Às vésperas
Cancelado júri de filha e neto suspeitos da morte de idoso e esposa desparecidos há mais de dois anos em Cachoeirinha
Decisão do juiz responsável pelo caso acontece após delação premiada na semana passada revelar que o casal, após ser morto, foi incinerado pelos acusados. Ainda não foi definida uma nova data para o julgamento
O júri de mãe e filho acusados de matar casal desaparecido há dois anos em Cachoeirinha foi cancelado. A sessão estava marcada para as 9h de quarta-feira (27), na comarca de Cachoeirinha. Ainda não foi definida uma nova data para o julgamento, que deve ser retomado após a realização de um procedimento de perícia.
Cláudia de Almeida Heger, 51 anos, e o filho dela, Andrew Heger Ribas, 29, são réus pelo homicídio e ocultação de cadáver de Rubem Heger, 85 anos, e da esposa dele, Marlene dos Passos Stafford Heger, 53. Rubem era pai de Cláudia e avô de Andrew.
O cancelamento do júri acontece após Andrew firmar um acordo de delação premiada com o Ministério Público (MP). Durante a delação, ele relevou que o casal foi morto por ingestão de uma substância colocada na comida deles por Cláudia. Na sequência, segundo o relato, Andrew e a mãe levaram os corpos para a própria residência, onde incineraram os restos mortais em uma churrasqueira.
Em decisão que cancelou o júri, o juiz Marco Luciano Wächter, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cachoeirinha, determinou que seja aguardada a realização de um procedimento de perícia para que, depois do resultado, seja marcada nova data. Serão analisadas pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) amostras das cinzas recolhidas na churrasqueira da casa dos acusados.
Cláudia está presa preventivamente na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, e Andrew, que foi declarado inimputável, encontra-se no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), em Porto Alegre.
Entenda o caso
Desaparecimento
No dia 27 de fevereiro de 2022, domingo de feriadão de Carnaval daquele ano, o casal foi visitado por Cláudia e Andrew em sua residência, localizada em Cachoeirinha, na Região Metropolitana.
Câmeras de videomonitoramento registraram a chegada e a permanência dos visitantes na casa do bairro Vila Regina por mais de quatro horas (veja abaixo). Mãe e filho chegaram na residência em um Fiesta. Marlene abriu o portão para que eles ingressassem.
Durante o período em que a filha e o neto estiveram na moradia do casal, o veículo deles foi estacionado dentro da garagem e colchões foram colocados em frente ao carro, formando uma barreira, que impediu a visualização do que aconteceu ali dentro. Às 15h47min, o Fiesta deixa a residência do casal. Desta vez, é a filha de Rubem quem empurra o portão de ferro, antes de embarcar na carona.
Buscas
Em 1º de março, na terça-feira seguinte, familiares foram até a moradia do casal e encontraram a casa com janelas e portas abertas, além do veículo do aposentado dentro da garagem com o rádio ligado. A cachorrinha do casal estava morta no pátio.
Dentro da casa, estavam todas as roupas do casal e as caixas de medicamentos que Rubem usava regularmente. Também foi deixado o cilindro de oxigênio que o idoso utilizava em razão de um enfisema pulmonar.
A Polícia Civil deu início às buscas para determinar o paradeiro do casal, mas eles nunca foram encontrados. À polícia, Cláudia disse que levou o pai e a madrasta para passarem o feriadão de Carnaval com ela em Canoas, onde morava com o filho. Segundo relato, na terça-feira, dia 1º, ela foi até um posto de saúde e, quando retornou, o casal havia ido embora.
A mulher relatou ainda que o pai teria comentado sobre um amigo em Guaíba e que acreditou que ele poderia ter ido visitá-lo. Disse que, em razão disso, não registrou o sumiço na polícia.
Investigação e prisão
A filha e o neto passaram a ser investigados por suspeita de envolvimento no sumiço do casal, em razão de terem sido os últimos a terem contato com os dois.
Como Cláudia alegou que pai e madrasta poderiam ter ido visitar um amigo, a polícia verificou plataformas de transporte por aplicativo, que informaram que o casal não utilizou nenhum transporte no dia do desaparecimento.
Além desse procedimento, uma série de análises em itens encontrados nas residências do casal e dos suspeitos foram realizados. A perícia verificou a presença de sangue em diversos itens, como em roupas e no carro de Cláudia e Andrew. Um laudo confirmou a presença de sangue na parede da residência do casal, sendo que o material teria o mesmo perfil genético do idoso.
A polícia, então, prendeu preventivamente a filha e o neto do idoso. A diligência foi cumprida em 6 de maio de 2022, dois meses depois do desaparecimento.
Indiciamento
Série de fatores levaram os policiais a concluírem que Cláudia e Andrew poderiam ser os assassinos do casal, como o fato de o idoso ter saído de casa sem os medicamentos ou oxigênio, e imagens de câmeras que mostravam a movimentação de mãe e filho na casa das vítimas.
Elementos também indicaram a possível premeditação do crime, como o neto de Rubem ter instalado uma película escura nos vidros do veículo uma semana antes do crime.
Em razão de todos os indícios, a polícia indiciou Cláudia e Andrew em de 13 de maio de 2022 por duplo homicídio qualificado por motivo torpe e dupla ocultação de cadáver.
Acusação
O caso foi encaminhado ao Ministério Público, que o analisou e posteriormente ofereceu denúncia contra Cláudia e Andrew à Justiça em 26 de maio daquele ano. A denúncia foi aceita no dia seguinte e filha e neto do idoso morto se tornaram réus.
Os dois foram acusados de terem cometido os assassinatos usando de dissimulação, por motivo torpe e à traição. Além disso, respondem pelos crimes de ocultação de cadáver, já que os corpos das vítimas nunca foram encontrados, mesmo com buscas realizadas.
A tese do MP é de que Cláudia teria planejado matar o pai e a madrasta. A motivação, segundo o MP, seriam desavenças que ela tinha com ele, por interesse financeiro.
Em 2016, teria ocorrido um falso sequestro, pelo qual a mulher responde processo. O fato é apontado como motivo do rompimento da relação de pai e filha, e que teria levado ao planejamento do crime.
Segundo a acusação, notas fiscais mostram que Cláudia comprou utensílios numa ferragem, como uma lona de caminhão, braçadeiras plásticas e fitas crepes, em 9 de fevereiro de 2022, além de braçadeiras de nylon, tinta spray e fita tape, em 16 de fevereiro. Em 11 de fevereiro, Andrew levou o carro até uma oficina para instalação de películas escuras nos vidros.
Os réus também respondem por outros crimes, como fraude processual e maus-tratos a animal doméstico, em razão de a cachorrinha ter sido encontrada morta. Cláudia também foi denunciada ainda por desacato e Andrew por resistência.
Júri e delação
Em setembro do ano passado, o juiz Marco Luciano Wächter decidiu enviar os réus ao Tribunal do Júri. As defesas recorreram, tentando reverter a decisão. O Tribunal de Justiça negou os pedidos e manteve o veredito do magistrado.
Neste ano, a Justiça marcou para 27 de novembro o júri de Cláudia e Andrew. Contudo, às vésperas do júri, Andrew firmou delação premiada, revelando detalhes sobre as mortes do avô e da esposa dele. Os detalhes da delação levaram ao cancelamento do júri.
No depoimento, Andrew disse que idoso e a companheira teriam ingerido uma substância colocada na comida deles por Cláudia. Na sequência, Andrew teria visto Rubem e Marlene adormecendo no sofá. A mãe teria dito que eles iriam "apagar" e não acordariam mais.
Os corpos foram retirados da casa e levados até outra residência, onde foram incinerados em uma churrasqueira. Andrew contou ainda que teria colocado primeiro o corpo de Rubem na churrasqueira, a mando de Cláudia. Ela teria usado carvão e lenha para alimentar o fogo. Depois, ambos teriam jogado Marlene ao fogo. Os corpos teriam queimado por mais de 36 horas.
Com a delação, Andrew pode conseguir redução da pena.
Posicionamentos
O que diz o MP
Considerando o estado atual do processo judicial, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) entende como correto o cancelamento, por ora, da sessão de julgamento por incidirem diligências pendentes, de modo que o júri dos dois réus em conjunto melhor satisfaz os interesses da sociedade, ocasião em que será demonstrada uma série de provas que confirmam os termos da denúncia e da acusação. Atuam neste caso os promotores de Justiça Thomaz de La Rosa, Michael Schneider Flach e Caio Isola de Aro.
O que diz a acusação
O advogado Bruno Baum Pereira, assistente de acusação que representa familiares das vítimas, enviou uma nota à reportagem. No texto, ele informa que o júri foi cancelado "em razão da pendência de um laudo pericial essencial ao processo" e que a família segue "confiante de que a justiça será feita no momento oportuno". Confira na íntegra:
"Nota à Imprensa
O advogado Dr. Bruno Baum Pereira, assistente de acusação, representante do Sr. Ruben Rafael Heger, informa que o júri, inicialmente marcado para 27 de novembro de 2024, foi cancelado em razão da pendência de um laudo pericial essencial ao processo.
Após a remessa do referido laudo, será agendada uma nova data para a realização do plenário. O adiamento ocorreu apenas por questões técnicas, mas seguimos confiantes de que a justiça será feita no momento oportuno.
Dr. Bruno Baum Pereira
Advogado Criminalista
OAB/RS 127.822"
As advogadas Sara Dal Más e Priscilla Marmacedo, também assistentes de acusação, afirmam ter "plena confiança de que a população de Cachoeirinha fará justiça, mesmo que esta seja alcançada minimamente!". Leia abaixo:
"Nota à Imprensa
Com o adiamento do Júri que estava aprazado para amanhã dia 27/11. Nós Advogadas Assistentes de acusação seguimos firmes ao lado da família que está em LUTO, compartilhando da dor e do sofrimento que foram intensificados com as revelações da delação premiada. Apesar deste adiamento, temos plena confiança de que a população de Cachoeirinha fará justiça, mesmo que esta seja alcançada minimamente!
Os familiares expressaram:
"A distância que hoje nos separa é um mero detalhe comparado ao imenso amor que sempre sentiremos por todos vocês. Não há um dia sequer em nossa caminhada em que seus ensinamentos não nos acompanhem. Desde o dia em que vocês nos foram tirados de forma tão cruel e precoce, nossos dias não foram mais os mesmos. Um pedaço de nós foi junto.”
Os familiares não terão mais isso tudo de volta, mas todos queremos, dentro da lei, que os culpados que fizeram isso, sejam punidos! Nós continuamos aqui, esperançosos de que a justiça prevaleça, honrando a memória de quem partiu e aliviando, ainda que minimamente, a dor de quem ficou!
Sara DAL MÁS OAB/RS 127.752
PRISCILLA MARMACEDO OAB/RS 118.815"
O que diz a defesa
A reportagem contatou os advogados Thaís Comassetto Felix, que representa Cláudia de Almeida Heger, e André Von Berg, que defende Andrew Heger Ribas, mas eles não se pronunciaram até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.