Cuidado
RS terá protocolo dedicado à atenção a mulheres atingidas por emergências climáticas
Material será produzido durante curso organizado na Capital pela Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos. Primeira aula para 48 líderes comunitárias ocorreu nesta sexta
O que fazer quando uma emergência climática obriga as mulheres a deixarem suas casas? Essa pergunta norteia um curso criado pela Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos, que teve a primeira aula nesta sexta-feira (30), em Porto Alegre.
A atividade capacitará 48 líderes comunitárias, promotoras legais populares e jovens multiplicadoras de cidadania, que atuaram na crise climática vivida pelo Rio Grande do Sul na enchente de maio.
— Desastres climáticos, guerras e conflitos afetam desproporcionalmente as mulheres. Elas sofrem com a violação dos seus corpos e pelo seu trabalho histórico de cuidar da casa. Além disso, mulheres em situação de violência são as que mais sofrem porque não têm a quem recorrer — comenta Márcia Soares, diretora-executiva da Themis.
Os 13 encontros programados serão a base para a construção de um protocolo, com foco nos cuidados com mulheres e grupos minoritários.
Na avaliação de Márcia, a falta de um guia para momentos de crise prejudicou o atendimento à parcela feminina que precisou de abrigos. É um conteúdo necessário porque a perspectiva é que outras situações similares ocorram, segundo ela:
— Existem regras para mitigar o problema da violência nos abrigos, como ter uma distância segura entre o banheiro de homens e mulheres, reforçar a iluminação interna, não permitir que crianças fiquem sozinhas e reforçar a iluminação interna. Os locais de abrigamento coletivo são muito inseguros para as mulheres.
Os problemas durante a enchente
Ana Mossatte, 65 anos, é promotora legal popular desde 1999. Ela mora no bairro Guajuviras, em Canoas, na Região Metropolitana. Apesar de não ter tido a moradia atingida pela enchente, trabalhou no auxílio aos atingidos no município.
Ajudou com marmitas, água, deu abrigo e conversou com mulheres e famílias. Em meio ao apoio, viu que a parcela feminina dos atingidos foi negligenciada.
— Nós não tínhamos abrigos para atender mulheres, meninas e crianças. Não havia 180 nem o 190 (números do Central de Atendimento à Mulher e Brigada Militar) à disposição. Vivemos um cenário desesperador, complexo, em que observamos agressões. São coisas que precisam ser discutidas e melhoradas para não acontecer outra vez — afirma.
Moradora da Ilha do Pavão, Sandra Ferreira, 52 anos, foi uma das que viu a casa ser submersa com a cheia do Guaíba. Ele teve de sair do local – para onde não retornou ainda –, mas conseguiu articular com lideranças e voluntários o auxílio aos atingidos.
Segundo Sandra, a Ilha do Pavão é moradia de mulheres que costumam ser chefes de famílias e que foram “esquecidas” durante a enchente.
— A mulher continua sendo olhada como um ser mais frágil, incapaz, não é respeitada e não tem o trabalho reconhecido. Não fomos amparadas pelo poder público e outros órgãos, faltou apoio (durante a cheia). Precisamos aprender a lidar com situações de risco, porque, se acontecer de novo, vamos ser abandonadas — afirma Sandra, presidente da associação de moradores da Ilha do Pavão.
Sobre o curso
Justiça climática, violência de gênero e racismo ambiental estão entre os temas tratados. As participantes também receberão aulas sobre regulamentos internacionais sobre os assuntos. A formatura será em 14 de dezembro.
O curso da Themis tem apoio do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul, Care, Igual Valor, Iguais Direitos, Womanity, Instituto Ibirapitanga, Cummins, Global Fund for Women, Fundação Ford, UniRitter e Defensoria Pública do RS.