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45 mil colmeias perdidas

Com doação de caixas e de abelhas para recompor enxames devastados pela enchente, RS tenta recuperar produção de mel

Parceria entre iniciativa privada e poder público gaúcho procura substituir pelo menos 2,2 bilhões de insetos levados pela água ou que pereceram por falta de alimento e manutenção adequada, especialmente nos vales do Taquari e do Caí. Antes da tragédia climática, Estado era o maior produtor do produto no país 

03/12/2024 - 13h18min


Marcelo Gonzatto
Marcelo Gonzatto
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As enchentes que devastaram regiões inteiras do Rio Grande do Sul desde o ano passado também destruíram pequenas comunidades fundamentais para o equilíbrio ecológico e o sustento de milhares de produtores rurais. Agora, uma grande operação envolvendo a iniciativa privada e o poder público estadual procura recompor a perda de cerca de 45 mil colmeias, onde viviam pelo menos 2,2 bilhões de abelhas, concentradas em regiões como os vales do Taquari e do Caí.

O plano para substituir enxames levados pela água ou que pereceram por falta de alimento envolve a distribuição de caixas doadas por produtores paranaenses e a geração de novas abelhas "princesas" em um centro de pesquisas gaúcho. Apesar do esforço, a estimativa da Federação Apícola do Estado (Fargs) é de que o trabalho de recuperação levará de quatro a cinco anos para ser concluído.

Até o ano passado, conforme os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul se mantinha como o maior produtor de mel no país. Os gaúchos extraíram 9,1 mil toneladas do alimento, o que gerou valor de R$ 124 milhões apurado pela Pesquisa da Pecuária Municipal. Desde setembro de 2023, porém, milhares de colmeias passaram a ser engolidas pelas inundações ou a perecer devido às dificuldades para receberem manutenção adequada em meio ao caos climático. O cenário ficou ainda pior após a grande cheia de maio deste ano. Além da importância econômica, os insetos são considerados peças fundamentais na engrenagem da natureza por sua função de polinizadores dos mais variados tipos de vegetais.

As perdas por conta do que a água levou ficaram entre 17 mil e 18 mil (colmeias). O resto foi por falta de assistência. As pessoas não tiveram como assistir essas colmeias, dar comida, tratar. Além disso, a chuva também lavou toda a florada, então tinha pouca florada.

DAVID EMENEGILDO

Presidente da Fargs

Como o Estado conta com cerca de 450 mil colmeias, estima-se que pelo menos 10% de toda a rede de produção de mel tenha sido comprometida. Mas a devastação se concentrou nos vales do Taquari, do Caí e do Paranhana, onde a Fargs calcula perdas de até metade dos enxames. 

"É um começo", diz  produtora rural que teve 60 caixas levadas por enxurrada

A produtora rural de Lajeado Shirlei Dieter, 59 anos, foi uma das prejudicadas pela elevação recorde do Taquari. Em maio, 60 das suas caixas de abelhas foram arrastadas pelo rio — somente cinco escaparam da enxurrada.

— Conseguimos recuperar uma parte das caixas que foram levadas. Algumas estavam penduradas (em árvores). Estavam todas cheias de mel, que se perdeu — lamenta a apicultora.

Atualmente, a propriedade já voltou a somar 25 enxames, e Shirlei recebeu a doação de mais quatro caixas provenientes do Paraná. Elas serão pintadas, para aumentar a durabilidade, e repovoadas mediante a doação de novas abelhas princesas (que se tornarão rainhas após a fecundação) graças a um projeto que envolve a Fargs, a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) e a Emater.

— Já é um auxílio a mais. Ainda não sei quando vamos conseguir retomar a produção que a gente tinha antes, é muito difícil, mas pelo menos é um começo — resigna-se a produtora, que também cria cabeças de gado e cultiva milho, aipim e hortaliças em uma parte mais elevada do terreno poupada pela enchente.

Na quinta-feira (28), dia de seu aniversário, Shirlei conseguiu coletar os primeiros seis quilos de mel desde que a tragédia de maio se abateu sobre a região. 

O projeto destinado a ajudar os apicultores gaúchos a se reerguer envolve a doação de até mil caixas do Paraná — cerca de 200 já foram entregues, e outras 300 devem chegar em breve. Elas são transportadas por caminhões disponibilizados pela Seapi e reunidas no Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa em Apicultura (Ceapis), no município de Taquari. De lá, são encaminhadas para pequenos apicultores selecionados pela Emater, que também auxilia no transporte até as propriedades. Em preços de mercado, cada caixote de madeira custaria mais de R$ 200.

Procuramos selecionar quem realmente precisa e depende da apicultura, e tiramos da lista os grandes produtores. Estamos priorizando os pequenos. Estamos finalizando o atendimento aos vales do Taquari e do Caí.

JOÃO SAMPAIO

Assistente técnico da Emater

Parque produz "princesas" para ajudar a recompor colmeias

O esforço para recuperar as criações de abelhas no Rio Grande do Sul não se limita à distribuição de caixas de madeira vazias. Instalada no Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa em Apicultura (Ceapis) de Taquari por meio de um acordo com o governo estadual, responsável pela área, a Fargs vai distribuir abelhas "princesas" produzidas aos milhares no local. As chamadas princesas são abelhas que, após fecundadas, se tornarão rainhas e serão capazes de perpetuar as colmeias ou dar origem a novos enxames.

Em condições naturais, as futuras rainhas são selecionadas pelas abelhas operárias ainda na fase de larva para receber uma alimentação especial que determinará seu futuro desenvolvimento. Depois disso, se envolvem em uma luta mortal para indicar, ao final, a vencedora. 

No parque de Taquari, porém, para otimizar a produção, elas são "fabricadas" em larga escala. Para gerar cerca de 250 princesas por semana, são utilizados quadros de madeira com pequenas cúpulas (metade de uma esfera), onde larvas das abelhas são acomodadas e recebem a alimentação especial (chamada geleia real) para se converterem em futuras rainhas sem necessidade de disputas internas.

No centro de pesquisa de Taquari, há uma pequenas construção de alvenaria chamada "Casa das Rainhas", onde esse trabalho é realizado sob condições controladas de temperatura e umidade. O objetivo da manipulação, além de aumentar a quantidade de insetos produzidos, é garantir a melhor genética possível. Ao receber a princesa, o apicultor já deve contar com abelhas operárias e o zangão que vai fecundá-la.

— O ideal é que ela seja fertilizada no microclima que ela vai encontrar, por um zangão daquele microclima. Se sair daqui já como rainha, pode não se adaptar ao ambiente que vai encontrar — explica o presidente da Fargs, David Emenegildo.

A futura rainha pode garantir a continuidade da colmeia, ampliando sua produtividade, ou dar origem a um novo enxame a partir da divisão de uma comunidade já existente.


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