleta e a análise de água da chuva e de outros materiais faz com que os estudantes se engajem mais.
— É uma aula que flui melhor, no sentido de dúvidas. Tu vai lá e mostra um fenômeno para eles, eles coletam alguma coisa, elaboram e tu já tem um conteúdo para trabalhar com aquilo, só que vai tomando uma proporção muito maior, porque desperta novas curiosidades neles. É um ensino envolvente, porque os alunos não estão passivos — observa a docente.
Outros temas socioambientais já tratados em aula são doenças a curto, médio e longo prazo causadas pelas mudanças climáticas, expansão urbana e o impacto dos aterros na inundação em Porto Alegre, medidas de mitigação da enchente, o impacto das atividades da população na produção de gases poluentes, o papel das indústrias nessa poluição e a função das áreas de preservação permanente nas cidades.
No Colégio João XXIII, na zona sul da Capital, os alunos do 3º e 4º ano do Ensino Fundamental organizam desde maio um congresso sobre mudanças climáticas, previsto para novembro. O evento, pensado pelos estudantes, envolve reuniões sobre temas como oceanos, povos originários, poluição, aquecimento global, desmatamento e conservação dos biomas.
— Eles definiram o nome do congresso, por meio de assembleia, e estão planejando quem a gente vai convidar. Nas turmas, eles se organizaram em grupos com temáticas de pesquisa de um projeto científico, todas com relação às questões climáticas. Vão ser três dias de congresso e vai ser feita uma cartilha para o futuro, com ações para minimizar os danos ambientais — relata Amanda Dornelles, coordenadora dos Anos Iniciais da escola.
Orientações das redes
Na quarta-feira (11), o governo do Estado divulgou orientações à população sobre cuidados com a saúde diante da fumaça e da possibilidade de chuva preta. Entre as recomendações, estão aumentar a ingestão de água, evitar atividades ao ar livre e manter portas e janelas fechadas e considerar o uso de máscara, em especial por pessoas com condições crônicas, como pneumopatas, cardiopatas e pessoas com problemas imunológicos. Indicação semelhante fez a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre.
Essas informações foram replicadas pelo Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) às suas escolas associadas. A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) também agiu: orientou que, até domingo (15), suas instituições evitem atividades ao ar livre e a realização de práticas esportivas. A pasta também destacou que alunos com problemas cardíacos, respiratórios graves e imunológicos terão faltas justificadas.
O Colégio Santa Inês, no bairro Petrópolis, optou por cancelar a Festa Gauchesca Solidária de 2024, marcada para este sábado (14). O motivo foi o “cenário de instabilidade meteorológica, com a previsão de chuva e o momento crítico de contaminação do ar pela fumaça para Porto Alegre”. A instituição justificou que está seguindo as recomendações do Ministério da Saúde e da prefeitura da Capital e que manterá os momentos festivos planejados de forma interna.
No Colégio João Paulo I dos bairros Higienópolis e Praia de Belas, uma circular foi enviada às famílias na terça-feira (10) com orientações reforçando o aumento do consumo de líquidos e a importância de evitar espaços abertos.
— Não reduzimos o tempo de recreio, de 20 minutos ao longo do dia, mas informamos que a gente seguiria mantendo as portas e janelas fechadas para diminuir a poluição externa, conforme orientação, e, como teve a elevação das temperaturas a partir de terça, que iríamos manter as salas climatizadas para ter um melhor conforto térmico — relata Fernanda Martins, diretora da instituição.
A escola não registrou, até o momento, problemas respiratórios envolvendo seus alunos, tampouco proibiu atividades ao ar livre. No entanto, recomendou aos professores de Educação Física que fossem sensíveis a eventuais desconfortos dos estudantes.
— Estamos sendo muito cautelosos e aguardando os desdobramentos. Acho que isso é um legado da pandemia: rapidamente fizemos um movimento protetivo, respeitando quem tem doenças respiratórias, como bronquite e asma — cita a gestora.
As medidas ocorrerão até que o quadro mais crítico de vinda da fumaça para o Rio Grande do Sul passe.