Única brasileira
Conheça a gaúcha que participou da restauração da Catedral de Notre-Dame, na França
Juliana Rodrighiero, natural de Pelotas, foi uma das responsáveis pela recuperação dos murais da capela e móveis históricos do monumento em Paris, concluída quase cinco anos após a tragédia
A Catedral de Notre-Dame de Paris voltou a receber visitantes no último sábado (7), quase cinco anos após o incêndio que devastou um dos principais símbolos da França. A reabertura foi celebrada com cerimônias solenes, incluindo uma apresentação de coral e a reinauguração do grande órgão, um instrumento de 300 anos de história.
O reparo do monumento histórico custou cerca de 700 milhões de euros (equivalente a R$ 4,4 bilhões). No total, trabalharam na obra mais de 250 empresas e centenas de artesãos. E, entre os profissionais envolvidos, estava a gaúcha Juliana Rodrighiero, pesquisadora e restauradora de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul.
O trabalho da pelotense foi um dos homenageados pelo presidente da França, Emmanuel Macron, no discurso realizado durante o evento de reabertura da Catedral.
Caminho até a França
O caminho de Juliana até a França surgiu por meio dos seus estudos, ainda na graduação em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Fascinada pelo conceito de patrimônio e pela arquitetura gótica, sonhava em atuar no país que é considerado o berço das políticas de preservação cultural.
É difícil descrever em palavras todo o sentimento, a felicidade e o orgulho de ser brasileira e de ter participado de um projeto tão importante a nível mundial
JULIANA RODRIGHIERO
Pesquisadora e restauradora
Em 2019, a gaúcha ingressou no doutorado em Memória Social e Patrimônio Cultural pela UFPel e, no mesmo ano, conquistou uma bolsa para um período sanduíche na Université de Bourgogne, em Dijon.
— Foi um processo seletivo bastante rigoroso, que exigia um nível avançado de francês, uma carta de aceite de uma universidade francesa, um professor orientador francês, um projeto de pesquisa e obviamente uma avaliação do currículo — conta a pesquisadora.
A experiência acadêmica resultou em uma cotutela internacional, que lhe garantiu dupla diplomação em Memória Social e Antropologia. Durante a estadia na França, Juliana intensificou os estudos em restauração, o que culminou em sua contratação pelo renomado Ateliê Mériguet-Carrère.
Entre 2022 e 2024, participou como restauradora de pintura mural e decorativa de monumentos emblemáticos, incluindo projetos no Palais de Justice, no Jardim de Luxemburgo e, claro, na Catedral de Notre-Dame.
Restauração
A tragédia de abril de 2019 devastou a estrutura da Catedral de Notre-Dame. O incêndio destruiu parte do telhado, a icônica torre central e várias capelas internas. A gaúcha iniciou os trabalhos na Notre-Dame em março de 2023 e permaneceu até setembro de 2024.
Sua atuação focou na restauração de pinturas murais e decorativas nas capelas Porte Rouge e Saint-Germain, além da finalização de móveis da sacristia. Os trabalhos eram realizados em missões.
— Eram atividades que ocorriam por missões. Como havia muitas empresas trabalhando ao mesmo tempo, por vezes era preciso aguardar validação do Comitê Científico e outros trabalhos para avançar. Por esse motivo, por vezes tínhamos missões de três ou quatro meses e missões de um mês, por exemplo — explica Juliana.
A Porte Rouge, uma das áreas mais afetadas pelo fogo, foi um dos locais que demandou atenção redobrada devido à fuligem, lacunas na camada pictórica e danos causados pelo tempo. Segundo Juliana, foi um trabalho minucioso e técnico, sendo necessárias diversas técnicas:
— Foram realizadas limpeza e higienização, refixagem e consolidação da camada pictórica, aplicação da camada de nivelamento, aplicação de verniz intermediário, reintegração cromática, douramento com aplicação de folha de ouro e dentre tantas outras técnicas e procedimentos.
Foi um sentimento de dever cumprido com louvor
JULIANA RODRIGHIERO
Já a Saint-Germain não foi tão afetada, mas apresentava problemas de umidade, que também comprometeram os elementos decorativos. Cada etapa da restauração seguiu protocolos rigorosos aprovados por um comitê científico.
— A minha participação foi mais precisamente na consolidação da camada pictórica, aplicação da camada de nivelamento, reintegração cromática e douramento com aplicação de folha de ouro. Por fim, no que se refere aos móveis da sacristia, atuei pontualmente na finalização da restauração, especialmente por meio da reintegração cromática e aplicação de verniz — acrescenta a restauradora.
Nova catedral
A catedral, ícone da arquitetura gótica, passou por uma transformação que respeitou suas características originais, mas incorporou elementos contemporâneos, como a iluminação em LED. Para Juliana, essa harmonia entre o antigo e o novo reflete a essência da restauração. Por isso, ela não consegue descrever o sentimento de ter participado.
— É uma Catedral restaurada por Eugène Viollet-le-Duc, um dos primórdios da teoria clássica da restauração. Portanto, enquanto conservadora-restauradora, considero muito difícil descrever em palavras todo o sentimento, a felicidade e o orgulho de ser brasileira e de ter participado de um projeto tão importante a nível mundial
O primeiro momento especial para ela foi a sua primeira entrada na catedral. Ela estava no Brasil quando o incêndio aconteceu e se recorda de assisti-lo na televisão.
— Por ser uma pesquisadora apaixonada pela arquitetura gótica, o meu primeiro pensamento foi “Nunca vou ter a oportunidade de conhecer a Notre-Dame”. Então quando comecei as atividades foi bastante emocionante saber que além de conhecê-la, também estaria contribuindo para a sua restauração e deixando o meu nome na história — destaca.
Outro momento marcante para a restauradora foi a conclusão da capela Porte Rouge. Após a retirada dos andaimes, Julianapôde contemplar o resultado do trabalho.
— Eu olhava o entorno da Capela e conseguia lembrar claramente de cada ação realizada e de cada pincelada feita por mim. Foi um sentimento de dever cumprido com louvor.
Única brasileira
Juliana foi a única brasileira na equipe de pintura mural e decorativa, composta majoritariamente por franceses. O seu trabalho ganhou destaque na exposição Visages du Chantier, elaborada para os Jogos Olímpicos de 2024, que homenageou os profissionais envolvidos na restauração. Uma foto da restauradora ao lado de seus colegas foi exibida, simbolizando a diversidade e o talento por trás da reconstrução.
— Foi muito emocionante ter o reconhecimento do meu trabalho e ver a minha foto como integrante da equipe de restauradores — celebra.
Retorno ao Brasil
Pelotense, retornou ao Brasil após três anos na França, para se dedicar a pesquisas e ao desenvolvimento de projetos profissionais. Entre as iniciativas está a publicação de um livro sobre Teoria Contemporânea da Restauração, que deve abordar sua experiência em Notre-Dame.
Meu objetivo agora é compartilhar o conhecimento adquirido e continuar contribuindo para a preservação do patrimônio cultural
JULIANA RODRIGHIERO
Apesar da adaptação à vida na França, a saudade da cultura gaúcha nunca ficou de lado. Ela também ressaltou o apoio dos pais Antonio Marcos e Gabriela, e do irmão Antonio Gabriel, durante o período.
— Mesmo com a distância, sempre estivemos conectados. Tive uma ótima adaptação à cultura francesa, mas senti muita falta da minha cultura gaúcha, especialmente do nosso churrasco. Sempre que possível, eu estava acompanhada do meu chimarrão e recorrendo aos restaurantes brasileiros, para lembrar o sabor da nossa cultura — finaliza.
*Produção: Murilo Rodrigues