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Esperança renovada

"Permite que eu veja meu filho crescer", diz gaúcha que recebeu coração artificial após ter casa inundada na enchente

Nona pessoa a contar com bomba cardíaca no Estado, Fernanda Assmann, 32 anos, já planeja volta ao trabalho

23/09/2024 - 12h57min


Marcelo Gonzatto
Marcelo Gonzatto
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Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Fernanda, em casa após receber implante, com o filho Henrique.

Entre as milhares de vítimas da enchente no Rio Grande do Sul, uma moradora de São Leopoldo foi especialmente atingida. Paciente de uma doença de origem genética que enfraquece o coração, teve a casa inundada e viu sua saúde piorar após dar à luz um bebê prematuro. Sem condições de realizar um transplante ou de viajar por conta da gravidade do caso e do impacto da cheia sobre o Estado, recebeu no mês de maio o implante de uma bomba cardíaca ainda rara no Brasil graças a um projeto filantrópico. Quatro meses depois, Fernanda Assmann, 32 anos, conseguiu voltar para casa com a família e agora prepara o retorno ao trabalho.

Fernanda já vivia com um quadro de insuficiência cardíaca provocado por fatores hereditários. A miocardiopatia estava controlada pelo uso de medicamentos, mas se complicou quando uma gravidez sobrecarregou seu organismo. A gestante, de 1m70cm e 120 quilos, passou a sentir cansaço frequente e problemas digestivos. Vomitava quase tudo o que comia. Perdeu 45 quilos em poucos meses e, debilitada, precisou se submeter a uma cesárea em abril a fim de preservar a vida dela e do pequeno Henrique, que veio ao mundo na trigésima semana de gestação com apenas 38 centímetros e 1,4 quilo.

— Meu caso se agravou muito rapidamente, e isso tudo em meio à enchente — recorda Fernanda.

Com o nível de anticorpos elevado devido à gravidez, a equipe médica avaliou que não seria recomendável tentar um transplante cardíaco pelo risco redobrado de rejeição. Além disso, o impacto da inundação sobre a infraestrutura derrubou a oferta de órgãos no Estado. A solução seria tentar o implante de um dispositivo criado pela empresa americana Abbott que auxilia o coração a bater.

O aparelho, conhecido como Heart Mate 3, é disponibilizado no Brasil por meio de um projeto de filantropia chamado Coração Novo, desenvolvido pelo hospital paulista Sírio-Libanês em parceria com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS). Geralmente, o paciente vai até São Paulo fazer a complexa cirurgia. Mas, por conta das dificuldades provocadas pela cheia, como o fechamento do Aeroporto Salgado Filho, e da situação delicada de Fernanda, os paulistas viajaram até o Hospital de Clínicas para implantar o mecanismo — que é acoplado ao coração e amplia a capacidade de bombeamento do órgão. Por meio de um fio que sai pelo abdômen do usuário, é ligado a um aparelho externo de monitoramento e a uma bateria que precisa estar sempre carregada (veja imagem ilustrativa abaixo). O custo de uma unidade, ainda não contemplado via SUS, é de cerca de R$ 750 mil.

— É preciso adotar uma nova rotina, mudar de curativo diariamente, não deixar molhar, colocar um plástico para tomar banho. E não pode deixar acabar a bateria, que tem uma autonomia de até umas 15 horas. Quando eu durmo, para não correr risco de ficar sem bateria durante o sono, eu durmo ligada na luz, como digo brincando — conta Fernanda que, de fato, precisa ficar acoplada à rede de energia durante a noite através do equipamento externo.

Divulgação / Abbott
Representação do implante (interno) e do monitor (externo)

Apesar da necessidade de adaptações, Fernanda comemora a nova vida que o aparelho lhe trouxe. Sem isso, precisaria permanecer no hospital e sob maiores riscos de saúde. Agora, vai ao Clínicas (referência no Estado para pacientes que incorporam essa tecnologia) apenas para acompanhamento.

Isso permite que eu continue acompanhando o meu filho, que eu veja ele crescer. Tenho muita gratidão porque me possibilita ficar próxima das pessoas que eu amo. Salvou a minha vida — conta a analista acadêmica da Unisinos.

A enchente inundou a casa onde vivia com o marido e os pais no bairro Rio dos Sinos, levou eletrodomésticos e todo o enxoval do bebê. Em setembro, depois de passarem meses ocupando um apartamento menor em outro bairro, puderam voltar para a antiga moradia. O próximo plano é retomar a atividade presencial na Unisinos.

— Estou terminando a licença-maternidade e mais um saldo de férias. Vou voltar na metade de outubro — garante Fernanda.

Enquanto isso, segue acompanhando o progresso diário do filho, agora com cinco meses.

— Ele é bem esfomeado, adora mamar. Já fica sentado e reconhece quando falamos com ele — conta a mãe, que procura passar ao menino a paixão pelo Inter por meio de roupas com o escudo do clube.

Fernanda diz que ainda espera realizar um transplante cardíaco, mas antes disso é preciso que os exames indiquem um menor risco de rejeição.

EUA fazem 2,5 mil implantes ao ano

A cardiologista Livia Goldraich, coordenadora técnica dos Programas de Transplante Cardíaco e Suporte Circulatório Mecânico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, revela que nove pessoas já receberam o dispositivo no Rio Grande do Sul, entre as quais seis permanecem utilizando o mecanismo.

— Não é uma tecnologia experimental, mas algo já consagrado, com quase 20 anos de uso, que segue evoluindo. No momento, está na terceira geração desses aparelhos — conta Livia.

Esse tipo de intervenção ainda é rara no país, com algo em torno de 70 pacientes beneficiados, em razão do custo elevado e de ainda não fazer parte dos tratamentos garantidos pelo SUS. Segundo a cardiologista, no Estados Unidos já são realizados cerca de 2,5 mil implantes ao ano, e outros 500 na Europa. 

No Brasil, o acesso depende basicamente do projeto bancado pelo Sírio-Libanês e de eventuais judicializações envolvendo planos de saúde. Livia destaca que, há poucas semanas, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) emitiu um parecer favorável à inclusão do Heart Mate nos tratamentos previstos pelo SUS:

— Ainda precisa passar por outras instâncias, o que pode demorar meses ou até mais de um ano, mas nos deixa muito esperançosos.

Segundo a especialista, uma outra multinacional que fabricava um produto semelhante decidiu interromper a produção, e outros similares não contam com o mesmo retrospecto de desempenho.

— Pode parecer um tratamento agressivo por ter de carregar parte do equipamento por fora (do corpo). Mas é destinado a pessoas que estão muito doentes, sem muita perspectiva de sobrevida, vivendo em um hospital, e assim podem voltar para casa e até trabalhar — complementa Livia.


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