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"Proibir não é saudável", afirma pesquisadora sobre uso de celular em sala de aula

Em novembro, norte-americana Ann Berger Valente, especialista em tecnologias para a educação, esteve em Porto Alegre para mediar painéis e participar da 4ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa

05/12/2024 - 15h05min


Fernanda Polo
Fernanda Polo
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Jefferson Botega / Agencia RBS
Ann Berger Valente é educadora, gerente de Pesquisa Educacional no Lifelong Kindergarten Group (MIT Media Lab) e integrante do Núcleo Institucional da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC).

A norte-americana Ann Berger Valente, 67 anos, é educadora e pesquisadora da tecnologia digital como ferramenta de expansão das oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento do potencial individual. Possui vasta experiência em Desenvolvimento Infantil. É gerente de Pesquisa Educacional no Lifelong Kindergarten Group (MIT Media Lab) e é integrante do Núcleo Institucional da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC).

Em novembro, Ann esteve em Porto Alegre para mediar painéis e participar da quarta Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa – que teve o RS como cenário para contribuir com a recuperação do Estado e mostrar que isso é possível por meio da educação.

Ann é bacharel em Artes - Educação e Ensino Infantil pela Tufts University (EUA), mestre em Educação - Tecnologia Educacional/Instrucional pela Harvard Graduate School of Education (EUA) e doutora em Filosofia - PhD em Ciências Médicas - Neuropsicologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Já atuou em diversas instituições educacionais, agências governamentais e fundações.

Nesta entrevista a Zero Hora, realizada durante o evento, Ann explicou os processos da aprendizagem criativa, abordou os possíveis impactos positivos da tecnologia no ensino e forneceu dicas aos professores para implementar a técnica na sala de aula.

Confira a entrevista:

No Brasil, há uma discussão corrente sobre proibir o celular nas escolas. Qual é a sua opinião?

Você tem de desenvolver o letramento digital para poder ser um usuário sensato. Se você proibir, deixa de aproveitar a oportunidade de fazer uma aprendizagem monitorada, poder discutir sobre o que é esse conteúdo com colegas, com o professor. Então ele vai pegar o celular depois e vai fazer o uso da forma mais banal. Agora, na sala de aula, o celular compete muito com o professor que está dando aula na lousa. É um sinal de que tem de mudar um pouco o nosso método de ensino.

Por outro lado, quando você vê as crianças sentadas no pátio, cada uma no seu celular, sem ser interagindo, você também está perdendo uma oportunidade de socialização, de atividade física, de uma série de outras coisas.

Tem de ser usado de uma forma sensata, moderada, com finalidades apropriadas, porque tem muito potencial da tecnologia e do próprio celular. De acesso à informação e à possibilidade de criar. Seria uma injustiça para certas crianças que não têm uma biblioteca em casa, que não têm um pai que já leva para o museu e tudo mais. Você proibir, eu acho que não é saudável, mas tem de achar uma forma viável.

Como ser mais criativo na educação para reter a atenção dos alunos em meio a tantos apelos tecnológicos?

A tecnologia pode ajudar muito no processo de ensino e aprendizagem, mas não são todas as tecnologias que fazem uma mudança de postura de poder entre professor e aluno – na qual o professor é detentor das informações, e o aluno, receptor. Há tecnologias como a lousa digital, que não muda nada em termos dessa relação. É extremamente cara e você ainda tem o professor na frente da sala passando as informações para as crianças. Gostamos muito de usar a tecnologia onde a criança pode interagir com esse meio, se expressar.

Isso também é muito diferente de ficar vendo o feed do TikTok ou do Instagram. É a mesma coisa: você está recebendo essas informações, não acrescentando muito, porque tem muita porcaria, e, além de tudo, há todos os problemas de alienação, comparação com o outro e bullying.

Mas se você usar a tecnologia para expressar, para criar um projeto, para programar o computador, dar ordens para o computador, aí você tem uma relação de ter uma ideia, testar a ideia, ver o resultado. E esse resultado é fiel, porque o computador não acrescenta nada além do que você fala para ele. Esse processo é uma depuração muito eficiente das suas ideias.

Quando você começa a explorar essas relações por meio do computador, você tem a possibilidade de usar as simbologias e as anotações para isso, que você não teria decorando algoritmos na lousa. Atualmente a gente está desenvolvendo um aplicativo chamado OctoStudio, para programar usando o celular. É uma linguagem de programação em blocos em que a criança pode desenvolver narrativas, cartões, vivências no celular. E muda totalmente essa relação. Em vez de ser consumidor, eu estou expressando, criando alguma coisa nesse celular. A gente está apostando muito nessa possibilidade da tecnologia. 

A tecnologia pode ter um impacto positivo na aprendizagem, então?

Pode ser um impacto negativo do lado socioemocional, com certeza. A gente está vendo muito isso nos adolescentes e tudo mais. Mas na aprendizagem, eu acho que tem muito potencial para explorar novas tecnologias, novos conhecimentos, novas maneiras de se expressar.

Você pode fornecer exemplos?

Tem vários exemplos nos quais a tecnologia é usada para fazer um projeto sobre algum ambiente do nosso meio. Pode ser a nossa escola, nossa cidade, algo menor. E as crianças, juntas, começam a construir, vamos supor, a escola que a gente quer.

Teve um projeto muito lindo em São Paulo sobre isso. Foram construindo os prédios, o que seria essa escola no futuro, usando sucata, para uma espécie de maquete, mas, aí, introduzindo motores, placas solares, alavancas e programando todos esses elementos usando linguagem de programação, como o Scratch. Pode usar o microbit, que é uma placa que controla esses motores. Então, você está aprendendo uma série de conhecimentos de engenharia, de matemática e, ao mesmo tempo, fazendo uma expressão, uma avaliação crítica do seu entorno.

Jefferson Botega / Agencia RBS
Ann Berger Valente destaca que Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa possui materiais que podem auxiliar professores de todo o país a implementarem atividades com esse viés.

O que é a aprendizagem criativa?

A aprendizagem criativa é uma abordagem pedagógica baseada nas ideias do construcionismo, que tem suas bases na pesquisa do Seymour Papert, no Massachusetts Institute of Technology (MIT). O construcionismo propõe que a criança aprende por meio de construir coisas. Em vez de ser ensinado por meio de repetição, reforço, memorização, a criança vai criando hipóteses e testando essas hipóteses. Se dá certo, então vai avançando. Se não, preciso repensar o que eu estava pensando.

Isso é muito parecido com as ideias de Jean Piaget, que desenvolveu a ideia de construtivismo. É toda uma teoria pedagógica. O Seymour Papert veio em cima desse construtivismo, no construcionismo, no sentido que a criança aprende por meio desse processo de testar. Eles chamam de assimilação de novas combinações, mas por meio de construir coisas.

Ao construir um objeto, seja um robô, um castelo de areia, um poema, um teatro, eu vou colocando as minhas ideias para fora. Ao externalizar as ideias, eu posso olhar para aquilo e perguntar: era isso que eu imaginava? Também outra pessoa pode olhar e dizer: você estava pensando assim, mas olha aqui. Aí você pode ajustar. Então, quando você externaliza, a aprendizagem acontece muito mais rápido e possibilita o compartilhamento de ideias entre pessoas, essa socialização, que é tão importante.

A criança pode construir algo, compartilhar com o colega e, a partir daí, depurar suas ideias

ANN BERGER VALENTE

Educadora e integrante do Núcleo Institucional da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC)

Há um caminho a ser seguido nesse processo?

O construcionismo foi desenvolvido nos anos 1980 por Seymour Papert e outros colegas. Depois, Mitchel Resnick desenvolveu o que chamamos hoje em dia de aprendizagem criativa.

Ela acontece por meio de um espiral da aprendizagem. Começa com ter uma ideia, imaginar que eu quero fazer alguma coisa, aí eu posso começar a criar, que é essa externalização que eu estava falando. Então, eu tenho uma ideia, começo a mexer, a criar, aí eu vou brincar com essa ideia, que é testar, ver se funciona. Se eu estou criando um robô, testar. Então, eu vou brincando com as ideias que eu tinha, essa é a aprendizagem.

Uma vez que ela está em um momento que é compartilhável, eu vou mostrar para os outros, receber o palpite de um, de outro, dar sugestões, e aí eu posso refletir sobre o meu processo. Então começa tudo de novo, eu vou imaginar uma outra solução, eu vou criar alguma modificação, eu vou brincar com isso, eu vou compartilhar e vou refletir.

Qual é o impacto da aprendizagem criativa na vida dos jovens?

Temos visto o envolvimento dos jovens, que é fenomenal, no sentido de eles se sentirem empoderados, que eles podem ter uma ideia. Valorizar a ideia da criança, por mais simples que seja, e vamos, a partir disso, trabalhar em cima da ideia que você tem. Mesma coisa com os professores, você já tem muito conhecimento, vamos trabalhar com isso e vamos ampliar.

Para a criança que não tem essas oportunidades na escola, que está sempre sendo punida, que não se enquadra dentro do ensino tradicional, é revolucionário para poder se expressar. Talvez ela tenha uma outra maneira de encarar o mundo, de entender as coisas, que não se conformem a preencher uma folha de exercícios ou repetir uma série de instruções.

Jefferson Botega / Agencia RBS
Ann defende a aplicação de uma forma de aprendizado construtivista, baseada no aprendizado a partir das ações realizadas pelos jovens.

Como os professores das escolas brasileiras podem implementar a aprendizagem criativa na sala de aula?

Isso é muito fácil. É só querer. Tem vários eventos acontecendo no Brasil inteiro. Nós temos o portal da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa, é aprendizagemcriativa.org, que tem uma série de ideias, de atividades, materiais e planos de aula, que foram feitos por colegas, professores que podem subir suas atividades e compartilhá-las.

A gente acha que a aprendizagem é muito sobre pessoa com pessoa. A rede é um movimento social de pessoas, professores que já compraram essa ideia, já vivem essa ideia. Acreditamos que um professor contamina o outro. Então, temos uma rede de núcleos regionais no Brasil inteiro, 27 núcleos, em todos os territórios. Chegue em um desses núcleos, eles têm rodas de conversa sempre, tem atividades, promovem festivais. Tente participar como voluntário uma vez.

O que a gente têm encontrado nos nossos festivais é que, às vezes, o professor vai lá uma vez e acha interessante. Aí na outra vez, volta e diz: “Eu fiz uma atividade com meus alunos”. Aí no outro ano, o professor está lá apresentando o seu trabalho. Estamos muito abertos a quem se interessar.


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