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Eleições 2024

O que pensam eleitores do bairro mais atingido pela cheia em Porto Alegre?

O Diário Gaúcho esteve no Sarandi e ouviu moradores para entender como a enchente influenciou seus votos

05/10/2024 - 05h00min

Atualizada em: 05/10/2024 - 05h00min


Diário Gaúcho
Diário Gaúcho

A enchente de maio no Rio Grande do Sul foi o assunto mais presente na campanha eleitoral para prefeitos e vereadores  que se encerra neste domingo. Em forma de cobranças sobre as atuações durante o período ou de propostas para evitar que se repita, o desastre climático pautou peças de campanha, entrevistas e debates entre os candidatos. Nos últimos dias, o Diário Gaúcho esteve no bairro Sarandi, na Capital, e ouviu moradores para entender como a tragédia influenciou seus votos.

No bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre, a tragédia foi mais do que uma memória ruim. Marcas do barro nas paredes, janelas quebradas e estruturas de casas vazias ainda são a moldura para faixas e adesivos de candidatos ou o cenário para os comícios.

O bairro foi o mais atingido pela cheia na Capital, de acordo com a prefeitura. Alguns locais, como a vila Nova Brasília continuavam embaixo d’água após 37 dias do começo das inundações. Mais de 26 mil moradores ficaram desabrigados e muitos ainda não voltaram. 

Os políticos vêm aqui, dizem que vão consertar as bombas, que vão colocar bombas novas, e até agora está tudo igual. Como eu vou confiar em político?

FÁTIMA VELASQUEZ

moradora da vila Nova Brasília

Para a eleição, os efeitos da calamidade exigiram alterações em dois locais de votação, afetando mais de 6 mil eleitores. Na última quarta-feira (2), o Diário Gaúcho esteve no bairro e ouviu moradores para entender como a tragédia influenciou seus votos. 

Ceticismo

Moradora da Vila Nova Brasília há 40 anos, a diarista Fátima Velasquez não acredita mais em promessas de candidatos. 

— É a quarta enchente que dá e a gente perde tudo. Nenhuma foi tão grande quanto a de maio, mas os políticos vêm aqui, dizem que vão consertar as bombas, vão colocar bombas novas, e até agora está tudo igual. Como eu vou confiar em político? – se questiona ela. 

A casa em que morava com o marido, na Rua Aderbal Rocha de Fraga, fica a poucos metros do ponto onde o dique do Arroio Sarandi rompeu. Algumas das casas vizinhas, que ficavam entre o dique a rua, restaram apenas entulhos misturados com o barro. As demais têm as paredes marcadas pelo marrom da água.

No dia 27 de setembro, Fátima e o marido reabriram o bar que estava totalmente submerso em maio na parte da frente do terreno onde moravam. Na calçada, ela destaca o abandono da região pela vizinhança:

— A menina daquela casa está com a irmã em Gravataí, a daqui está pagando aluguel e esses aqui eu não sei. Essa aqui tem medo de voltar, porque tem duas crianças pequenas e, quando chove, enche. A gente fica em pânico.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Diarista Fátima Velasquez diz que não confia mais em políticos.

Neste domingo, a diarista está na dúvida entre votar em um candidato do bairro ou em um que considera ter ajudado mais durante a crise. No fundo, está descrente. 

Agora a gente vê na TV (os candidatos) dizendo que fizeram isso e aquilo, mas o que eu vi foi o pessoal aqui do quilombo, o pessoal da comunidade, entrando na água e resgatando as pessoas.

ROGÉRIO MACHADO

líder do Quilombo dos Machado

— Qualquer um que eu der o meu voto, vai fazer a mesma coisa. A gente vai votar porque tem que votar, mas para nós eles só prometem e não fazem nada. 

Na sua avaliação, o atual prefeito perdeu votos no bairro pela falta de transparência quanto ao rompimento do dique. Inicialmente, o agora candidato a reeleição, Sebastião Melo (MDB) afirmou que se tratava de um extravasamento. O rompimento só foi confirmado pela prefeitura no dia 20 de maio. 

O trabalho continua

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Capoeirista Rogério Machado descreve a enchente como o pior momento da sua vida.

Perto dali, no limite entre o Sarandi e o bairro Anchieta, o Quilombo dos Machado ainda vive parte da rotina de maio. 

O capoeirista Rogério Machado, ou Jamaika, como é conhecido, mantém uma estrutura de lona instalada pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em frente à sua casa.

O local não chegou a ser atingido pelas águas, mas serviu como um ponto de coleta e distribuição de doações. No território quilombola, de cerca de 4 hectares, moram 260 famílias que aguardam desde 2012 o fim do processo de regularização pelo Incra.

Jamaika, que também é líder comunitário, estima que tenha distribuído mais de 5 mil colchões e toneladas de alimentos em doações. Ele descreve a enchente como o pior momento da sua vida: 

— Tem pessoas que acreditam no inferno, e a gente viu ele de perto (durante a enchente). E se o inferno é pior do que aquilo ali, eu não tenho mais medo, não.

Eu vou votar em quem ajudou e esteve aqui com a gente, trabalhou com a gente, ajudou a limpar a casas.

EMANUEL WACHTER DOS SANTOS

morador da vila Asa Branca

Jamaika é crítico das gestões atuais pela falta de diálogo com a comunidade. Porém, ele compartilha com Fátima a sensação de alheamento das decisões políticas. “As nossas demandas não cabem nas urnas”, define.

— Independente da gestão, é um esquecimento. Eles chegam para o nosso povo com as coisas prontas. Ninguém sentou com a gente para ouvir nossas demandas – critica. 

"Voto em quem ajudou"

Mateus Bruxel / Agencia RBS
A família da vila Asa Branca diz que vai votar em quem ajudou a região.

Na vila Asa Branca, do outro lado do bairro, Rebeca dos Santos, o pai Emanuel Wachter e a prima Megue Wachter tentam reconstruir suas casas aos poucos. As marcas de barro permanecem até o segundo piso da construção, onde mora Rebeca.

Para os três, a enchente foi o principal motivador na escolha do voto. Menos pelas propostas dos candidatos do que pela lembrança de quem ajudou durante a crise.

— Esses dias passou uma carreata com gente dizendo que tinha ajudado, mas eu nunca tinha visto essas pessoas na vida — diz Megue, que trabalha como autônoma.

Para os três, o descaso com o bairro é um problema histórico e conhecido, pelo menos, desde 2013, quando um dique rompeu pela primeira vez. Eles também acreditam que a negligência da prefeitura é um fato que perdura por diversas gestões.

Independentemente de quem ganhar, a expectativa é de que os diques sejam reforçados e que se aprimore a comunicação sobre previsões de enchente. O mote do sentimento que levam à urna foi expresso por Emanuel: 

Eu vou votar em quem ajudou e esteve aqui com a gente, trabalhou com a gente, ajudou a limpar a casas.

*Produção: Guilherme Freling


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