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Operação Capa Dura

Após vendas à Smed, empresário foragido transferiu R$ 556 mil para ex-CC da prefeitura

Polícia Civil identificou a circulação de dinheiro entre alguns dos suspeitos de envolvimento com corrupção na prefeitura de Porto Alegre 

27/11/2024 - 11h59min


Adriana Irion
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Carlos Rollsing
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Lauro Alves / Agencia RBS
As apurações policiais foram iniciadas após reportagens do GDI terem revelado o suposto desperdício de material escolar em depósitos e em escolas.

O inquérito da Polícia Civil sobre as suspeitas de corrupção na Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (Smed) identificou a circulação de valores entre investigados na terceira fase da Operação Capa Dura. Uma das descobertas foi de que o empresário Jailson Ferreira da Silva, que está foragido, fez quatro transferências para o advogado Maicon Callegaro Morais, no valor total de R$ 556 mil. 

Os pagamentos foram feitos por Jailson entre agosto e dezembro de 2022, mesma época em que o empresário finalizou seis vendas de livros e laboratórios para a Smed, somando R$ 43,2 milhões. A suspeita da polícia é de que Jailson, após confirmar vendas para a prefeitura da Capital, teria pago propina a agentes públicos e privados. Os repasses dele a Maicon fazem parte desse contexto de suspeita.

Maicon já trabalhou na prefeitura em diferentes funções e setores, entre julho de 2015 e agosto de 2020. Ele não tem cargo público atualmente e não tinha à época do recebimento de recursos de Jailson, em 2022. A suspeita da polícia é de que Maicon tenha funcionado como um operador financeiro, por meio do seu escritório de advocacia, entre Jailson e o então chefe de gabinete do vereador afastado Pablo Melo (MDB), Reginaldo Bidigaray, de quem é amigo, ex-colega de faculdade de Direito e de trabalho na prefeitura.

Mensagens analisadas pela polícia mostram que Maicon teria solicitado ao seu contador a emissão de notas fiscais de prestação de serviços advocatícios para justificar os valores recebidos do empresário. A investigação não localizou registros de que tais serviços tenham sido realizados. Do montante remetido por Jailson, Maicon teria sacado a maior parte em espécie: R$ 440,3 mil.

Maicon teria feito 12 transferências que somaram R$ 85,5 mil para Bidigaray. Após deixar o gabinete de Pablo em abril de 2023, Bidigaray se tornou Cargo em Comissão na Procuradoria-Geral do Município (PGM), ocupando o posto até 18 de novembro de 2024. A investigação policial teve acesso, com autorização judicial, aos dados da nuvem digital de Maicon, onde constavam arquivos do seu telefone celular.

Em uma conversa em 16 de dezembro de 2022, Maicon envia uma mensagem de áudio para Bidigaray. Maicon pergunta se Bidigaray pode ir até a sua residência para buscar o "pardo". A Polícia Civil avalia que o conteúdo do "pardo" pode se tratar de propina. Uma semana antes da conversa, em 9 de dezembro de 2022, Jailson havia feito uma das quatro transferências para Maicon, no valor de R$ 316 mil. Depois de combinarem o horário para o resgate do "pardo", Maicon diz que a intenção é não prejudicar os "meninos", de maneira que não fiquem sem "dinheiro pro Natal".

Em 20 de dezembro de 2022, quatro dias depois da conversa sobre o "pardo", Bidigaray encaminha para Maicon áudio de um interlocutor não identificado, o qual afirma que "a encomenda foi entregue para o doutor". Maicon responde informando um número: "50".

O vereador afastado Pablo Melo também é considerado suspeito no inquérito por supostamente ter usado de influência política para aproximar Jailson da prefeitura. Está sob apuração o possível recebimento de vantagem indevida pela intermediação. Pablo é filho do prefeito Sebastião Melo, que não é investigado. 

A Polícia Civil identificou que Pablo teria depositado via pix mais de R$ 391 mil em uma plataforma virtual de apostas esportivas. A investigação busca decifrar se Pablo tinha condições financeiras para fazer tamanho aporte tendo um salário líquido de cerca de
R$ 13,3 mil como vereador. Ele ocupou o cargo até 12 de novembro, quando foi afastado das funções públicas por ordem judicial, em desdobramento da Operação Capa Dura. Também foi identificado que, do montante creditado na plataforma de apostas, Pablo teria feito o resgate de R$ 287 mil. A suspeita é de que as operações teriam sido utilizadas como meio de lavagem de dinheiro.

Batizada Prefácio, a terceira fase da Operação Capa Dura, desdobramento de investigação da 1ª Delegacia de Combate à Corrupção (1ª Decor), foi deflagrada no dia 12 de novembro de 2024. Bidigaray e Maicon foram presos preventivamente, e seguem presos. Jailson também foi alvo de mandado de prisão, mas saiu de casa pouco depois das 5h, minutos antes da chegada dos policiais. Ele não se apresentou posteriormente e é considerado foragido.

Três pessoas foram afastadas das funções públicas por 180 dias: Pablo, que deixou a Câmara, o ex-vereador Alexandre Bobadra (PL), servidor de carreira da Polícia Penal, e o CC da PGM Mateus Viégas Schonhofen, tesoureiro do MDB de Porto Alegre. Também foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão. As decisões foram emitidas pelo 1º Juizado da 1ª Vara Estadual de Processo de Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro.

As apurações policiais foram iniciadas após reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) terem revelado, a partir de junho de 2023, o suposto desperdício de material escolar em depósitos e em escolas. Na sequência, o GDI mostrou o suposto direcionamento de compras da Smed para o grupo econômico representado pelo empresário Jailson. Na Operação Prefácio, a Polícia Civil apura como agentes públicos — supostamente Pablo e Bobadra — teriam intermediado a aproximação de Jailson com a Smed, em uma reunião no gabinete do prefeito Melo em julho de 2021.

As relações entre os investigados e as transações consideradas suspeitas pela Polícia Civil

MAICON CALLEGARO MORAIS

  • Advogado que lidera a Maicon Callegaro Morais Sociedade Individual de Advocacia, teria rcebido R$ 556 mil entre agosto e dezembro de 2022 de duas empresas de Jailson Ferreira da Silva. O período de entrada dos valores coincide com as vendas de livros e laboratórios de empresas representadas por Jailson para a Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (Smed), ao custo de R$ 43,2 milhões.
  • Do valor recebido de Jailson, Maicon teria sacado em espécie
    R$ 440,3 mil.
  • Maicon teria solicitado ao seu contador que emitisse notas fiscais de serviços advocatícios para justificar o recebimento de dinheiro das empresas de Jailson. Não há registro de que os serviços foram efetivamente prestados.
  • Maicon já desempenhou diferentes funções na prefeitura de Porto Alegre: no Departamento Municipal de Habitação (Demhab), no Escritório de Licenciamento e outras atividades de assessoria jurídica na administração direta. Não ocupa cargo público desde agosto de 2020.

REGINALDO BIDIGARAY

  • Ocupava Cargo em Comissão com lotação na Procuradoria-Geral do Município (PGM), quando foi preso preventivamente. É apontado na investigação como suspeito de ser um "operador financeiro" do vereador afastado Pablo Melo. Na segunda-feira (18), foi publicada no Diário Oficial de Porto Alegre (DOPA) a exoneração de Bidigaray a pedido dele.
  • Colega de faculdade de Direito de Maicon Callegaro Morais.
  • Foi chefe de gabinete de Pablo Melo até abril de 2023, dentro da atual legislatura, que vai de 2021 a 2024. Depois, assumiu CC na prefeitura, na PGM.
  • Bidigaray já foi colega de trabalho de Maicon na prefeitura de Porto Alegre.
  • Coordenador financeiro da campanha de Pablo Melo à Assembleia Legislativa em 2022.
  • Teria recebido R$ 85,5 mil em transferências bancárias de Maicon.

PABLO MELO

  • Recebeu R$ 15,8 mil de Bidigaray em 13 transações bancárias.
  • É colega de Schonhofen na direção do MDB de Porto Alegre. Pablo é secretário-geral do partido, enquanto Schonhofen é tesoureiro.
  • Teria feito depósitos via pix de R$ 391,7 mil em uma plataforma virtual de apostas esportivas. A movimentação é considerada suspeita pela Polícia Civil porque Pablo, com o salário de vereador (R$ 13,3 mil líquido), não teria recursos para fazer tamanho aporte.
  • Teria resgatado junto à plataforma de apostas esportivas a quantia de R$ 287 mil. A Polícia Civil investiga se a operação serviu para a lavagem de dinheiro.
  • Teriam sido recusados depósitos de R$ 299 mil na conta de Pablo na plataforma virtual. A hipótese informada pela operadora é de que as transações foram bloqueadas porque os depositantes teriam utilizado CPFs de terceiros.
  • Pablo é suspeito de ter aproximado o empresário Jailson Ferreira da Silva da prefeitura de Porto Alegre. Ele teria feito essa intermediação entre Jailson e a Smed com a ajuda do ex-vereador Alexandre Bobadra (PL). Oito meses depois de Pablo e Bobadra terem levado o empresário para uma reunião no gabinete do prefeito Sebastião Melo, Jailson fez seis negociações de venda de livros e laboratórios para a Educação.

MATEUS VIÉGAS SCHONHOFEN

  • Advogado e dirigente do MDB de Porto Alegre, exercia Cargo em Comissão, com lotação na PGM.
  • Advogado de Pablo Melo nas campanhas de 2022 e 2024.
  • Advogado registrado em ação da campanha do prefeito Sebastião Melo em 2024.
  • Pesam contra ele suspeitas de incremento no volume de recursos recebidos à época das compras da Smed, em 2022, quando atuava na Procuradoria-Geral do Município (PGM).
  • A Polícia Civil ainda apura se Schonhofen atuou para direcionar os depoimentos de servidoras da Smed à época da CPI que investigou o caso na Câmara de Vereadores.

CONTRAPONTOS

O que diz Nereu Giacomolli, advogado de Jailson Ferreira da Silva

Não obtive mais contato com Jailson após o dia em que soube do decreto de sua prisão. Jailson, pelo que sei, após a divulgação de quanto recebeu e de seu patrimônio, sofreu duas tentativas de assalto, devidamente registradas e documentadas. Talvez tenha receio de que algo pior lhe aconteça. Sobre as operações últimas, noticiadas, como não obtive contato com ele, não saberia, no momento, se há alguma justificativa própria.

O que diz Rafael Morgental, advogado de Pablo Melo

Pablo Melo não possui nenhum envolvimento nos fatos apurados. Todas as suspeitas serão esclarecidas no curso da investigação.

O que diz Jader Marques, advogado de Maicon Callegaro Morais:

Não vou me manifestar, tendo em vista que o processo tramita em segredo de justiça.

O que diz Brunno Pires, advogado de Mateus Viégas Schonhofen:

A investigação contra Mateus é infundada e desprovida de qualquer elemento concreto. Se baseia tão somente em ilações, com o objetivo de macular a honra de um servidor honesto que nunca teve contra si qualquer acusação. Existe clara motivação política subjacente nesta investigação, o que restará devidamente esclarecido oportunamente.

O que dizem Jader Santos e Olga Popoviche, advogados de Reginaldo Bidigaray:

Sobre a relação entre Reginaldo Bidigaray e Maicon Callegaro Morais: Reginaldo, no exercício de suas funções públicas e privadas, manteve contato exclusivamente profissional com Maicon. A defesa ressalta que a investigação não apresentou qualquer elemento probatório que comprove uma relação ilícita entre ambos. A tentativa de vinculação de Reginaldo a atos suspeitos é infundada e carece de sustentação factual.

Sobre os recursos supostamente recebidos de Maicon: a defesa desconhece qualquer irregularidade nos recursos mencionados pela investigação. Não há provas de que tais valores tenham origem ilícita ou qualquer vínculo com os fatos investigados. As alegações nesse sentido são meramente especulativas e desprovidas de comprovação.

Sobre o “pardo” supostamente buscado por Reginaldo na residência de Maicon: A menção ao termo “pardo” em mensagens extraídas pela investigação é interpretada de forma subjetiva e carece de clareza quanto ao contexto e ao conteúdo. Não há, nos autos, qualquer evidência de que Reginaldo tivesse ciência de que o referido “pardo” estivesse relacionado a qualquer atividade ilícita. A acusação baseia-se em conjecturas que violam o princípio da presunção de inocência.

Sobre a mensagem enviada por Reginaldo acerca da “encomenda”: A mensagem não possui contexto ou elementos probatórios que vinculem Reginaldo a atos ilícitos. A ausência de identificação do interlocutor e a inexistência de prova concreta tornam inaceitáveis as inferências feitas pela acusação. A defesa reforça que interpretações especulativas de mensagens não podem servir como base para imputações criminais.

Sobre os supostos repasses de R$ 15 mil a Pablo Melo: A defesa desconhece qualquer comprovação de que Reginaldo tenha efetuado repasses no valor mencionado a Pablo Melo. É imperioso destacar que Reginaldo atuava como chefe de gabinete de Pablo, exercendo atribuições institucionais e legítimas do cargo. Não há qualquer prova de participação de Reginaldo em esquemas de corrupção ou atos ilícitos, e a investigação não foi capaz de apresentar evidências concretas que sustentem tais alegações. Qualquer tentativa de vinculação de nosso cliente a atividades ilegais é desprovida de fundamento probatório.

Sobre a relação entre Reginaldo e Pablo: Reginaldo, enquanto chefe de gabinete, mantinha uma relação exclusivamente funcional e profissional com Pablo Melo. Não há, nos autos, qualquer elemento que comprove um vínculo ilícito ou qualquer conduta irregular por parte de Reginaldo no exercício de suas funções.

A defesa de Reginaldo Bidigaray reafirma seu compromisso com a busca pela verdade e a justiça. Reginaldo é um profissional com histórico ilibado, primário e de bons antecedentes, cuja trajetória não comporta qualquer conduta incompatível com a lei. É fundamental que as investigações sejam conduzidas com responsabilidade, sem pré-julgamentos ou especulações que prejudiquem a imagem e a honra de nosso cliente. Confiamos que, ao final do processo, restará comprovada a inocência de Reginaldo, bem como a ausência de qualquer envolvimento em atos ilícitos. Pedimos à imprensa que respeite os princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade humana ao abordar o caso.


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