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Desafios de Porto Alegre

Quatro meses após enchente, insegurança e incerteza preocupam moradores das Ilhas; veja os planos de candidatos à prefeitura para a região

Marcas da inundação de maio continuam visíveis no bairro Arquipélago, onde muitos ainda não puderam retornar para suas casas e aguardam respostas do poder público, em meio ao temor de novas tragédias 

25/09/2024 - 09h44min


Yasmim Girardi
Yasmim Girardi
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Um Chevrolet Prisma 2007 vermelho: esse foi o abrigo de Volmir Miranda Soares, 52 anos, e dos gatos Jimmy e Roni por uma semana durante a enchente de maio. Quando a água baixou, o morador da Ilha do Pavão, no bairro Arquipélago, em Porto Alegre, jogou todos os móveis fora, limpou e reformou a casa, que ficou inundada, antes de voltar a habitá-la. 

Quatro meses depois, o autônomo segue com medo de ser surpreendido por outro evento extremo:

— A gente fica apreensivo, mas pensa positivo. Posso morrer de velho e não dar uma enchente como foi a de maio. Não tenho ideia de sair daqui. Não tenho condições de comprar em outro lugar e, para não pegar uma enchente que nem essa, só se eu sumir de Porto Alegre. Eu gosto de onde eu moro.

Esse é o sentimento de muitos moradores da Região das Ilhas, afetada por, pelo menos, três inundações no último ano. A presidente da Associação Vitória da Ilha do Pavão, Sandra Noeli Ferreira, garante que 33 famílias — das mais de 150 que vivem no local — não cogitam deixar a Ilha do Pavão. A grande maioria tem vontade de sair, mas não tem condições financeiras de se estabelecer em outro bairro ou cidade.

"Não sabemos o que vai acontecer com as nossas vidas"

Na Ilha da Pintada, a situação é parecida. Casas destruídas, dunas de areia nas ruas e móveis estragados na frente das casas evidenciam a tragédia ainda não superada. A educadora popular Beatriz Gonçalves Pereira, 63 anos, diz que mais de mil famílias têm o desejo de morar em outro local. Muitos ainda vivem em abrigos, de aluguel ou em casas de parentes, e sofrem com a falta de respostas sobre o futuro. Para Beatriz, a incerteza é angustiante.

Não sabemos o que vai acontecer com as nossas vidas. Gostaríamos que alguém dissesse. E não dá mais para ficarem dizendo que tem tempo. Entendemos que nada é no momento, mas já são quatro meses. As pessoas estão desesperadas — pontua a educadora.

Sandra e Beatriz acreditam que casas e orientações claras são o que os moradores das ilhas mais querem. Elas relatam que muitos não se encaixam nos critérios para receber moradias ou recursos do Auxílio Reconstrução, do governo federal, e do Volta Por Cima, do governo estadual.

— Não tem recomeço sem casa. Não se recomeça em uma barraca, embaixo da ponte. Precisamos de respostas do poder público. Estamos totalmente na mão deles — conclui a presidente da associação.

Área insegura

Com 6,4 mil habitantes, segundo informação preliminar do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro Arquipélago é composto por mais de 10 ilhas. Além do Pavão e da Pintada, há a dos Marinheiros e a das Flores, entre outras. Por conta das características da região, Volmir, Sandra e Beatriz já se dizem acostumados a enfrentar enchentes.

— Mesmo inundações menores são suficientes para causar transtornos na Região das Ilhas. Existem pessoas morando em níveis mais baixos do que encontramos no resto da cidade. Como acontecem muitas inundações e as pessoas ocupam o local, criou-se essa área de risco — explica o hidrólogo Fernando Fan, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Apesar de compreender o perigo, Beatriz considera o debate sobre o deslocamento dos habitantes complicado. Muitos dos que não querem sair da Ilha da Pintada são pescadores ou comerciantes que vivem da atividade econômica local.

— Como é que vai colocar alguém que sabe pescar, vive disso e se criou assim na Zona Norte, no asfalto? O que vamos fazer com os pescadores? Com os povos tradicionais? É a identidade das pessoas. É a nossa raiz, a nossa vida — defende.

Fan explica que é difícil fazer um sistema de proteção contra cheias nas ilhas. O ideal seria que as habitações fossem adaptadas. Casas elevadas, onde o primeiro andar é uma garagem ou salão de festas, são alternativas.

Propostas dos candidatos à prefeitura de Porto Alegre para as Ilhas

Zero Hora perguntou a quatro candidatos à prefeitura da Capital quais os planos de governo para melhorar a proteção contra cheias nas Ilhas e as possíveis alternativas de habitação para os moradores da região. 

Veja, a seguir, as respostas na íntegra.

Felipe Camozzato (Novo)

"Na questão das Ilhas, não dá para ter demagogia. Parte significativa daquela área não é adequada a habitação, não só pelo risco, mas pela impossibilidade de oferta de serviços públicos básicos, como o tratamento de esgoto. Não é simples retirar as pessoas de lá. Há vínculos, há histórias. Mas tem muita gente que sabe que precisa sair. A prefeitura tem que trabalhar com convencimento e, mais ainda, com um plano habitacional que, com responsabilidade, ofereça uma alternativa digna para as pessoas. Tudo isso demanda muitos recursos. Vamos montar o plano e buscar o financiamento."

Juliana Brizola (PDT)

"Para melhorar a proteção contra cheias e garantir mais segurança aos moradores da Região das Ilhas em Porto Alegre, nosso plano prevê uma série de ações integradas. Implementaremos um sistema de monitoramento e alerta em tempo real, focando nos 46 bairros mais vulneráveis. Atualizaremos o Plano Diretor de Drenagem Urbana, incorporando soluções inovadoras e sustentáveis. Criaremos Planos Diretores específicos para os bairros afetados pela enchente. Para os moradores ainda desabrigados, vamos criar uma força-tarefa municipal dedicada ao cadastramento e análise rápida das famílias elegíveis para programas habitacionais do governo do Estado e federal, buscando sempre respeitar os laços comunitários e as preferências das famílias afetadas."

Maria do Rosário (PT)

"O programa Ilhas Seguras será desenvolvido com a participação ativa da comunidade local, através de um Orçamento Participativo (OP) verdadeiro e outros fóruns dedicados a esta importante área de preservação ambiental.

As famílias que residem nas Ilhas sentem um forte pertencimento, muitas estando na região há gerações. No entanto, é crucial que a população esteja ciente dos riscos associados à área, especialmente a possibilidade de inundações. Viver nas Ilhas exige adaptação ao ambiente, e não o contrário.

Prioridades da Gestão:

Manutenção de drenagem: a gestão priorizará a manutenção dos mecanismos de drenagem, tanto na parte urbanizada da Ilha da Pintada quanto nos valos das demais ilhas. Isso ajudará a prevenir alagamentos durante chuvas menos intensas.

Coleta de resíduos e reciclagem: implementaremos um sistema de coleta de resíduos e apoio à reciclagem em locais salubres e com condições dignas de trabalho. Isso é especialmente importante devido à grande quantidade de catadores independentes que operam na região.

Equipamentos públicos: unidades de saúde, CRAS, creches e escolas precisam estar em condições de atender a população local. Infelizmente, muitos desses serviços ainda não foram restabelecidos após a enchente de maio.

Fiscalização: intensificaremos a fiscalização para evitar o adensamento da região com novas construções. Aqueles que desejarem se mudar para outro local terão apoio para acessar políticas habitacionais de interesse social, como o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e compra assistida do governo federal.

Plano de contingência: para os que optarem por permanecer, trabalharemos com a Defesa Civil para desenvolver um plano de contingência qualificado. Isso incluirá investimentos em equipamentos, treinamentos e a participação da população, além da estruturação de rotas de fuga e áreas de segurança.

O programa Ilhas Seguras visa garantir uma convivência harmoniosa e segura entre os moradores e o ambiente natural das Ilhas, promovendo a sustentabilidade e a qualidade de vida na região."

Sebastião Melo (MDB) 

"O bairro Arquipélago (formado pelas ilhas Mauá, da Pintada, das Flores, Grande dos Marinheiros e do Pavão) é uma unidade de conservação estadual que se localiza fora do sistema de contenção de enchentes existente em Porto Alegre. O município tem empreendido esforços para reforçar a segurança dos moradores na região e deve lançar nos próximos dias a ordem de início para contratar a universidade holandesa TU-Delft, mais antiga da Holanda e referência em pesquisa e prevenção a enchentes. Eles irão ajudar a Capital na elaboração de um plano urbanístico sustentável para repensar mudanças territoriais e considerar o alto risco de desastres climáticos. O contrato prevê R$ 7,4 milhões em recursos por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Enquanto isso, a prefeitura já contratou um plano de mitigação e preparação para desastres, além de estar atualizando o plano de contingência de enfrentamento a cheias na Região das Ilhas. Em agosto, o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática formalizou a contratação de empresa para prestação de serviços de monitoramento, em tempo real, das condições climáticas da cidade, com totens e réguas de medição. Com o Plano de Preparação e Mitigação de Desastres Climáticos, também está qualificando a definição de rotas de fuga, centros de abrigo, centros de doações e logística de transporte para eventos climáticos extremos. Outra medida em curso é a contratação de consultoria especializada do professor Carlos Tucci, considerado uma das referências mundiais em hidrologia, para revisitar o sistema de contenção de enchentes da Capital e indicar alternativas para repensar o território. 

Sobre o plano de desocupação, a alternativa emergencial efetuada pela prefeitura para auxiliar aqueles que perderam suas casas foi informar ao governo federal sobre a demanda habitacional e, até o momento, estamos aguardando a disponibilização das casas. Cabe ressaltar que se trata de um tema extremamente complexo e que nem todas as famílias têm disposição de deixar as Ilhas ou os terrenos repassados de geração para geração. No entanto, o município está fazendo a sua parte com o encaminhamento dos laudos de habitações destruídas e atendendo a todas as portarias, exigências e burocracias impostas pelo governo federal. A prefeitura encaminhou 3.686 laudos da cidade à União, que assumiu o compromisso publicamente, em inúmeras oportunidades, de se responsabilizar pelas moradias definitivas. Também já foram gastos mais de R$ 9 milhões somente para atender portarias ou regramentos do governo federal para que os moradores tenham acesso à moradia."



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